segunda-feira, novembro 19, 2012

Opinião pessoal: "Refundação o tanas!"

"Apesar de ter começado mal, a questão da denominada "refundação" do chamado "estado social" não deixa de ser importante e de constituir um desafio que deve ser encarado à escala global em termos do futuro do nosso país. Sobretudo porque é importante que os portugueses percebam, sem equívocos, se o Estado tem condições financeiras para suportar os encaros decorrentes desse "estado social" constitucional que hoje temos ou se corremos o risco de sermos confrontados, a médio prazo, não apenas com a falência da segurança social e com o sistema de pensões dos funcionários públicos, mas também com a incapacidade orçamental do Estado de assumir responsabilidades que lhe estão consignadas constitucionalmente nos domínios da saúde e da educação.
Todo este processo começou mal porquê?
Porque Passos Coelho, falando numa reunião partidária, por temer falar na renegociação do próprio memorando de entendimento - porque na realidade é disso que se trata e toda a gente já o percebeu - e para se furtar a questões prévias incómodas relacionadas com a constitucionalidade das propostas já em discussão, a que se junta o risco da Assembleia da República ser confrontada com o escândalo de produção matéria legislativa inconstitucional, difundiu a teoria da “refundação” do memorando de entendimento (e do estado social), sem ser capaz de explicar abertamente o que isso significava.
Passos não quer falar em renegociação do memorando de entendimento porque seria fazer o que a oposição e muitos outros sectores, incluindo muitos próximos dos partidos da maioria, têm vindo a reclamam, bem como organismos como o CES, a UTAO, partidos políticos, parceiros sociais, etc. O problema é que subjacente a esta conversa da treta existe apenas um objetivo, o da renegociação do próprio modelo de Estado e o corte de despesas (pelo menos 4 mil milhões de euros, que muitos situam nos 5 a 5,5 mil milhões de euros nos próximos anos) para que o país seja orçamentalmente viabilizado. Ora a desejada renegociação do memorando de entendimento não era tão restritiva e sectária como esta teoria, pois pretende ir vai muito além disso, incindindo essencialmente nos prazos, juros e montante emprestado ao país. Por exemplo, sabe-se hoje que o empréstimo inicial passou de 78 mil milhões para 79 mil milhões mas ninguém sabe, melhor dizendo, ninguém percebeu ainda como é que se aumenta o valor inicial sem qualquer explicação plausível.
Mas também começou mal porque quando Passos estendeu a passadeira ao PS, convidando-o para o misterioso debate da "refundação do memorando" - que ninguém sabe do que se trata - na tentativa de suavizar a contestação política com reflexos sociais, escondeu duas situações fundamentais: a presença de técnicos do FMI em Lisboa a trabalhar com o governo de coligação nesse "dossier" e a decisão de cortar “pelo menos” os tais 4 mil milhões de euros até 2014, fomentando a ideia de que as coisas já estavam tratadas nos bastidores o que indicia uma provocadora rasteira política ao PS enquanto maior partido da oposição e responsável pela catástrofe nacional (com Sócrates) de falência financeira que levou ao pedido de ajuda externa. Passos escondeu a existência de um acordo entre o governo de coligação - que continua a ser pouco ou nada sério - e a "troika" na sequência da 5ª avaliação da execução do programa de ajustamento.
Quando Passos começou a perceber que o PS se preparava para recusar o seu envolvimento no processo, pelo menos nos moldes pretendidos pelo governo de coligação, ordenou à incompetente e desastrosa propaganda oficial moldar as intervenções de ministros e de deputados ou dirigentes dos dois partidos da maioria – algo semelhante aos discursos oficiais de todos os setores políticos nazis em vésperas da invasão de um novo país europeu - no sentido de criticarem os socialistas e de extremarem posições, alertando para o alegados "perigos" caso se mantivessem (o PS) à margem dessa discussão. Como se os portugueses, face ao estado deprimente em que se encontram, aceitem pacificamente qualquer alteração às responsabilidades financeiras do chamado "estado social" ou permitam que esta questão fique dependente apenas de caprichos, de bons ou maus fígados de ministros ou primeiros-ministros e de um doentio autoconvencimento que esconde a realidade, ou seja a incompetência, a impreparação e o falhanço de todas as previsões. Além da clara intenção de subversão constitucional do Estado, nos seus alicerces mais profundos e essenciais, por via da imposição fascizante de visões neoliberais ao serviço de teorias capitalistas das mais nojentas e asquerosas.
O claro desespero do governo de coligação - e do PSD e CDS - ante a posição do PS, que me parece perfeitamente normal (a recusa da apresentação de propostas e de qualquer responsabilização, alegando que a "troika" e o governo de coligação é que têm essa obrigação) faz-me desconfiar que terá sido a "troika" a reclamar ao governo de coligação o envolvimento dos socialistas neste processo.
E porquê toda esta pressa? Simples de entender.
Depois do fracasso da obtenção do défice das contas públicas para 2012, as previsões para 2013 são ainda piores. Como o governo de coligação provavelmente ficará impedido pela própria "troika" de agravar ainda mais a austeridade sobre os cidadãos e as famílias - por temer uma rebelião popular que começo a desconfiar estar a caminho e a transformar-se num desfecho absolutamente irreversível - e como a execução orçamental se agravará para valores ainda piores dos que os que serão registados até final deste ano, estamos cada vez mais confrontados com o fracasso, mais do que provável, do próprio programa de ajustamento financeiro. Resta, como solução, atacar o chamado "lado da despesa", o que explica esta dramática insistência na revisão do memorando de entendimento no que às responsabilidades do governo quanto ao "estado social" dizem respeito e ao pretendido corte urgente de "pelo menos" 4 mil milhões de euros até 2014.
Mas afinal esta patética e inadequadamente chamada "refundação" do memorando implica o quê? Basicamente o tal corte de "pelo menos" 4 mil milhões de euros, até 2014 (sem sabermos qual a distribuição desses cortes em 2013 e 2014) que, por se tratar do chamado "estado social" vai incidir sobre a saúde, educação e segurança social, nas suas múltiplas componentes. E tudo isto precisa ser rapidamente acelerado para que o governo de coligação, devido ao compromisso assumido com a "troika" (e deliberadamente escondido), apresente uma proposta concreta aos estrangeiros quando estes vierem a Portugal realizar a 7ª revisão do programa de ajustamento financeiro, em Fevereiro do próximo ano. Percebe-se por isso o desespero em que a maioria se encontra - desespero indisfarçável e evidenciado pela insistência dos apelos ao PS para “entrar” neste debate dos cortes aos custos do "estado social". Mesmo que Passos Coelho, numa demonstração da veia autoritária deste governo de coligação desacreditado e ilegítimo, tenha já anunciado que os cortes avançarão mesmo sem o PS!
A este propósito, e como reflexão final, não deixa de ser estranho e paradoxal que o presidente da Comissão Europeia Durão Barroso tenha criticado – embora sem os nomear – os governos europeus que estão a travar, no debate do próximo orçamento europeu, a adoção de medidas para apoiar trabalhadores desempregados e combater a pobreza. Para Barroso "a verdade é que nas negociações atuais sobre o futuro orçamento, há alguns governos na Europa que querem cortar propostas que são essenciais de um ponto de vista de solidariedade social. É isso que explica a indignação que já existe em muitas partes da Europa, com programas que são difíceis, o resultado de erros do passado, feitos por governos e pelo setor financeiro" (JM)