quinta-feira, janeiro 09, 2025

Venezuela: Jesús Armas, o homem que Maduro mandou torturar para descobrir o esconderijo das maiores figuras da oposição


O Expresso falou com a namorada do ativista, que também foi prisioneira política. Nem os pais nem o advogado tiveram autorização da ditadura chavista para visitar o recluso. O ativista social Jesús Armas caiu, há um mês, nas mãos de agentes chavistas disfarçados. Durante seis dias, foi um de centenas de venezuelanos que sofreram na pele os crimes contra a Humanidade enumerados pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) desde que Nicolás Maduro lançou a famosa “fúria bolivariana”, para consolidar a maior fraude eleitoral da História da América Latina. Para se fazer reeleger Presidente, depois de todos os indícios sugerirem que perdeu para Edmundo González nas eleições de 28 de julho de 2024, Maduro recorreu a torturas, detenções ilegais e desaparecimentos forçados.

Armas, presidente da ONG Cidadania Sem Limites, foi levado para uma casa clandestina do Serviço Bolivariano de Informações (SEBIN), no bairro de Santa Mónica, em Caracas, perto da Universidade Central da Venezuela. De pouco ou nada serviu o prestígio internacional deste lutador de 37 anos, nem sequer os apelos da fundação de Barack Obama, da que Armas foi bolsista em 2022.

O papel crucial na esmagadora vitória dos democratas em Caracas já tinha incomodado o regime autoritário venezuelano, mas o que pôs Armas no alvo do terrorismo de Estado foi ter participado nas vigílias das mães venezuelanas, mães que têm protestado uma e outra vez para exigir a libertação dos seus filhos, mais de uma centena de menores. Terrorismo de Estado é como o Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos descreve as atrocidades cometidas na Venezuela.

Sairam Rivas, a companheira inabalável

As redes do chavismo apanharam Armas, por fim. Graças a um ato de valentia da sua namorada, a dirigente marxista Sairam Rivas (membro da direção da Bandeira Vermelha, partido também perseguido por Maduro), o país ficou a saber o que sucedeu. Rivas, também presa política durante cinco meses, dirigiu-se ao quartel policial para onde Armas foi transportado da casa clandestina. “Jesús descreveu-me as torturas que sofreu. Asfixiaram-no com um saco em várias ocasiões. Depois, apresentaram-no ao juiz por videochamada, durante apenas 20 minutos, embora tenha estado desaparecido seis dias. Quando o regime soube que eu o tinha encontrado, proibiram-lhe quaisquer contactos com o exterior. Nem os pais o viram uma única vez no Helicoide”, afirma Rivas ao Expresso, mencionando a sinistra cadeia que é um dos maiores centros de tortura da América Latina.

As paredes de María Corina

“O que Jesús me contou foi que quando o torturavam, tentavam saber onde estão escondidos María Corina Machado, Luis Palocz [posteriormente detido], Juan Pablo Guanipa e Carlos Ocariz [dirigentes do partido Primeiro Justiça). Nestas circunstâncias, porém, nem eles contam uns aos outros onde estão escondidos. A prioridade do regime é desmoralizar e criar desconfiança entre os dirigentes da oposição. Em segundo lugar, querem gerar um clima de terror e desmobilização, para que não haja qualquer ação no dia 10 de janeiro”, explica, referindo a data prevista da tomada de posse de Maduro, dia em que González assegura que também estará na Venezuela, para assumir o mesmo cargo.

“O regime sabe que os sectores populares, que saíram à rua para contestar a megafraude eleitoral, estão fartos do que se vive no país. O povo está silenciado pela repressão, mas está farto. Já não é o país onde metade da população apoiava Hugo Chávez [presidente entre 1998 e 2013, ano em que morreu]. A possibilidade de explosão social a qualquer momento é enorme”, garante a namorada de Armas ao Expresso. O destino escondia uma jogada inimaginável para o opositor: uma cela no Helicoide, a cadeia onde a sua namorada fora encarcerada há uma década. Rivas, que antes de enveredar pela ação política venceu um concurso de beleza internacional, podia, pelo menos, ler num escritório convertido em cela. A jovem aproveitou para revisitar “O Capital”, de Karl Marx.

Mais de dois mil presos políticos em seis meses

Nada mais se sabe de Armas nem do seu estado físico após as torturas de que foi alvo, nem como sobrevive ao quotidiano da prisão. Nem os pais nem o advogado podem visitá-lo: o chavismo não permite que presos políticos tenham defensores. Cada caso é adjudicado a um advogado escolhido pelo Estado. Desde que rebentaram os protestos de 29 de julho até á data, mais de dois mil dirigentes de peso, ativistas sociais, funcionários intermédios, jovens que passeavam na rua ou gente que expressou mal-estar com Maduro nos seus estados de WhatsApp tornaram-se presos políticos. Após várias rondas de libertações, a organização Fórum Penal calcula que 1791 pessoas continuem atrás das grades por razões políticas. A estratégia mudou nos últimos meses, das detenções por arrastão de toda a gente que passasse perto de uma manifestação para uma porta giratória seletiva, como descrevem as organizações de defesa dos direitos humanos. O chavismo tenta decapitar a oposição, para que Machado fique isolada à frente dos protestos.

A líder opositora, que está atualmente na clandestinidade, fez saber que encabeçará os atos convocados para quinta-feira, 24 horas antes da tomada de posse do Presidente. Por essa altura, González já terá tentado — resta saber com que êxito — entrar no país de que tanto ele como Maduro se declaram chefes de Estado e de Governo (Expresso, texto do jornalista Daniel Lozano)

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