segunda-feira, agosto 03, 2020

Turismo: “O verão, para Portugal, está perdido”

Há cidadãos britânicos a entrar livremente no Reino Unido, sem obrigação de quarentena, mas a esmagadora maioria dos voos para Faro foi ou será cancelada. O comércio e a restauração na baixa de Albufeira encontram-se encerrados. A imposição da quarentena a quem vem de Portugal perturba turistas, emigrantes e operadores. Jay Simon tem uma paixão (quase) tão grande pelo Algarve como pelo Leeds United FC, o clube da sua terra natal. As viagens para Lagos com a mulher ou os compinchas da bola e da cerveja são uma espécie de peregrinação obrigatória que gosta de cumprir todos os anos. Jay, de 49 anos, teve viagens marcadas para o Algarve em abril e em junho, mas a pandemia trocou-lhe as voltas. Agora tem reserva para o final de agosto, mas acha que a viagem não vai acontecer. “Já a marquei e desmarquei duas vezes e receio bem que volte a acontecer”, diz. “Se a quarentena não for alterada, não tenho alternativa. Não posso ficar em casa duas semanas. Algumas pessoas têm patrões razoáveis, outras não. A quarentena pode ter como consequência o despedimento. Tenho de cancelar.”

Portugal continua fora da lista de “destinos seguros” do Ministério dos Transportes britânico, que tem sofrido atualizações nas últimas semanas. Terça-feira, por exemplo, voltou a incluir países europeus como a Estónia, a Letónia, a Eslovénia e a Eslováquia, mas passou a excluir a Espanha. Presentemente contempla países como a Austrália, a Coreia do Sul ou a Turquia, bem como 22 estados da União Europeia, mas exclui Suécia, Luxemburgo, Bulgária e Roménia. Quem entrar no Reino Unido vindo destes países “inseguros” terá de cumprir autoisolamento de 14 dias numa morada fixa do Reino Unido. Duas semanas sem sair de casa, nem para fazer exercício físico. As multas podem atingir as mil libras (€1106).
SÓ QUATRO FORAM MULTADOS
O policiamento dos viajantes em quarentena está a cargo das autoridades de saúde pública, além das polícias regular e de fronteiras. As estatísticas oficiais apontam para apenas quatro infratores multados até 10 de julho. Nas redes sociais, contudo, membros da comunidade portuguesa no Reino Unido revelam que foram interpelados por mensagem ou telefone poucos dias depois do regresso às Ilhas Britânicas.
O controlo nem sempre funciona: “Nos últimos dez dias os meus dois filhos aterraram em Gatwick em dias separados, vindos de Lisboa. Apesar de virem de um país na lista negra, passaram sem ninguém lhes fazer uma pergunta ou lhes pedir para preencher um formulário com os contactos”, escreveu Andrew Gowers, antigo diretor do “Financial Times”, reformado e a residir na capital portuguesa. Numa carta publicada naquele diário, quinta-feira, acrescenta: “Se as regras não estão a ser executadas nem na forma mais básica, esta lei [da quarentena] é uma tolice e a perturbação é simplesmente fútil e irritante.”
Para a turista britânica Emma Fairhurst, de 44 anos, visita regular do empreendimento Vale de Lobo, no Algarve, as regras impostas pelo Governo britânico são “ridículas”: “Portugal é muito mais rígido do que o Reino Unido em termos de distanciamento social, utilização das máscaras e higienização. O Algarve é das regiões mais seguras e lá sinto-me bem mais livre de perigo do que em Inglaterra”, diz. A família regressou do Algarve a 23 de julho. No dia 24, o marido recebeu um telefonema da agência do Governo britânico a perguntar se estavam bem e a cumprir o autoisolamento.
Emma é diretora de recursos humanos numa empresa de Londres e assinou uma petição que o jornal “The Portugal News” vai endereçar ao primeiro-ministro Boris Johnson. Também enviou cartas de protesto a deputados britânicos. “Temos nova viagem para o Algarve em meados de agosto, mas teremos de cancelar se Portugal não sair da lista negra. Estamos a cumprir a quarentena porque podemos trabalhar fechados em casa, mas mais tarde não será possível, porque o nosso filho vai voltar para a escola”, explica.
VOOS CANCELADOS
Dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que o Reino Unido foi o principal emissor de turistas para Portugal em 2019. Foram 2,5 milhões, com o Algarve a receber a fatia mais larga. O peso do mercado britânico nesta região representou mais de 37% do total de dormidas de estrangeiros em 2019. A quarentena vai afugentar não só Jay Simon e Emma Fairhurst, como centenas de milhares de outros britânicos. Más notícias para a indústria hoteleira e turística portuguesa, que contava com um aumento das receitas no verão para atenuar os prejuízos de um ano desastroso.
Segundo a Cirium, empresa de análise de dados de aviação mundial, estavam programados 2333 voos entre o Reino Unido e Portugal no período de 24 de julho a 31 de agosto, com uma capacidade potencial de quase 414 mil lugares. A manutenção de Portugal na lista negra deverá levar a cancelamentos. O voo da British Airways que transportou a família Fairhurst de Faro para Londres não tinha mais de 30 passageiros. Segunda-feira, a low-cost britânica Jet2 anunciou a suspensão de voos e pacotes de férias para o Algarve até 16 de agosto. “A temporada de verão em termos de turistas britânicos está acabada”, afirma Paul Charles, diretor da consultora de turismo The PC Agency. “O Governo britânico só abrirá o corredor aéreo para Portugal quando a taxa de incidência [da covid-19] cair de forma sustentada e estiver bem abaixo dos 15 por 100 mil habitantes. Mesmo que aconteça nas próximas duas semanas, uma alteração da posição governamental não ocorrerá antes de meio de agosto”, diz Charles, também porta-voz do grupo de pressão Quash Quarantine, que reúne 400 empresas britânicas de turismo contra o regime de quarentena. “O verão, para Portugal, está perdido.”
EMBAIXADOR OTIMISTA
Nos meios diplomáticos ainda há esperança. “Ao longo das últimas semanas temos tido reuniões técnicas de peritos e disponibilização de informação científica e estatística sobre a situação da pandemia em Portugal”, explica o embaixador de Portugal em Londres, Manuel Lobo Antunes. “Tem havido também contactos a nível político. O Reino Unido mostra-se sobretudo atento, ou preocupado, com a taxa de infeção em Portugal. Parece não prestar tanta atenção a outros critérios, o que levou o Governo português a considerar que a decisão carecia de fundamento científico. A situação epidemiológica em Portugal está a melhorar de forma consistente, mas os efeitos das medidas demoram a projetar-se na realidade e na análise estatística. Continuo otimista em que possamos inverter a situação no curto/médio prazo se a consolidação em sentido decrescente no número de casos prosseguir. Mas não há dúvida de que parte da época estival está comprometida.” (Expresso, texto  do jornalista PAULO ANUNCIAÇÃO, correspondente em Londres) 

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