Parece-me que a democracia portuguesa, infelizmente, continua a
experimentar dificuldades em lidar com os partidos portadores de ideologias ou de
programas políticos mais radicais. O Chega é o novo alvo das críticas de quase
todos, mas antes foram todos os demais partidos da extrema-esquerda que se
pavonearam na política nacional perante a complacência desinformada dos
cidadãos. O problema do Chega reside, em meu entender, em duas questões
essenciais que nada têm a ver com uma qualquer ideologia perfeitamente identificada,
porque essa nem existe (apenas há uma "Declaração de Princípios e
Fins"): falo do estilo de liderança e de intervenção agressivo e
contundente de André Ventura, sabendo-se que se trata de uma pessoa inteligente,
com um percurso académico de topo e apologista de algumas ideias exageradamente
radicalizadas ou generalizadas - a que se juntam o lamentável recurso a
notícias falsas que inundam as redes sociais e se propagam como um vírus,
incluindo montagens fotográficas ou documentais, procedimentos recorrentes que
motivam as contestações dos outros partidos, sem que se saiba se elas valem
votos aos seus promotores ou protagonistas.
É também o caso das cíclicas "guerras" parlamentares entre o
Chega e o Presidente da Assembleia da República. Eu não sei se Santos Silva
quando afronta e enfrenta o Chega, com a agressividade conhecida e devidamente
mediatizada (ora pois...), o faz apenas por convicção ideológica, já que se
trata de um político afecto à ala esquerda do PS ou se ele também começa a ter
as presidenciais de 2026 no horizonte, já que se trata de um putativo
pré-candidato, embora pessoalmente não acredite que alguma vez o venha a ser de
facto. Se assim for, neste segundo caso, então podemos admitir que ele também
valoriza a preocupação de começar a marcar terreno e de aliciar, com as suas
guerras com Ventura e o Chega, o eleitorado de esquerda, onde se multiplicam os
candidatos presidenciais potenciais, candidatos inventados, candidatos encomendados
por múltiplos interesses e grupos de pressão, falsos candidatos reféns de vaidades
e ambições pessoais, auto-candidatos, etc
Neste quadro político, tendo o Chega como epicentro, as europeias e
depois as regionais açorianas de 2024 serão actos eleitorais decisivos para
percebermos eleitoralmente quais os custos, positivos ou negativos, da gestão
partidária de Ventura relativamente ao acordo parlamentar estabelecido pelo
Chega, em 2020, com o PSD, CDS, PPM e Iniciativa
Liberal e que conheceu inúmeros percalços até a sua denúncia em 2022, sem que
isso implicasse a queda do governo liderado por Bolieiro. E se o Chega como
ambiciosa, vai chegar ou não ao Parlamento Europeu, juntando-se aos seus amigos
dos partidos de extrema-direita que já por lá andam…
Recordo que Ventura é uma espécie de “fabricação” do PSD de Passos Coelho quando pretendeu ganhar as autárquicas em Loures, objectivo que falhou, sobretudo quando o CDS – nessa altura com alguma visibilidade eleitoral e mediática – abandonou a coligação com o PSD, abrindo ainda mais caminho a uma derrota que já era incontornável. Ventura, costumo dizer, tem uma outra coisa que me separa dele - para além de várias questões de princípios ideológicos, de valores, de prioridades essenciais na arquitectura de uma sociedade justa, etc – que é o facto de ser um fanático benfiquista! Mas que reconheço lhe tem dados votos. Não duvidem disso.
Admito que algumas das ideias do
Chega de Ventura - algumas erradamente colocadas na agenda política diferente
da agenda mediática - conseguem apoios junto de bases eleitorais de outros
partidos, entre as quais a reclamação de um contundente combate à corrupção,
posições claras quanto ao combate à criminalidade e à celeridade da justiça,
sem esquecer outros itens associados a uma reforma do sistema político, etc.
Partidos como o PSD, CDS e mesmo o PS e o PCP, não gostam do Chega, porque este
partido lhes tem “roubado” votos nos últimos anos. Comprovadamente.
Lembro aos mais distraídos que o Chega foi inscrito
no Tribunal Constitucional no dia 9 de Abril de 2019, “com a denominação CHEGA
e a sigla CH, conforme o Acórdão n.º 218/2019” daquele Tribunal. Tratando-se de
um partido legalmente constituído, a pergunta que se deve fazer é esta:
sabendo-se que a direita tem medo do Chega, que paulatinamente está a “roubar”
votos do PSD e do CDS, e que a esquerda diaboliza o Chega e Ventura, também por
motivos eleitorais, questiono-me se um conjunto de posturas avulso por parte
desses partidos tradicionais, acabam ou não por funcionar, indirectamente, como
peças de uma máquina de promoção política e eleitoral do Chega, exactamente o
oposto do que pretendiam.
Afinal, e bem vistas as coisas, a esquerda
e a direita têm ou não têm sido capazes de travar uma ascensão eleitoral de
Ventura e do seu partido? Digo seu partido porque todos percebemos que o Chega
sem Ventura provavelmente deixará de existir. O partido, não sei se também as
ideias que defende.
Mais. Os eleitores que votam no Chega
fazem-no ou não com a mesma liberdade dos que votam no PCP, no Bloco ou no PS?
E os eleitos do Chega, em Lisboa, na Madeira ou nos Açores, têm ou não a mesma
legitimidade democrática e a mesma representatividade que os deputados eleitos
pelas listas dos outros partidos? Temo que na Madeira se possa seguir por
caminhos errados, tal como em Lisboa e dos Açores, que acabaram paulatinamente por
reforçar a presença do Chega, das suas ideias, das suas propostas, do seu radicalismo
e dos seus exageros, na política regional,
O Chega combate-se de uma forma política e
mediática diferente, não com hostilizações ridículas relativamente a um partido
legalizado, recorrendo a discursos gastos, ideias desadequadas e propostas que
nada dizem aos cidadãos e que pouco ou nada resolvem os reais problemas
existentes no quotidiano das pessoas.
A democracia e as suas instituições
representativas, têm falhado na resolução destes problemas, falhado na forma
como enfrentam estes novos radicalismos, falhado junto das pessoas no combate
social e político contra o Chega e as suas ideias e propostas, etc. O sistema
partidário tradicional tem falhado na desvalorização de novas formas de
comunicação, incluindo desonestidades criminosas de manipulação e distorção da
verdade, de uso indevido de imagens e de declarações de terceiros, etc. Falo
das redes sociais, nas suas imensas capacidades, perigos e ameaças, de um mundo
desregulado onde tudo vale, incluindo a mentira ou o insulto pessoal, e nas suas
múltiplas formas ardilosas de montar esquemas de manipulação a partir de grupos
anónimos organizados que se expandem paulatinamente, sem que a Democracia se
aperceba das ameaças que eles representam para os seus próprios pilares, e sem
que ela seja capaz de se defender.
Por isso, e esperando que cada um tire as suas conclusões, recordo a evolução eleitoral do Chega na Madeira:
⦁ Regionais de 2019 - 619 votos, 0,43%
⦁ Regionais de 2023 - 12.028 votos, 8,9% e elegeu 4 deputados
⦁ Autárquicas de 2021 - 3.509 votos, 2,49% (elegeu 4 mandatos nas Assembleias Municipais e 4 nas Assembleias de Freguesia)
⦁ Legislativas de 2019 - 911 votos, 0,70%
⦁ Legislativas de 2022 - 7.727 votos, 6,08%
Quanto aos Açores:
⦁ Regionais de 2020 - 5.262 votos, 5,26%, elegeu 2 deputados
⦁ Autárquicas de 2021 - 1.522 votos, 1,23%
⦁ Legislativas de 2019 - 709 votos, 0,85%
⦁ Legislativas de 2022 - 4.982 votos, 5,93%
Finalmente quanto ao País:
⦁ Legislativas de 2019 - 67.826 votos, 1,29% e 1 deputado eleito
⦁ Legislativas de 2022 - 399.510 votos, 7,18%, 12 deputados eleitos
⦁ Autárquicas de 2021 - 208.232 votos, 4,16 % e 19 eleitos para as Câmaras Municipais (173 eleitos para as Assembleias Municipais e 205 nas Assembleias de Freguesia).
Afinal onde trem perdido o Chega? O que é que têm ganho os opositores do Chega com a repetição de um discurso que é exactamente o oposto daquilo que deve ser feito em termos do combate político de ideias, não de patetices ideológicas com teias de aranha, no combate de argumentos, no combate à mentira, à manipulação, ao controlo das redes sociais, na percepção do peso e da importância para os extremismos ideológicos e para o terrorismo do criminoso mundo das redes sociais desreguladas, onde vale tudo e tudo pode ser feito ou dito? Acham mesmo, os partidos que combatem, e bem, o Chega e as suas ideias extremistas - porque o outro perigo é o radicalismo de uma extrema-esquerda populista que usa das mesmas técnicas do Chega mas que apenas assenta os seus pilares em ideologias diferentes mas igualmente extremadas? (LFM, texto de opinião publicado em 2 partes no Tribuna da Madeira)
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