segunda-feira, outubro 09, 2023

Sondagem: maioria não quer menos impostos à custa de mais défice


Manter tudo como está e não mexer nem nos impostos nem no Estado Social e, talvez o mais surpreendente, não aumentar o défice. Embora a maioria dos portugueses, quando instados a escolher uma medida de política orçamental, tenha como prioridade baixar os impostos, quando são confrontados com o dilema de que parte do cobertor puxar, preferem deixá-lo como está. Ou seja, em política orçamental jogam pelo seguro: não mexer.

As conclusões são da sondagem do ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC, com trabalho de campo feito de 16 a 25 de setembro. Seguindo uma metodologia usada pela primeira vez nos Estados Unidos em 1998, o estudo divide-se em duas camadas: primeiro, coloca-se aos inquiridos um dilema simples, com três medidas de política orçamental, para que escolham uma.

A resposta maioritária, nesse passo do estudo, é claramente reduzir “os impostos sobre as famílias e as empresas”, escolhida por quase dois terços (62%). É uma leitura comum a grupos sociais e ideológicos, embora menos vincada entre quem sente que é difícil/muito difícil viver com o rendimento atual (55%) e entre quem se posiciona à esquerda do espectro ideológico (54%). O que não muda a preferência pela redução de impostos entre estes grupos.

O resultado está em linha com a sondagem de junho do ICS/ISCTE para o Expresso, em que os portugueses traçavam um retrato negro do país e punham à cabeça “o nível de impostos sobre o rendimento” (91% de insatisfeitos). Mas é, para Ricardo Reis, professor da London School of Economics e colunista do Expresso, “muito surpreendente”.

“Portugal tem, neste momento, uma maioria de esquerda e um consenso generalizado de que os serviços públicos precisam urgentemente de investimento”, lembra o economista. Ainda assim, mesmo quem se considera de esquerda, que é “normalmente favorável a aumentar despesa”, tem como prioridade cortes de impostos. Na amostra total, o reforço do Estado Social surge como prioridade para 28% dos inquiridos. E a redução do défice vem no fim, para apenas 8%.

VIDA SEM DÉFICE?

“Há vida para lá do défice” é uma frase que ficou colada à pele de Jorge Sampaio, que recusou que alguma vez a tenha dito — garantiu que disse, no 25 de Abril de 2003, que “há vida para lá do orçamento”.

Passaram-se 20 anos e o défice ainda “parece ser o lado mais vulnerável”, comenta Pedro Magalhães, coordenador do estudo. É o menos prioritário e por ampla margem, o que é notado também por Ricardo Reis: “Esse é o enviesamento do eleitorado que leva aos problemas da dívida pública”, considera o economista. No entanto, a notícia vem no segundo dilema: a maioria não está disposta a arriscar aumentos de défice e dívida pública. No confronto entre as três medidas, mesmo quando a escolha é entre impostos versus défice, o défice nunca perde.

Vejamos: 58% dos inquiridos não querem baixar o défice à custa de um aumento de impostos, mas também não querem uma redução de impostos que faça aumentar a diferença entre a receita e a despesa do Estado. Quando a disputa é entre défice e Estado Social, a maioria é menos expressiva, mas está lá (51% não querem aumentar os encargos do Estado se isso implicar mais défice).

“Há muito mais apoio em não aumentar o défice do que eu esperaria”, confessa Ricardo Reis, concluindo que “o discurso das contas certas continua a ter muito apoio em Portugal”.

Pedro Magalhães vê o resultado como “natural em democracias”, no sentido em que “há um alinhamento entre a política pública e o sentimento geral da maioria das pessoas”. O poder político, reforça Magalhães, tende a responder à vontade maioritária do eleitorado. A que se junta um fator incontornável: a crise das dívidas soberanas, que castigaram Portugal com especial veemência, ainda está fresca na memória coletiva.

Luís Aguiar-Conraria, outro economista que assina uma coluna de opinião no Expresso, vê na troika a explicação mais evidente para a preocupação com o défice. E vê também “um bom sinal”. “Espero não estar a ser demasiado otimista, mas a quase bancarrota do país mudou mentalidades. Há 10/15 anos, fazer sacrifícios para baixar a dívida não passava pela cabeça de ninguém.” Aguiar-Conraria, professor de Economia na Universidade do Minho, recua ao tempo de Jorge Sampaio e da famosa frase. “Se no início dos anos 2000 tivéssemos a mentalidade que temos hoje, não teríamos tido aquela crise.”

MENOS IMPOSTOS: A QUE CUSTO?

O que os gráficos expõem, no dilema entre medidas, é que “as pessoas quando confrontadas com o facto de que não há almoços grátis, ficam mais conservadoras”, nas palavras de Aguiar-Conraria. Centremos desta vez a análise nos impostos, a opção preferida dos inquiridos. Se o custo de baixar impostos for cortar nas despesas com saúde, educação e prestações sociais, a maioria não quer (74%). São os mesmos que também não querem o contrário, ou seja, aumentar impostos para aumentar despesas do Estado. A relutância numa política orçamental diferente é tanta que, mesmo os 62% que escolheram baixar impostos como prioridade, não o querem à custa dos outros dois itens. Uma maioria expressiva de 78% diz ‘não’ a diminuir as despesas sociais, mesmo que isso significasse menos carga fiscal. E 62% diz o mesmo em relação ao défice. Resultado: tudo na mesma.

Por fim, note-se o baixo nível de respostas inconsistentes. Apenas entre 2% a 7% respondem, nos três dilemas, que aceitariam o que, na gíria popular, se chama “sol na eira e chuva no nabal”. Um exemplo: os que dizem que são a favor de baixar despesas sociais para baixar o défice, mas também são a favor de aumentar o défice para aumentar as despesas. Foram minoria, o que para Pedro Magalhães é um “bom sinal”, que pode ser lido como um indicador de literacia.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 16 e 25 de setembro de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 94 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2926 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 804 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa de cooperação de 39%). O trabalho de campo foi realizado por 41 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 804 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Nos gráficos seguintes, todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto do jornalista JOÃO DIOGO CORREIA e infografia de SOFIA MIGUEL ROSA)

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