terça-feira, outubro 17, 2023

PSD: Moedas posiciona-se, com Montenegro em queda

Um dia depois de o Governo ter revelado um Orçamento do Estado a devolver mais IRS às famílias do que o PSD tinha proposto, Luís Montenegro saiu-se com uma daquelas frases que se colam aos políticos para toda a vida: “É assim uma espécie de Orçamento ‘pipi’, que aparece bem vestidinho, muito apresentadinho, mas que é só aparência, é assim muito betinho...” Esta reação do líder do PSD, em modo de stand-up comedy, num discurso de ocasião formal, no Conselho Nacional do partido realizado na Maia, surpreendeu tanto apoiantes como críticos. A opinião é comum a fontes dos dois lados da barricada ouvidas pelo Expresso: Montenegro estragou com uma frase aquilo que tinha construído de positivo na longa entrevista ao “Town Hall” da CNN Portugal uns dias antes. E Carlos Moedas apanhou a boleia.

Mesmo para um montenegrista de primeira hora, a perceção que passou foi de um líder “encurralado” e “sem discurso”, porque o PS conseguiu “um bom Orçamento para os portugueses”. Depois da entrevista à CNN, na segunda-feira, que “correu francamente bem quando as expectativas eram baixas”, esta é uma “imagem que não se podia passar”, aponta este social-democrata, garantindo, porém, que mesmo assim estará sempre ao lado de Montenegro. Do lado dos críticos, um deputado social-democrata aponta a “pobreza do argumento”, que na sua perspetiva revela o “desnorte” da liderança. Para uma fonte da direção, “a frase está certíssima”, porque o Orçamento parece bem “apresentadinho”, mas não resolve problemas como a habitação, os professores ou as urgências dos hospitais.

Se a falta de substância das críticas de Montenegro gerou um espaço vazio, o vácuo foi ocupado no dia seguinte por Carlos Moedas, numa entrevista à SIC Notícias. Sublinhado que estava no estúdio como presidente da Câmara de Lisboa, o antigo comissário europeu criticou o Orçamento por “não dar esperança”, por prever um “crescimento baixo”, com “pouca ambição e pouca audácia” e com um “aumento da carga fiscal”, enquanto ele está há dois anos a “reduzir os impostos em Lisboa”. A diferença no discurso foi substancial. E quanto às expressões de Montenegro? “Concordo com o líder do PSD quando diz que cheira a pouco, mas depois as palavras cada um utiliza as suas”. E essas palavras Moedas não usou.

A oito meses das eleições europeias, quando Pedro Passos Coelho já assume que está “na reserva”, como o Expresso escreveu na semana passada, Moedas vai-se posicionando para o que der e vier se o resultado de Montenegro em junho correr mal (o líder disse na CNN que se recandidatava independentemente do resultado). Na entrevista à SIC Notícias, o autarca deixou duas frases que permitem essa leitura. A primeira: “Sei que sou um ativo do partido, mas um ativo do partido para ajudar o líder.” A segunda: “O PSD não vai precisar de mim, porque vai ganhar as europeias.” Ou seja, se o PSD não ganhar, talvez precise dele (no caso de Pedro Passos Coelho não sair da reserva).

FALTA DE EMPATIA E DE CONFIANÇA

Embora na São Caetano o discurso oficial não transpareça preocupação, Luís Montenegro tem sido aconselhado informalmente pelo consultor de comunicação António Cunha Vaz. O empresário confirma a colaboração e até admite ao Expresso que “gostava de fazer umas legislativas em Portugal”. Poderá ser com o PSD.

Apesar de erros de comunicação, como fazer uma declaração importante a seguir às regionais na Madeira a excluir definitivamente o Chega — sem qualquer solenidade e a suar em bica perante as televisões —, a quebra do PSD na sondagem ICS/ISCTE para o Expresso e para a SIC não é motivo para a direção do partido acender os alarmes. O trambolhão de cinco pontos, de 30% nas intenções de voto para 25%, ainda não incorpora os efeitos desta semana nem das eleições regionais da Madeira, em que o PSD perdeu a maioria absoluta e fez um acordo com o PAN.

Na direção do PSD, o mantra continua a ser encarar as sondagens desfavoráveis “com uma naturalidade tremenda”, sem euforia quando são boas nem depressão quando são más, até porque faltam três anos para as eleições legislativas. Uma eternidade, considerando “o brutal desgaste do Governo”, com expressão na mesma sondagem em que 66% dos inquiridos consideram que os socialistas estão a governar mal ou muito mal. O PSD é que ainda não está a capitalizar.

Há quem mantenha um otimismo idêntico ao que era manifestado quando Rui Rio presidia ao partido, como o líder parlamentar Joaquim Miranda Sarmento, que disse ao “Observador” esta semana que “as sondagens dão todas empate técnico” entre PS e PSD. Não é o caso desta sondagem ICS/ISCTE, em que a diferença entre os dois partidos está para lá da margem de erro de 3,5%.

Apesar do mergulho do PSD nas intenções de voto, o presidente do partido tem vindo a subir em termos de reconhecimento (85% dizem agora que sabem quem é Montenegro), mas está a cair em termos de avaliação do desempenho (ver gráfico em baixo). O líder da oposição aparece em quarto lugar, muito longe de Marcelo Rebelo de Sousa (que continua a ser o único com avaliação positiva), a uma grande distância de António Costa e atrás de Mariana Mortágua, a líder do Bloco de Esquerda.

Um apoiante de Luís Montenegro reconhece que “falta química” ao ex-líder parlamentar. “É alto, mas não sabe utilizar isso. Não transmite empatia com as pessoas, mas isso ou se tem ou não se tem.” Um crítico põe a questão noutro patamar. Desvaloriza os erros pontuais, muito enfatizados pelos comentadores, para concluir que o sucessor de Rui Rio “não gera confiança nas pessoas”.

O ex-deputado social-democrata e professor universitário Miguel Morgado — passista de sempre — faz uma leitura pouco otimista das sondagens. O PS consegue fixar a sua base eleitoral mais fiel, enquanto o PSD “não consegue ultrapassar os socialistas por uma questão aritmética. A Iniciativa Liberal e o Chega absorvem uma fatia grande de eleitores, e o PSD tem uma grande dificuldade em fazer com que o seu eleitorado regresse” desses partidos que fragmentaram a direita. Além disso, o PSD “não tem conseguido atrair novos eleitorados”.

Para conquistar novos eleitores é preciso falar para lá do mundo laranjinha, anota um especialista em comunicação. Montenegro “falava bem no Parlamento”, mas agora “tem de falar bem para o povo” e “não falar só para os convertidos”. Mesmo que os fiéis gostem, “o problema é que não se ganham eleições só com os votos do PSD” e é preciso “saber comunicar na rua.”

Quando se candidatou à liderança do partido, Luís Montenegro acreditava em si próprio: “Posso concluir que tenho algumas qualidades de liderança, mas se não achasse que podia fazer melhor que os outros não me candidatava.” Em 2020, Montenegro dizia isto ao Expresso: “Estou, de alguma maneira, surpreendido por esta demonstração de fraqueza do primeiro-ministro. Comigo na liderança do PSD não seremos o seguro de vida deste Governo.” Tem até às europeias para o primeiro teste.

FICHA TÉCNICA

Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 16 e 25 de setembro de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis: sexo, idade (4 grupos), instrução (3 grupos), região (5 regiões NUTII) e habitat/dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de região e habitat, foram selecionados aleatoriamente 94 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 2926 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 804 entrevistas válidas (taxa de resposta de 27%, taxa de cooperação de 39%). O trabalho de campo foi realizado por 41 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 804 inquiridos é de +/- 3,5%, com um nível de confiança de 95%. Nos gráficos seguintes, todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto do jornalista Vitor Matos)

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