terça-feira, dezembro 15, 2015

Sócrates, a investigação e JM Coelho

As pessoas sabem que sempre fui um crítico de José Sócrates. Quer no plano político propriamente dito, quer sobretudo no plano institucional, enquanto primeiro-ministro, por ter mantido com a Madeira uma hostilidade política e uma excessiva agressividade institucional - veja-se o que se passou com a Lei de Finanças Regionais e o polémico processo ocorrido em 2007 - que apesar de tudo foram atenuadas com os temporais de 2010 e a Lei de Meios surgida então em consequência dessa catástrofe que marcou a Madeira.
Sempre reconheci em Sócrates um particular interesse pela comunicação política, pela propaganda pura e dura se quiserem. Penso mesmo que os governos socialistas de Sócrates, sobretudo o de 2005 a 2009, assentou muita da sua "praxis" quotidiana no aproveitamento das potencialidades que uma boa comunicação política propicia a que, utiliza mas que não lhe valeu de nada quando a situação financeira do país se agravou em 2011, já com o segundo governo de Sócrates, levando a uma espécie de declaração de falência do país, ao pedido de ajuda externa à troika, à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas que se realizaram em Junho desse ano.
Hoje, enquanto jornalista profissional - depois de ter recuperado todos os meus direitos e o respectivo título profissional que permaneceu depositado enquanto existiram incompatibilidades legalmente estabelecidas, mas entretanto superadas - e independentemente de ter o direito a um pensamento e a opções partidárias próprias, tenho que manter deontologicamente, sem hesitações de qualquer espécie, o distanciamento que uma linha vermelha me impõe, apelando à minha ética profissional, ao rigor deontológico, à defesa da verdade e à análise dos factos enquanto tal.
É neste quadro, e separando as águas, que acho que este processo com Sócrates tem muita coisa, mesmo muita coisa, que precisa de ser esclarecida. Rapidamente e de forma cabal.
Não me deixo influenciar por uma espécie de massacre público de Sócrates, recuso condená-lo com base nas redes sociais e nas patifarias e nos patifes que as inundam. Recuso ir a reboque de uma corja de bandalhos que usam as redes sociais para o insulto fácil.
Contudo, aceito que por parte da justiça, do Ministério Público mais concretamente - a quem cabe a investigação e depois a formalização de uma acusação que é aceite ou não pelo Juíz nos  Tribunais - faltam informações concretas que ao menos salvem a sua face e impeçam que o MP fique ao sabor de especulações, insinuações, acusações ou suspeições. Um ano depois de o terem detido em Lisboa com aquele aparato todo combinado com as televisões, dois anos depois da investigação, não há nada de concreto, não há uma acusação concreta e fundada, não há factos devidamente apurados e provados? Que raio, a ser assim, de investigação é esta?
Sempre que oiço Sócrates, desconfio que a justiça portuguesa tem muita coisa a esclarecer aos cidadãos e que vai chegando o tempo para que se comece a exigir da justiça esclarecimentos.  Não podemos tolerar que num estado de direito democrático, a justiça, sobretudo o Ministério Público,  tenha uma espécie de tempo próprio, de agenda própria se quiserem, comportando-se como uma espécie de um estado dentro do Estado, prendendo pessoas, promovendo escutas depois invalidadas pelos tribunais na fase de julgamento, lançando as suspeitas, usando os meios de comunicação para eventuais fugas de informação controladas, e eventualmente fugas selectivas ao segredos de justiça, sem nunca formalizar acusações e alimentando uma vil perseguição e julgamento de pessoas nos média, sem que as mesmas tenham sido sequer acusadas, julgadas e condenadas. Simplesmente vergonhoso.
Não é admissível que um ano depois de ter mantido Sócrates em prisão efectiva, com tudo o que isso implicou em termos mediáticos, os portugueses continuem sem saber que acusações concretas estão quantificadas, que factos foram apurados pelo Ministério Público e pela sua estrutura de investigação, que indícios hoje existentes e veiculados pelos média são mais do que isso, etc. 
Se o Ministério Público vacilar, se se constatar que corremos o risco da montanha parir um rato, então nada pode continuar na mesma.  A justiça tem que responder pelos seus fracassos, pelos seus actos, pelos seus eventuais falhanços. E constitucionalmente devem ser feitas as alterações que a situação exige e determina. Não podemos ter, por exemplo, mais situações como a que envolveu recentemente a ex-ministra da educação de um governo socialista.
Lembro que foi noticiado que "a relatora do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que ilibou Maria Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação do governo de José Sócrates, participou em diversas acções de campanha do Partido Socialista nas autárquicas de 2013. Maria José Machado, assim se chama a juíza desembargadora, é casada com Fernando Anastácio, candidato derrotado do PS à Câmara de Albufeira em 2013. Na qualidade de cônjuge, participou em diversas acções de campanha, tendo sido mesmo fotografada no palco dos comícios da campanha ao lado de todos os candidatos do PS". Que raio der independência e isenção é esta? Mesmo que a magistrada em causa seja exemplo de equidistância a verdade é que estes factos mancham o seu trabalho e questionam as suas decisões.
Ora estas coisas não podem acontecer e se os Tribunais não conseguem controlar situações como estas, então o Estado por via da Constituição deve tomar as iniciativas que esta potencial promiscuidade exige e determina, recusando que um Estado de direito democrático fique refém de uma alegada independência do poder judicial que não pode significar impunidade.
Ou seja, até que o MP esclareça os cidadãos sobre as acusações que faz a Sócrates, que factos concretos foram apurados, parece-me muito sinceramente que Sócrates não pode continuar a ser massacrado como se de um bandido se tratasse. Por muito que as pessoas duvidem da sua inocência, por muito que tem sido escrito e dito, existem algumas acusações em concreto, existe algum documento oficial, conhecemos factos concretos que fundamentem uma acusação?
O caso Coelho
Isto faz-me lembrar tudo o que se tem passado com o deputado regional do PTP, José Manuel  Coelho, na sua cruzada contra uma agente de execução. Ressalvando os excessos de uma linguagem sem limites utilizada e as acusações levianas com que brinda pessoas e as enxovalha em público, há uma certa similaridade entre as duas situações. Aliás, tem sido porventura esse comportamento de JMC que tem levado o PTP a perder votos e José Manuel Coelho a confrontar-se hoje com a dúvida sobre o seu futuro político.
Uma oposição mais realista, assente nos factos, sem exageros, sem excessos, sem acusações que podem agradar alguns sectores da populaça - que depois não votam no PTP como tem sido evidente - mas não abonam em nada a favor de Coelho e do PTP. A realidade tem sido madrasta para ele.
Coelho andou anos,  creio que muitos anos, a denunciar repetidamente e a combater uma agente de execução por si identificada, fazendo-lhe acusações concretas, algumas delas documentalmente suportadas. Os processos que lhe foram movidos pela referida agente de execução, alegadamente por danos morais e não sei que mais, levaram  Coelho a sentar-se várias vezes na barra dos tribunais e a ser condenado, ao que suponho. Curiosamente foi a própria estrutura judicial do Funchal quem num balanço à actividade, reconheceu que existem problemas com aquela agente e revelou que o seu comportamento está a ser alvo de investigação. O problema que se coloca agora à justiça, é saber até que ponto existe alguma lógica em tudo o que se passou antes, numa certa legitimidade da mesma em se sentir ofendida ou lesada, quando foi o próprio Tribunal do Funchal e a estrutura de Solicitadores e Agentes de Execução a reconhecer a existência de potenciais ilegalidades e de comportamentos passíveis de procedimento criminal.
O caricato de tudo isto é que andamos a desvalorizar ou relativizar as acusações de JMC neste caso concreto, quando pelos vistos, mesmo com os excessos que o caracterizam e os exageros que normalmente ele aplica às suas intervenções públicas, poderá ter a razão do seu lado. Por muito que isso incomode.

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