terça-feira, março 05, 2024

Estudo Pordata: Maioria não confia nos partidos e não é de esquerda ou direita

O DN falou com a diretora da Pordata, Luísa Loura, que alerta: “Descrença nos partidos” leva a uma menor participação eleitoral. Esta ideia surge no estudo do gabinete estatístico da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que fez um retrato das eleições pós-25 de Abril. A Pordata divulga esta segunda-feira um retrato histórico das eleições, desde o 25 de Abril até agora, e revela que “oito em cada dez inquiridos em Portugal tendem a não confiar nos partidos políticos”. O DN conversou com a diretora deste gabinete de estatística, afeto à Fundação Francisco Manuel dos Santos, Luísa Loura, que explica: “Os partidos não mudaram de opinião. Muitas vezes não se consegue concretizar medidas que têm na ideia, mas isso leva a que a população ganhe alguma descrença neles, e com isto começam a participar cada vez menos”. 

“Esta é, aliás, uma tendência em 19 dos 27 países da União Europeia [UE], em que mais de 70% das pessoas tendem a não confiar nos partidos políticos (a média da UE é 77%)”, continua o estudo da Pordata, salvaguardando que “em todos os países, com exceção da Dinamarca, que regista empate, é maior a proporção de pessoas que não confiam do que as que confiam”.

O documento indica ainda que os portugueses só estão abaixo da média europeia, no que diz respeito a descrença nas instituições, quando se referem a organismos europeus (ver gráfico intitulado Confiança dos eleitores, que, de acordo com a Pordata é alimentado por dados do Eurobarómetro). Sobre as instituições nacionais, os vários partidos políticos são os que permitem que a credulidade dos portugueses caia por terra, com 81% dos inquiridos  a demonstrarem que não confiam neles. Em relação à casa da democracia, os dados não variam muito, mas a falta de confiança é menor, com 62% dos inquiridos a revelarem que não confiam na Assembleia da República. Por fim, a justiça, pelo menos no que diz respeito a este gráfico, também é alvo da falta de confiança dos portugueses, com 53% dos participantes no estudo a refletirem isso, mas a proporção é menor face às outras instituições.

O outro lado da abstenção

Um dos efeitos desta perspetiva em relação às instituições é o aumento da abstenção. “Em 50 anos de democracia tiveram lugar 16 eleições legislativas em Portugal”, lembra a análise da Pordata, destacando que depois da geringonça (entendimento pós-eleitoral entre PS, Bloco de Esquerda e PCP, entre 2015 e 2019), foi quando a corrida às urnas moveu menos pessoas.

“Neste período [entre 1974 e 2019, mais de metade dos eleitores foram sempre votar, com exceção das legislativas de 2019, aquando do segundo mandato de António Costa como primeiro-ministro, em que a taxa de abstenção foi de 51,4%”, diz o documento. “Contudo, as taxas de participação eleitoral têm diminuído ao longo dos anos e, a partir de 2009, já menos de 60% dos eleitores exerceram o seu direito de voto”, define o estudo, com algumas considerações que merecem ser analisadas.

A Aliança Democrática (AD), a coligação histórica entre PSD, CDS e PPM, que no dia 10 de março volta a concorrer às eleições legislativas, tem dois lugares cimeiros na história das eleições em democracia, ambos sob a liderança de Francisco Sá Carneiro: se em 1979 conseguiu formar Governo na corrida às urnas com a maior taxa de participação registada até agora (87,1%), em 1980 ganhou na eleição que teve mais votantes em termos absolutos (6 028 601 eleitores), destaca o estudo, aludindo a dados da Secretária-Geral do Ministério da Administração Interna.

Esta análise explica também, em nota de rodapé, que não foram consideradas as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, que tiveram uma taxa de participação de 91,5% e que cumpriram o objetivo de eleger os 250 deputados que iriam redigir a Constituição da República Portuguesa.

Hoje em dia, os eleitores têm muitas mais opções no boletim de voto, que podem ou não condicionar as decisões. No dia 10 de março, na maior parte dos círculos eleitorais, haverá 18 forças políticas a disputar os 230 lugares no Parlamento, entre 15 partidos e três coligações. Em 1976, eram 14 e nas últimas legislativas, em 2022, eram 24.

Mas esta evolução da abstenção pode ter várias causas. O facto de, no início da democracia, “haver uma marcação bastante mais clara entre os partidos que defendiam uma economia de mercado ou os que defendiam mais a classe trabalhadora, ou seja, em que havia uma distinção mais nítida do que era direita e esquerda, nessa altura as pessoas conseguiam definir-se bem e iam votar muito em massa”, aponta Luísa Loura, dando uma pista para o fenómeno.

Para além disto, lembra a diretora da Pordata, há um outro fenómeno, que faz parte dum outro estudo deste gabinete de estatística, que é a abstenção técnica, que decorre de estarem inscritas nos cadernos eleitorais pessoas que não vivem em Portugal e que, por não estarem credenciadas nos consulados nos países onde vivem, acabam por não conseguir votar.

“Se a pessoa não tem a preocupação de se registar no consulado para dar baixa nos cadernos eleitorais em Portugal, é um sinal de abstenção”, aponta. Este dado não é de todo irrelevante porque, de acordo com Luísa Loura, são entre 800 mil a 1 milhão os eleitores que não se dirigem às urnas.

Mulheres na democracia

A abstenção e aquilo que a provoca ou diminui não é linear. Um dos fatores positivos pode ser a participação das mulheres na democracia. Em 1976, como este estudo analisa, o Parlamento registou o menor número de mulheres, com apenas 15 deputadas, que correspondiam a 5,7% do total de lugares no hemiciclo. Por outro lado, em 2019, no extremo oposto, 38,7% dos lugares na Assembleia da República eram ocupados por mulheres, ou seja, quatro em cada dez.

“Houve uma evolução positiva, mas porque houve uma lei nesse sentido”, lembra Luísa Loura, explicando que, agora, a legislação “obriga a que nas listas que são votadas de cada partido tem de haver pelo menos um terço de mulheres nos lugares elegíveis”. Apesar de a paridade estar a ser atingida por via desta lei, Luísa Loura apela a que se faça mais. Porém, rejeita que seja uma questão de mudar as mentalidades. “Não sei se se vai conseguir mudar esta situação, porque a mulher é que é a mãe e isso faz logo toda a diferença em termos de gestão do tempo. Eu acho que a não participação das mulheres é muito mais porque o dia tem menos horas para a mulher do que tem para os homens”, conclui.

Mergulhar na política

Mesmo que a participação feminina nos sufrágios tenha aumentado, ainda há fatores de exclusão que podem contribuir para a abstenção. “73% dos cidadãos em Portugal consideram que o sistema político nacional não permite, ou permite pouco, a influência das pessoas na política”, adianta o estudo, enquanto explica que apenas “15% das pessoas referem ter contactado um político” ou “4% participaram (incluindo através de doações) nas atividades de um partido político ou grupo de interesse”, como um sindicato.

Sobre o sistema político, a perceção de grande parte dos cidadãos (38,8%) é a de que não é permitido influenciar a política de todo, contra 4,9% que consideram que essa influência é “muitíssimo” permitida (ver gráfico intitulado Capacidade para participar na política). Por fim, sobre a diferença entre esquerda e direita, que muitas vezes não é assumida pelos partidos, como acontece com o PAN, o estudo conclui que “31% dos portugueses afirmam posicionar-se ao centro, 28% mais à esquerda e 19% mais à direita”.

Esta conclusão contrasta com as sondagens mais recentes, que têm sugerido que a totalidade dos partidos da direita consegue obter a maior parte dos votos. É, no entanto, relevante mencionar que a Pordata, com base nos dados do Eurobarómetro, aponta que 16% dos inquiridos não sabem responder se pendem para a direita ou para a esquerda, enquanto 6% simplesmente se recusa a responder a esta questão (DN-Lisboa, texto do jornalista Vítor Moita Cordeiro)

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