"Temos sido bombardeados com a acusação de esbanjadores, gastadores e irresponsáveis. A toda a hora ouvimos que "os portugueses gastaram demais". Que Portugal gastou mais do que a riqueza que produziu é um dado adquirido, como adquirido foi o deficit e a dívida. Mas quando se diz que "os portugueses andaram a gastar à tripa forra" ou se mostra, num vídeo para alemão ver, os portugueses de BMW e a acenar cartões Visa, está a dizer-se que o cidadão foi irresponsável. Está a dizer-se, generalizando, que este deficit, e o esforço titânico para o resolver, é culpa dos cidadãos que compraram telemóveis a mais, se passearam em topo de gama, fizeram férias nas Caraíbas, compraram microondas e televisões. Esta generalização, que não é do foro da economia mas da comunicação e propaganda, é uma opinião que, fazendo o seu caminho pelo centro direita e pelas franjas mais afluentes da sociedade, vai fazendo a doutrina que o português é um irresponsável gastador. Nunca se ouve que as empresas ou os empresários portugueses gastaram de mais. A doutrina parece ser a de que o cidadão, o povo, a classe média, os trabalhadores gastaram o que não tinham irresponsavelmente. Podemos concordar que os portugueses gastaram o que não tinham, mas é a insinuação de irresponsabilidade que me deixa desconfortável. Fui, por isso, à procura de dados que comprovassem ou infirmassem esta irresponsabilidade e não foi fácil, pois não encontrei dados oficiais credíveis. Dizem os que encontrei que, em Portugal, o nível de incumprimento no crédito é de cerca de cerca de 6,27%. Dizem também que 2/3 do crédito em incumprimento pertence a empresas. Só o outro terço é que é dos tais portugueses esbanjadores que optaram por "estilos de vida idiotas". Acontece que, cerca de 80% do crédito a idiotas é crédito à habitação onde a taxa de incumprimento é SÓ de 2%. O que nos levaria a pensar que estes idiotas pediram dinheiro mas tiveram, até agora, um comportamento responsável, pagando o que deviam. Se estes números fossem fiáveis a tese do "português idiota e esbanjador que vive acima das suas possibilidades e faz férias nas Caraíbas" seria apenas uma opinião propagada para arranjar um bode expiatório e justificar todas as políticas. Mas quando partilho estes números com especialistas logo me dizem que não é bem assim, que os números não são reais. Que o incumprimento é muito maior, mas está camuflado pela utilização de critérios mais favoráveis, que não são iguais em todos os países. E por isso também não é possível comparar o nível de incumprimento entre os vários membros da União. Até porque, nem todos disponibilizam os dados. E assim, sem dados fiáveis, acabo onde comecei: no reino da opinião e da ignorância" (texto do jornalista Pedro Bidarra do Dinheiro Vivo, com a devida vénia)