sexta-feira, outubro 20, 2023

Portugal sai do pódio da dívida na Europa pela primeira vez desde 2010

Os orçamentos apresentados pelos governos da zona euro mostram que os países que tiveram a visita da troika há cerca de uma década são os que aplicam agora uma política orçamental mais contida. A opção do Governo de seguir, ao longo dos últimos anos, uma das políticas orçamentais mais restritivas entre todos os países da zona euro durante os últimos anos vai fazer com que Portugal desça, já no final deste ano, três lugares na classificação dos Estados mais endividados, para sexto lugar. E, para 2024, o Orçamento do Estado (OE) proposto pelo executivo continua a ser dos que mais pretendem cortar na dívida, distanciando mais um pouco o país do grupo de Estados-membros que são vistos como mais problemáticos do ponto de vista das finanças públicas.

O objectivo de Portugal sair do pódio dos países da zona euro com maiores dívidas públicas na zona euro já tinha sido anunciado diversas vezes por Fernando Medina e, olhando para as propostas de Orçamento do Estado para 2024 já apresentadas por 18 dos 20 países do euro, a meta será já alcançada este ano, devendo consolidar-se no próximo.

De acordo com as projecções feitas pelos diversos governos, a descida da dívida pública de mais de 10 pontos percentuais estimada pelo Governo para este ano (de 113,9% do PIB em 2022 para 103% em 2023) será o suficiente para fazer Portugal deixar de estar entre os três países da zona euro com um peso maior da dívida pública no PIB, algo que já não acontecia desde 2010.

Para além de continuar abaixo da grega (estimada em 159,3% este ano pelo respectivo governo) e da italiana (140,2%), a dívida pública portuguesa passará a ser também menor do que a francesa, belga e espanhola, cujos governos estão a apontar para uma evolução menos favorável no decorrer deste ano.

Em terceiro lugar, passará a estar a França, que também espera reduzir a sua dívida este ano, mas apenas de 111,6% para 109,7% do PIB. Na Bélgica, a expectativa é de um aumento do rácio da dívida pública de 105,1% para 108,3% e, em Espanha, que em 2022 registou uma dívida (em termos de rácio do PIB) muito semelhante à portuguesa (113,2%), a descida esperada de 5,1 pontos percentuais significa que a dívida passou a estar abaixo da francesa e da belga, mas acima da de Portugal.

Em 2024, as propostas de Orçamento apresentadas pelos diversos governos mostram que Portugal pode, caso se concretizem as previsões, distanciar-se ainda mais dos quatro países que estão imediatamente acima: Itália, França, Bélgica e Espanha. O Governo prevê uma redução de mais 4,1 pontos percentuais, para 98,9% do PIB, ao passo que, nesses outros países, os governos apontam ou para reduções da dívida mais moderadas ou mesmo para uma estabilização deste indicador.

O trauma da troika

Esta descida de Portugal no ranking dos mais endividados é o resultado da aplicação, ao longo dos últimos anos, de uma política orçamental bem mais restritiva do que a dos outros países com rácios de dívida semelhantes.

Isso é bem evidente quando se olha para os saldos orçamentais primários (que excluem a despesa com juros) estimados e previstos pelos governos da zona euro nos orçamentos apresentados para o próximo ano. Nesses documentos, é possível ver que, tanto em 2023 como em 2024, de acordo com as projecções dos diversos governos, apenas quatro países entre os 18 da zona euro para o qual já existem dados (faltam a Letónia e a Croácia) apresentaram saldos orçamentais primários positivos.

Portugal, Grécia, Irlanda e Chipre são os governos que, numa altura em que as suas economias enfrentam uma crise inflacionista e a zona euro como um todo corre o risco de entrar em recessão, optaram por seguir uma política orçamental de contenção em 2023 e pretendem fazer o mesmo em 2024, apontando para excedentes e reduzindo de forma acentuada o rácio da dívida. Portugal é, a seguir a Chipre, o país com um excedente orçamental primário mais elevado estimado tanto para este ano (3%) como para o próximo (2,5%). Todos os outros, incluindo Itália, França, Espanha e Bélgica, projectam défices orçamentais primários.

Não será coincidência que os quatro países a registar excedentes sejam precisamente aqueles que, na primeira metade da década passada, viram os mercados financeiros desconfiar da saúde das suas finanças públicas, cortando-lhes o acesso a financiamento e forçando a chamada da troika, para conceder crédito em troca da implementação de um programa de ajustamento da economia.

Na actual conjuntura de incerteza na economia mundial e de agravamento dos juros por parte do Banco Central Europeu, estes países parecem querer passar uma imagem saudável das suas finanças públicas para os mercados, aproveitando o crescimento da economia e o impacto positivo da inflação nas receitas fiscais para abater rapidamente a dívida, depois da subida registada em 2020 por causa da pandemia.

No caso da Grécia, que ainda tem uma dívida pública acima de 150% do PIB, fugir dos radares dos mercados é uma tarefa mais difícil, para a qual precisa de mais tempo. Para Portugal, fazer com que o país deixe de ser colocado no grupo dos mais endividados já não parece um objectivo tão distante.

Ainda assim, mesmo se conseguir ficar abaixo da barreira psicológica dos 100% em 2024, como previsto no OE, é preciso ter em conta que a dívida pública portuguesa irá continuar a estar bastante mais perto da de Espanha, França e Itália, do que da dos países que, no ranking do endividamento, se encontram imediatamente abaixo. Finlândia e Áustria têm, como a maior parte dos outros países da zona euro, a sua dívida a um nível superior ao registado antes da pandemia, mas o seu valor ainda pouco supera os 75% do PIB (Publico, texto do jornalista Sérgio Aníbal)

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