Das moratórias ao malparado.
Do Novo Banco ao Montepio. Se 2020 foi um ano desafiante para o setor
financeiro, 2021 não será menos. E isto quando se antecipa uma onda de fusões e
aquisições.
Se 2020 foi um ano de desafios
para os bancos portugueses, o novo ano não será diferente. De olhos postos na
vacina, a banca continuará em acelerada transformação. Há dois problemas em
vista: as moratórias do crédito e a subida do malparado. E há ainda outros dois
dossiês para seguir com atenção: o Novo Banco, que será alvo de uma comissão de
inquérito no Parlamento, e o Montepio, que enfrenta o desafio com a saída de
centenas de trabalhadores para voltar aos lucros. Tudo isto num setor que terá
uma nova onda de fusões e aquisições. Eis 2021 em perspetiva.
A bomba-relógio das moratórias
Tic-tac, tic-tac. Já as
apelidaram de bomba-relógio e não é caso para menos. As moratórias ajudaram a
aliviar a pressão sobre as famílias e empresas face ao choque inicial da
pandemia. Mas tanto foram uma solução quando foram criadas como poderão
revelar-se um tremendo problema quando terminarem em setembro deste ano.
Vamos aos números: os bancos nacionais têm 46 mil milhões de euros em crédito que não irá a render juros e/ou prestações até ao fim do terceiro trimestre. Isto equivale a mais de 20% de todo o crédito concedido à economia, sendo uma das taxas mais elevadas da Europa.
O que vai acontecer a seguir?
Entre prolongar novamente as moratórias ou apoiar as empresas assim que
expirarem, os banqueiros optam pela segunda opção e o próprio Governo já
sinalizou que está a preparar soluções para robustecer as empresas. O ministro
da Economia apresentará medidas (que deverão passar por um mix de soluções
desde converter dívida em capital até injeção de capital novo) no decorrer da
primeira metade do ano, assim que forem fechadas as contas de 2020.
O governador do Banco de
Portugal já disse que prolongar as moratórias em demasia pode dar um sinal errado
aos agentes económicos. Mas Mário Centeno já repetiu que não se devem retirar
os apoios antes de a economia voltar a andar pelo seu pé.
Malparado vai subir
Duas coisas são certas:
moratórias e malparado não são palavras sinónimas mas os reguladores e bancos
sabem que os empréstimos em incumprimento vão subir assim que o fim das
moratórias vier expor as fragilidades financeiras de muitos negócios e
famílias. O Banco Central Europeu (BCE) estima que a crise pandémica poderá dar
origem a 1,4 biliões de euros em empréstimos problemáticos para os maiores
bancos da Zona Euro. Para Portugal, também se espera uma subida dos rácios de
NPL (non performing loans) da banca mas não para os níveis da anterior crise
(chegou a atingir os 18% em 2016).
Os bancos portugueses
estiveram a fazer o seu trabalho de casa, mesmo antes da pandemia: reforçaram
os seus capitais e reduziram a exposição a ativos problemáticos (o rácio de NPL
chegou a junho de 2020 nos 5,5%), aproveitando o bom momento da economia. Nos
últimos meses, inundaram o mercado de malparado com 2.000 milhões de euros em
NPL e ativos imobiliários num derradeiro esforço para limpar o balanço,
enquanto aumentaram as imparidades e provisões para eventuais problemas com
empréstimos.
É expectável que estes
esforços prossigam no decurso deste ano à espera que a vacina traga um regresso
gradual da normalidade. Aliás, os bancos deverão ser prudentes na distribuição
de dividendos, devem cimentar a sua solidez financeira para fazer face ao
embate. Centeno já avisou os banqueiros que têm enorme responsabilidade. No
plano europeu, a Comissão Europeia já apresentou medidas para enfrentar este
problema.
Novo Banco de novo no centro
do furacão
O ano de 2020 teve o Novo
Banco no centro do furacão: foram polémicas atrás de polémicas, algumas
envolvendo o próprio primeiro-ministro e outras chegando a Frankfurt. O novo
ano também promete ser assim. Por várias razões.
Está em curso a comissão
parlamentar de inquérito que visa apurar as perdas do Novo Banco que foram
imputadas ao Fundo de Resolução, ao abrigo de um contrato de capital
contingente cujo cumprimento (da parte do Governo) está ameaçado por uma
decisão dos deputados. O Parlamento aprovou um travão a novas transferências do
Fundo de Resolução para o banco liderado por António Ramalho, deixando tudo em
suspenso até maio (que é quando deverá ocorrer a injeção).
Até lá, enquanto os deputados
vão ouvir todos os intervenientes envolvidos no Novo Banco, desde responsáveis
do Governo até ao Banco de Portugal, o Tribunal de Contas deverá apresentar os
resultados (ou uma parte dos resultados) da auditoria que lhe foi pedida pelo
Parlamento.
Iniciando um novo mandato,
António Ramalho já deixou sinais de que os prejuízos do banco deverão
ultrapassar os mil milhões de euros, sem nunca se comprometer com os 476
milhões de euros previstos pelo Orçamento do Estado para o banco. Ou seja,
ninguém ficará surpreendido se a fatura (a última, ao que tudo indica) a
apresentar ao Fundo de Resolução for superior.
Fusões a todo o vapor
O ano que passou já ficou
marcado por operações de fusões e aquisições de grande montra. Aqui ao lado,
por exemplo, o CaixaBank (dono do BPI) fundiu-se com o Bankia, criando um
gigante espanhol. Com o BCE a promover estes negócios face às condições
adversas do mercado, 2021 poderá acentuar esta tendência, incluindo no mercado
nacional.
EuroBic (com Isabel dos Santos
na porta de saída), Novo Banco, Montepio, BCP, Caixa… a lista de potenciais
operações de M&A na banca portuguesa é extensa e a grande incógnita é saber
quem casará com quem e se pode haver algum matrimónio transnacional.
BCP e Caixa Geral de Depósitos
(CGD) já disseram que, embora não esteja nos planos, não deixarão de estar
atentos à “montra” de bancos que estiveram à venda.
Do lado do banco público,
Paulo Macedo, que deverá ver o seu mandato renovado, frisou que quer uma Caixa
com dimensão suficiente para ser relevante no mercado.
No caso do BCP, já se falou
que pode ser uma solução para o Montepio. Mas também pode estar em cima da mesa
a saída do acionista angolano Sonangol. A petrolífera angolana está em
reestruturação e a vender tudo o que não faz parte do seu negócio core,
incluindo participações bancárias. Nessa medida, as dúvidas quanto à presença
na estrutura acionista do BCP podem abrir a porta a operações de M&A.
Em entrevista ao ECO, António
Ramalho não revelou os planos do Novo Banco neste capítulo. O CEO apenas disse
que “a primeira regra de uma fusão é não falar nela, é fazê-la”.
Montepio em reestruturação
Além destes processos, o novo
ano ficará marcado por reestruturações. O vírus acelerou a digitalização. Para
baixar custos (em face da diminuição das receitas com juros) muitos bancos vão
continuar a reduzir as suas operações (com saídas de trabalhadores e fecho de
balcões), como têm feito nos últimos anos.
O caso do Montepio é
particular na banca portuguesa: o banco tem um agressivo plano para reduzir o
pessoal e os balcões em 20%, um ajustamento necessário para voltar a ser
lucrativo. A instituição liderada por Pedro Leitão já tem aval do Governo para
ter estatuto de empresa em reestruturação, que permitirá alagar as quotas de
saídas com acesso ao subsídio de desemprego até ao limite de 400 trabalhadores.
Para lá das dificuldades do
banco em gerar capital organicamente, o seu acionista também não se encontra na
melhor condição financeira. A Associação Mutualista Montepio Geral (AMMG), com
os seus 600 mil associados e liderada por Virgília Lima (que sucedeu em 2019 a
Tomás Correia), é dona do banco e apresenta uma situação patrimonial também ela
sensível. O auditor PwC tem dúvidas quanto ao valor do banco nas contas da AMMG
e considera ainda que os 800 milhões de euros de ativos por impostos diferidos
estão “sobrevalorizados”. Um grupo de associados, que defende um plano de
saneamento e a intervenção do Governo, vê um buraco de 500 milhões de euros. Este
novo ano trará eleições na AMMG. O que esperar da maior associação mutualista
do país? (ECO digital, texto do jornalista Alberto Teixeira)
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