terça-feira, outubro 17, 2023

Sondagem: Portugueses frustrados com políticas públicas

A esmagadora maioria dos portugueses está insatisfeita com a vida no país, sob os mais diversos critérios. Na educação, na justiça, na habitação, na saúde, no ambiente, a sondagem ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC mostra um país que não gosta do que vê ao espelho. Embora sejam quase em uníssono, as queixas dos portugueses tendem a ser ainda mais audíveis entre quem se sente menos confortável financeiramente e, quando o assunto é a qualidade dos serviços públicos, entre quem vive em regiões fora dos eixos de Lisboa e Porto.

Comecemos por aí. Depois de uma primeira parte da sondagem centrada no caso Galamba, que o Expresso publicou na última edição, neste segundo bloco salta à vista uma assimetria regional na perceção sobre a qualidade da saúde e da educação públicas. No caso do SNS, a insatisfação de 72% dos inquiridos, no total da amostra, é transversal a diversos grupos sociais, com apenas ligeiras diferenças, mas é bastante mais forte quando focamos a lente no Alentejo e no Algarve, onde mais de 90% da população vive insatisfeita (por oposição aos dois terços de “pouco” ou “nada” satisfeitos no norte do país). Em relação à escola pública, o resultado é ligeiramente menos dramático, mas aponta para o mesmo padrão: Alentejo e Algarve têm 81% de respostas negativas, enquanto a região Norte e Grande Lisboa estão, também aqui, na casa dos dois terços.

PAÍS FALHA EM TODA A LINHA

Há um velho lugar-comum que atribui a Portugal, mesmo em períodos de crise económica e/ou social (quase todos os últimos 30 anos), a ideia de uma certa “qualidade de vida”, que ficaria a dever-se a questões extrafinanceiras, como o clima, a gastronomia, as pessoas. Ora, no estudo ICS/ISCTE até a “qualidade de vida” aparece mal cotada, com uma enorme maioria de descontentes (79%). Um número ainda mais expressivo entre os que têm uma perceção de rendimento mais baixo e os que têm menor escolaridade.

Nada que se resuma à vida em geral. Em 15 indicadores, alguns bastante concretos, como o número de imigrantes no país ou o nível de impostos, não há sequer um em que a maior parte dos inquiridos se diga “muito” ou “algo” satisfeita. Bem pelo contrário, em 11 dessas 15 perguntas, mais de dois terços dão respostas negativas.

Sem surpresa, quando os dados são divididos por grupos sociais, os que consideram “difícil” ou “muito difícil viver” com o seu rendimento são os mais insatisfeitos. Esses que, por tenderem a usar mais os serviços públicos podem avaliá-los com maior conhecimento de causa, são os que os avaliam pior, por exemplo. Acontece o mesmo com as mulheres. Ironicamente, à pergunta sobre como avalia “a posição das mulheres na sociedade” os mais satisfeitos são os homens. E a nota menos é dada pelas mulheres.

DINHEIRO, CASAS E CORRUPÇÃO

Olhando só para os bolsos, o cenário piora. Os dois indicadores que geram maior insatisfação são a distribuição de rendimento e riqueza (90%) e o nível de impostos sobre o rendimento (91% de insatisfeitos). Apesar de forte, o resultado não difere muito entre sexo, idade, instrução ou perceção de rendimento, como boa parte da sondagem, e parece uma reação natural a um tempo de inflação e aumento do custo de vida. Aliás, se olharmos para os outros dois aspetos de maior descontentamento, ficamos com o retrato completo do país nos últimos meses. O primeiro é a situação da habitação, que agrada a apenas 10% dos inquiridos, e foi tema de uma sondagem ICS/ISCTE em janeiro, com os portugueses a exigirem uma resposta ao Governo. A avaliar pelo resultado, meio ano e um pacote de habitação depois, a resposta gerou ainda mais desagrado.

Simpatizantes do PS avaliam melhor todos os aspetos da vida no país, da saúde à habitação. Mas nem eles deixam de estar insatisfeitos O último indicador bem acima dos 80% de insatisfeitos é o combate à corrupção. E se a ideia de uma justiça que não funciona é antiga, a verdade é que é difícil dissociar o resultado de um Governo marcado por casos, alguns deles judiciais.

Se dúvidas houvesse sobre essa relação, a comparação entre simpatizantes do PS e do PSD dissipa-as. Os do PS estão, apesar de descontentes, mais satisfeitos do que a média (15% vs 11%) e muito mais do que os do PSD (3%). Bem pode António Costa repetir a frase que já virou mantra — “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça” —, que também aqui o ambiente no país soa mesmo a cartão vermelho.

PAÍS DIFERENTE PARA SOCIALISTAS?

Fora os casos, os exemplos iniciais, saúde e educação, têm sido dos dossiês mais problemáticos para o Governo. Há menos de um ano, a então ministra da Saúde, Marta Temido, demitiu-se na sequência da morte de uma mulher grávida enquanto era transferida entre hospitais em Lisboa. Este verão não promete facilidades, com pelo menos oito maternidades com “condicionamentos programados”, duas delas encerradas. Na educação, o braço de ferro entre Governo e professores dura há meses e as greves têm sido uma constante. .

Serviços essenciais, SNS e escola pública são temas caros à esquerda. Talvez não seja por isso de estranhar que em ambos haja uma diferença ideológica digna de registo: as pessoas que se definem como de esquerda tendem a estar mais satisfeitas. Ou, melhor dizendo, menos expressivamente insatisfeitas. Entre elas, destaca-se o grupo de simpatizantes do PS.

Na avaliação da qualidade do SNS, 24% dos portugueses estão “algo” ou “muito” satisfeitos. Mas se olharmos para os socialistas, o valor sobe 10 pontos (34%). Na educação, o cenário é parecido (de 30% para 36%). Na habitação também, de 10% para 17%.

Com maior ou menor expressão, esta diferença entre população em geral e simpatizantes do PS atravessa todos os aspetos da sondagem, mostrando que os socialistas são os menos insatisfeitos com a vida em Portugal. O que permite fazer a leitura ao contrário: por esta altura, já com oito anos de governação, até quem é do PS pinta um retrato negro do país.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 13 e 28 de maio de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE/IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis: sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 128 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 3894 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 1204 entrevistas válidas (taxa de resposta de 31%, taxa de cooperação de 42%). O trabalho de campo foi realizado por 52 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 1204 inquiridos é de +/- 2,8%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto do JOÃO DIOGO CORREIA e infografias de SOFIA MIGUEL ROSA)

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