sábado, outubro 21, 2023

Opinião: Falhanço em lidar com o Chega?

Parece-me que a democracia portuguesa, infelizmente, continua a experimentar dificuldades em lidar com os partidos portadores de ideologias ou de programas políticos mais radicais. O Chega é o novo alvo das críticas de quase todos, mas antes foram todos os demais partidos da extrema-esquerda que se pavonearam na política nacional perante a complacência desinformada dos cidadãos. O problema do Chega reside, em meu entender, em duas questões essenciais que nada têm a ver com uma qualquer ideologia perfeitamente identificada, porque essa nem existe (apenas há uma "Declaração de Princípios e Fins"): falo do estilo de liderança e de intervenção agressivo e contundente de André Ventura, sabendo-se que se trata de uma pessoa inteligente, com um percurso académico de topo e apologista de algumas ideias exageradamente radicalizadas ou generalizadas - a que se juntam o lamentável recurso a notícias falsas que inundam as redes sociais e se propagam como um vírus, incluindo montagens fotográficas ou documentais, procedimentos recorrentes que motivam as contestações dos outros partidos, sem que se saiba se elas valem votos aos seus promotores ou protagonistas.

É também o caso das cíclicas "guerras" parlamentares entre o Chega e o Presidente da Assembleia da República. Eu não sei se Santos Silva quando afronta e enfrenta o Chega, com a agressividade conhecida e devidamente mediatizada (ora pois...), o faz apenas por convicção ideológica, já que se trata de um político afecto à ala esquerda do PS ou se ele também começa a ter as presidenciais de 2026 no horizonte, já que se trata de um putativo pré-candidato, embora pessoalmente não acredite que alguma vez o venha a ser de facto. Se assim for, neste segundo caso, então podemos admitir que ele também valoriza a preocupação de começar a marcar terreno e de aliciar, com as suas guerras com Ventura e o Chega, o eleitorado de esquerda, onde se multiplicam os candidatos presidenciais potenciais, candidatos inventados, candidatos encomendados por múltiplos interesses e grupos de pressão, falsos candidatos reféns de vaidades e ambições pessoais, auto-candidatos, etc

Neste quadro político, tendo o Chega como epicentro, as europeias e depois as regionais açorianas de 2024 serão actos eleitorais decisivos para percebermos eleitoralmente quais os custos, positivos ou negativos, da gestão partidária de Ventura relativamente ao acordo parlamentar estabelecido pelo Chega, em 2020, com o PSD, CDS, PPM e Iniciativa Liberal e que conheceu inúmeros percalços até a sua denúncia em 2022, sem que isso implicasse a queda do governo liderado por Bolieiro. E se o Chega como ambiciosa, vai chegar ou não ao Parlamento Europeu, juntando-se aos seus amigos dos partidos de extrema-direita que já por lá andam…

Recordo que Ventura é uma espécie de “fabricação” do PSD de Passos Coelho quando pretendeu ganhar as autárquicas em Loures, objectivo que falhou, sobretudo quando o CDS – nessa altura com alguma visibilidade eleitoral e mediática – abandonou a coligação com o PSD, abrindo ainda mais caminho a uma derrota que já era incontornável. Ventura, costumo dizer, tem uma outra coisa que me separa dele - para além de várias questões de princípios ideológicos, de valores, de prioridades essenciais na arquitectura de uma sociedade justa, etc – que é o facto de ser um fanático benfiquista! Mas que reconheço lhe tem dados votos. Não duvidem disso.

Admito que algumas das ideias do Chega de Ventura - algumas erradamente colocadas na agenda política diferente da agenda mediática - conseguem apoios junto de bases eleitorais de outros partidos, entre as quais a reclamação de um contundente combate à corrupção, posições claras quanto ao combate à criminalidade e à celeridade da justiça, sem esquecer outros itens associados a uma reforma do sistema político, etc. Partidos como o PSD, CDS e mesmo o PS e o PCP, não gostam do Chega, porque este partido lhes tem “roubado” votos nos últimos anos. Comprovadamente.

Lembro aos mais distraídos que o Chega foi inscrito no Tribunal Constitucional no dia 9 de Abril de 2019, “com a denominação CHEGA e a sigla CH, conforme o Acórdão n.º 218/2019” daquele Tribunal. Tratando-se de um partido legalmente constituído, a pergunta que se deve fazer é esta: sabendo-se que a direita tem medo do Chega, que paulatinamente está a “roubar” votos do PSD e do CDS, e que a esquerda diaboliza o Chega e Ventura, também por motivos eleitorais, questiono-me se um conjunto de posturas avulso por parte desses partidos tradicionais, acabam ou não por funcionar, indirectamente, como peças de uma máquina de promoção política e eleitoral do Chega, exactamente o oposto do que pretendiam.

Afinal, e bem vistas as coisas, a esquerda e a direita têm ou não têm sido capazes de travar uma ascensão eleitoral de Ventura e do seu partido? Digo seu partido porque todos percebemos que o Chega sem Ventura provavelmente deixará de existir. O partido, não sei se também as ideias que defende.

Mais. Os eleitores que votam no Chega fazem-no ou não com a mesma liberdade dos que votam no PCP, no Bloco ou no PS? E os eleitos do Chega, em Lisboa, na Madeira ou nos Açores, têm ou não a mesma legitimidade democrática e a mesma representatividade que os deputados eleitos pelas listas dos outros partidos? Temo que na Madeira se possa seguir por caminhos errados, tal como em Lisboa e dos Açores, que acabaram paulatinamente por reforçar a presença do Chega, das suas ideias, das suas propostas, do seu radicalismo e dos seus exageros, na política regional,

O Chega combate-se de uma forma política e mediática diferente, não com hostilizações ridículas relativamente a um partido legalizado, recorrendo a discursos gastos, ideias desadequadas e propostas que nada dizem aos cidadãos e que pouco ou nada resolvem os reais problemas existentes no quotidiano das pessoas.

A democracia e as suas instituições representativas, têm falhado na resolução destes problemas, falhado na forma como enfrentam estes novos radicalismos, falhado junto das pessoas no combate social e político contra o Chega e as suas ideias e propostas, etc. O sistema partidário tradicional tem falhado na desvalorização de novas formas de comunicação, incluindo desonestidades criminosas de manipulação e distorção da verdade, de uso indevido de imagens e de declarações de terceiros, etc. Falo das redes sociais, nas suas imensas capacidades, perigos e ameaças, de um mundo desregulado onde tudo vale, incluindo a mentira ou o insulto pessoal, e nas suas múltiplas formas ardilosas de montar esquemas de manipulação a partir de grupos anónimos organizados que se expandem paulatinamente, sem que a Democracia se aperceba das ameaças que eles representam para os seus próprios pilares, e sem que ela seja capaz de se defender.

Por isso, e esperando que cada um tire as suas conclusões, recordo a evolução eleitoral do Chega na Madeira:

Regionais de 2019 - 619 votos, 0,43%

Regionais de 2023 - 12.028 votos, 8,9% e elegeu 4 deputados

Autárquicas de 2021 - 3.509 votos, 2,49% (elegeu 4 mandatos nas Assembleias Municipais e 4 nas Assembleias de Freguesia)

Legislativas de 2019 - 911 votos, 0,70%

Legislativas de 2022 - 7.727 votos, 6,08%

Quanto aos Açores:

Regionais de 2020 - 5.262 votos, 5,26%, elegeu 2 deputados

Autárquicas de 2021 - 1.522 votos, 1,23%

Legislativas de 2019 - 709 votos, 0,85%

Legislativas de 2022 - 4.982 votos, 5,93%

Finalmente quanto ao País:

Legislativas de 2019 - 67.826 votos, 1,29% e 1 deputado eleito

Legislativas de 2022 - 399.510 votos, 7,18%, 12 deputados eleitos

Autárquicas de 2021 - 208.232 votos, 4,16 % e 19 eleitos para as Câmaras Municipais (173 eleitos para as Assembleias Municipais e 205 nas Assembleias de Freguesia).

Afinal onde trem perdido o Chega? O que é que têm ganho os opositores do Chega com a repetição de um discurso que é exactamente o oposto daquilo que deve ser feito em termos do combate político de ideias, não de patetices ideológicas com teias de aranha, no combate de argumentos, no combate à mentira, à manipulação, ao controlo das redes sociais, na percepção do peso e da importância para os extremismos ideológicos e para o terrorismo do criminoso mundo das redes sociais desreguladas, onde vale tudo e tudo pode ser feito ou dito? Acham mesmo, os partidos que combatem, e bem, o Chega e as suas ideias extremistas - porque o outro perigo é o radicalismo de uma extrema-esquerda populista que usa das mesmas técnicas do Chega mas que apenas assenta os seus pilares em ideologias diferentes mas igualmente extremadas? (LFM, texto de opinião publicado em 2 partes no Tribuna da Madeira)

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