quinta-feira, outubro 26, 2023

Estudo: Portugueses dão mais importância às questões sociais do que a maioria dos europeus


Estudo mostra que Portugal prefere a democracia social à liberal e é dos poucos países que dão mais importância à redução das diferenças dos níveis salariais face há dez anos. Na última década, apesar de a Europa ter passado por várias crises que elevaram a contestação aos regimes democráticos, a maioria dos europeus não mudou significativamente a forma como vê a democracia, que continua a ter um apoio “forte”. Mas se há um aspecto em que os países europeus vêem melhorias no desempenho dos governos é em relação às questões sociais. Portugal não destoa, sendo até um dos países que maior importância dão à democracia social e, em particular, à redução das diferenças dos níveis salariais, face há dez anos. Os portugueses fazem, contudo, uma avaliação mais positiva da forma como a democracia liberal é aplicada no país pelo Governo e continuam a dar nota baixa ao desempenho da democracia social.

Estas são algumas das conclusões do relatório Understandings and Evaluations of Democracy, divulgado nesta terça-feira, que compara os resultados de 2012-2013 do European Social Survey, um inquérito que é realizado a cada dois anos para medir as atitudes, crenças e comportamentos dos europeus, com os dados recolhidos em 2020-2022. O estudo foi conduzido pela City, University of London, a partir de entrevistas presenciais ou questionários realizados entre Setembro de 2020 e Agosto de 2022 em 30 países europeus, durante a pandemia de covid-19.

A ideia dos investigadores era analisar a “mudança e estabilidade” na forma como os cidadãos entendem e avaliam a democracia em tempos de crise, tendo em conta que na última década a Europa passou pela “crise do euro”, “a crise dos refugiados sírios” ou a “pandemia de covid-19”, para perceber se a “frustração” com a acção dos governos resultou numa avaliação mais negativa da democracia.

Uma das principais conclusões a que os autores chegam é a de que os europeus preferem os modelos liberais e sociais de democracia aos modelos directos e populistas —, embora o apoio aos últimos dois seja “considerável” —, sendo “o apoio ao modelo liberal o mais alto na maioria dos países”. Sobretudo, entre os países mais ricos.

O estudo define a democracia liberal como um modelo que privilegia a competição, a liberdade, a representação ou o Estado de direito; a democracia social como um modelo de igualdade; a democracia directa é caracterizada pela participação; e o modelo populista relaciona-se com o antielitismo e a soberania popular sem restrições.

Olhando para os dados de 2020-2022, Portugal privilegia a democracia social, sendo o país que mais apoia este modelo entre os 30 avaliados. A importância que lhe dá chega quase aos 7, numa escala de 0 a 8. A democracia liberal aparece logo a seguir, também acima de 6. Abaixo de 5 fica a democracia directa e, por fim, a democracia populista é colocada acima de 3.

Por outro lado, Portugal faz uma avaliação mais positiva da democracia liberal — que avalia com 5 numa escala 0 a 9 — do que da democracia social, que aparece acima de 3. É, aliás, um dos países que dão pior nota ao desempenho da democracia social. Também a democracia populista é colocada em torno de 3 e a directa acima de 4.

É uma realidade transversal aos países, quando são chamados a avaliar a performance do seu governo, mostrarem uma “clara discrepância” entre as “​aspirações”​ que têm sobre a democracia e “​o que recebem dela”. “Para a maioria dos inquiridos, a prática democrática falha em realizar elementos da democracia que são importantes para eles”, explica o relatório.

Mais apoio à redução das diferenças salariais

Comparando os resultados de 2020-2022 com 2012-2013, os investigadores notam que as mudanças na importância dada aos “atributos da democracia” são “relativamente pequenas” e que não existem “avaliações mais negativas” sobre a aplicação da democracia. Ainda assim, “​a performance em dimensões associadas ao modelo social foi melhor avaliada” nos últimos dois anos do que há uma década, na generalidade dos países.

O mesmo não acontece, porém, em relação à importância que os europeus dão a estas questões. Por exemplo, em 2012-2013, os inquiridos deram mais relevância a ideias como “o Governo protege os cidadãos da pobreza” ou “o Governo toma medidas para reduzir as diferenças nos níveis de rendimento” do que recentemente.

Segundo o relatório, isto pode explicar-se com o facto de, entre 2012 e 2013, os europeus terem vivido uma “​recessão económica” e “medidas de austeridade severas”, ao contrário do que aconteceu entre 2020 e 2022, quando os governos fizeram “​esforços”​ para “​contrapor os efeitos económicos da pandemia”.

Em linha com a importância que deram à democracia social face aos outros países em 2022, os portugueses destacam-se novamente na comparação com 2013 (embora não estejam isolados): não só consideram que a acção do Governo melhorou no que toca à redução das diferenças salariais como dão mais importância a este aspecto.

O relatório salienta outras duas alterações face a 2013 e também nessas Portugal não está alinhado com a maioria. Embora a generalidade dos países dê hoje mais importância à liberdade de imprensa e tenha uma noção mais negativa sobre a ideia de que “​a imprensa é livre para criticar o Governo”​, os portugueses avaliam com melhores olhos a liberdade dada aos media no país. Os autores apresentam várias razões para esta evolução, desde o crescimento das redes sociais à importância que a informação tomou durante a pandemia.

Além disso, o apoio a modelos directos de democracia e, em particular, à noção de que “​os cidadãos têm uma palavra final em assuntos políticos ao votarem em referendos” perderam popularidade em todos os países, possivelmente devido ao “Brexit” (saída do Reino Unido da União Europeia), excepto em Portugal e na Sérvia.

Democracia continua forte

Se era esperado que as “múltiplas crises” dos últimos anos “causassem uma insatisfação crescente com a performance democrática ou até desilusão com a própria democracia”, o estudo ruma para o lado contrário. E conclui até que “​os cidadãos se mantêm fortemente comprometidos com os elementos essenciais da democracia liberal”.

Entre os dados mais relevantes que mostram que “o apoio à democracia enquanto regime continua forte” está o facto de os países atribuírem um 8 à ideia de que “é importante viver num país governado democraticamente”, numa escala de 0 a 10, no inquérito de 2020-2022. Ou de considerarem, em média, que ideias como “as eleições normais são livres e justas” e “os tribunais tratam toda a gente da mesma maneira”, que são “atributos centrais da democracia”. Estes valores têm uma importância de 9 e 9,2, respectivamente.

Sobre o relatório

O relatório Understandings and evalutions of democracy focou-se nos países que participaram no European Social Survey de 2012-2013 e de 2020-2022: Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, República Checa, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Israel, Letónia, Lituânia, Montenegro, Países Baixos, Macedónia do Norte, Noruega, Polónia, Portugal, Sérvia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Suécia, Suíça e Reino Unido.

Embora seja liderado pela City, University of London, os autores do estudo são Mónica Ferrín Pereira da Universidade da Coruña, Enrique Hernández da Universitat Autònoma de Barcelona e Claudia Landwehr, da Johannes Gutenberg-University Mainz. Na maioria dos países, apesar da pandemia, foi possível conduzir entrevistas presenciais, mas nove países optaram por fazer questionários online ou por correio. Em Portugal, o European Social Survey é representado pelas investigadoras Alice Ramos do ICS, Rosário Mauritti do ISCTE e Paula Pinto do ISCSP​ (Publico, texto da jornalista Ana Bacelar Begonha)

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