sábado, agosto 01, 2020

Crise Desemprego agravou-se em 86% dos concelhos do país

Eum cenário de incerteza aquele que pinta o mapa nacional desde que a pandemia da covid-19 tomou conta da economia. Nos quatro meses que separam fevereiro — o último mês pré-covid— e junho deste ano o número de desempregados inscritos nos centros de emprego aumentou 29%. São mais 91.103 desempregados registados do que há quatro meses. E se é verdade que o lay-off simplificado terá tido um efeito travão na escalada destes números, a ‘bazuca’ criada pelo Governo para segurar postos de trabalho não conseguiu impedir que o desemprego aumentasse em 86% dos concelhos do país. Em dois deles, Cadaval e Ponte de Lima, o número de desempregados mais do que duplicou nos últimos quatro meses. O Expresso analisou os dados do desemprego registado por concelho, divulgados mensalmente pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), para medir o impacto da crise no mercado de trabalho.
Nos 279 concelhos do continente com dados do IEFP, seis viram os seus níveis de desemprego aumentar mais de 80% entre fevereiro e junho. Na radiografia que os dados permitem fazer é possível perceber que em cerca de metade (55%) dos concelhos do país os impactos económicos da pandemia se traduziram num aumento do desemprego registado em até 30%. Em 20,5% do território do continente o desemprego agravou-se entre os 30% e os 50% e cerca de 9,7% dos concelhos registaram quebras acima disso.

DO CADAVAL A PONTE DE LIMA
Na comparação face a fevereiro, 0,7% dos concelhos duplicaram os níveis de desemprego que registavam antes da crise. Neste grupo estão os concelhos do Cadaval e de Ponte de Lima, com um crescimento do número de desempregados registados de 113,1% e 105,1%, respetivamente. Mas estão também Paredes de Coura (96,7%), Castro Verde (88,5%), Bombarral (84,8%) e Sines (80,8%).
Pertencem a diferentes zonas do país, mas têm alguns pontos em comum. São regiões com elevado grau de exposição e dependência face a atividades de indústria (sobretudo a que tem como destino a exportação), comércio, turismo ou agricultura e às quais a crise, com a imposição de confinamento, atingiu de forma brusca.
De forma transversal, na generalidade dos concelhos do país são as mulheres as mais afetadas pelo desemprego. E isso a pandemia não mudou. Era assim em fevereiro, continuou a ser em junho. Do total de novos inscritos nos centros de emprego do continente durante o mês de junho, para a maioria a situação de desemprego decorre do fim de um contrato de trabalho não permanente ou de um despedimento.
FIM DE CONTRATOS ALIMENTA SUBIDA DO DESEMPREGO
Nos dois concelhos onde o desemprego duplicou em quatro meses o cenário era exatamente este. No Cadaval, concelho da região de Lisboa e Vale do Tejo, estavam registados 505 desempregados, mais 113,1% do que os registados em fevereiro. Desses, 69% eram mulheres, 48% tinham entre 35 e 54 anos, 21% tinham o ensino secundário e 29% formação superior. Do total de desempregados registados neste concelho, 29% entraram em situação de desemprego depois de verem terminados contratos de trabalho não permanentes.
Em Ponte de Lima, o desemprego registado atingiu em junho 1134 pessoas, mais 105% do que as contabilizadas em fevereiro deste ano. Dessas, 57% eram mulheres, 21% tinham entre 25 e 34 anos e 38% tinham entre 35 e 54 anos. Cerca de 37% dos desempregados em Ponte de Lima possuem qualificações ao nível do ensino secundário e uma parcela significativa (25%) não foram além do 3º ciclo. 32% destes desempregados viram terminados os seus contratos de trabalho não permanentes.
O Expresso tentou contactar os autarcas dos dois concelhos onde o desemprego mais aumentou. Só o presidente da Câmara de Ponte de Lima, Vítor Mendes, quis refletir sobre os números, que “acompanha com preo­cupação”. O autarca justifica a escalada do desemprego no seu concelho com a “grande exposição às atividades industriais, do turismo, comércio e grandes feiras e eventos, que foram muito penalizadas pela pandemia”. O concelho registava em fevereiro uma taxa de desemprego baixa, “e por isso sentiu logo o impacto da crise”.
Vítor Mendes destaca, contudo, que durante o mês de julho já se sentiu uma inversão nesta tendência, com a retoma de muitas atividades, até no turismo. Resultados que não estão espelhados nos últimos indicadores do IEFP, mas que mesmo para o autarca têm de ser analisados com um “otimismo relativo”. “É tudo muito imprevisível e é necessário esperar pela evolução da pandemia”, diz. E acrescenta que “muitas empresas já retomaram a sua atividade. A hotelaria já está a recuperar as suas reservas e a restauração, que emprega mais de mil pessoas no concelho, também, e até a indústria automóvel, que também é importante para nós em termos de emprego, saiu relativamente cedo do lay-off”. Indicadores que o levam a admitir que nos próximos meses o desemprego na região possa retomar a sua trajetória descendente. Até porque, garante, “tenho tido contactos de investidores estrangeiros que querem apostar na região, mas tudo vai depender da evolução da pandemia”. Os receios de Vítor Mendes estão centrados na hipótese de uma nova vaga da pandemia, com novo cenário de confinamento, e na forma como esta impactará a economia nacional.
E a verdade é que se o cenário comparando com fevereiro já é alarmante, os números apresentados até beneficiam de uma redução em cadeia no desemprego registado, a primeira em quatro meses, que se fez sentir no mês passado. Segundo os dados esta semana divulgados pelo IEFP na sua síntese mensal, em junho estavam registados nos centros de emprego 406.665 desempregados, menos 2269 do que no final de maio. Uma redução de apenas 0,6%, mas que é a primeira desde que a pandemia chegou a solo nacional (ver também “40 concelhos estão a contrariar a crise”).
COMPARAÇÃO HOMÓLOGA AGRAVA PROBLEMA
Se a análise destes dados for comparada com o mesmo mês de 2019, o cenário é ainda mais desolador. O desemprego registado agrava-se em mais de 36%, um aumento superior a 108 mil desempregados no país, com a região do Algarve a pagar a maior fatura da crise gerada pela pandemia no mercado do trabalho.
Tomando como referência o mês homólogo (junho de 2019), sobe de dois para 15 o número de concelhos onde o desemprego mais do que duplicou. Dez desses concelhos estão localizados a sul do país, na região do Algarve. E para a maioria a situação é dramática. Em Albufeira, o número de inscritos aumentou este ano quase sete vezes face a junho do ano passado. Em Vila do Bispo, Portimão e Lagos o desemprego triplicou no último ano. Os restantes duplicaram. E há três concelhos da região — Aljezur, Castro Marim e São Brás de Alportel — onde o aumento do desemprego superou os 80%.
Números que o lay-off simplificado ainda pode estar a “segurar” e cuja recuperação se adivinha difícil e demorada. Isso mesmo resulta do plano esta semana enviado ao Governo por António Costa e Silva, o consultor escolhido pelo primeiro-ministro, António Costa, para traçar uma estratégia para o país sair da crise com o apoio de fundos europeus.
O documento, que estará em consulta pública durante um mês, sugere a criação de um “modelo transitório de incentivo ao emprego duradouro que cruze recursos de política ativa, isenções parafiscais e incentivos fiscais para contrariar a persistência de níveis de desemprego elevados no pós-pandemia”, lê-se no documento, onde o consultor admite que o desemprego gerado pela pandemia “ameaça prolongar-se por vários anos” (Expresso, texto da Jornalista Cátia Mateus)

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