Treze anos após a
falência do Banco Privado Português (BPP) o Estado pode vir a recuperar a
dívida do banco criado por João Rendeiro. Em 2008, um conjunto de seis bancos
injetou €450 milhões no BPP com aval do Estado para suster uma queda
desordenada decorrente de uma crise de liquidez fatal. Não surtiu efeito: foi
para liquidação em 2020. E a garantia foi executada. Até março de 2023, o
Estado recuperou quase €408 milhões e o remanescente deverá ser praticamente
saldado ainda este ano quando ficar com as coleções de obras de arte
contemporâneas do BPP e da Ellipse, devido a um acordo feito com a Comissão
Liquidatária do BPP (ver texto aqui). As duas coleções deverão valer perto de
€38 milhões.
A entrega das obras de arte põe ponto final à dívida do BPP ao Estado. Ficam por recuperar os juros de mora, que somam cerca de €160 milhões. Estes “serão apenas parcialmente pagos”, já que “os ativos dados em garantia não são suficientes para o pagamento integral dos mesmos”, explica ao Expresso o presidente da Comissão Liquidatário do BPP, Manuel Mendes Paulo. E, prossegue, “a parte dos juros não paga é depois considerada como crédito subordinado e para esta classe de credor não deverá haver dinheiro”.
Entre os restantes
credores do BPP estão por pagar €944 milhões a clientes, ao Fundo de Garantia
de Depósitos (FGD) e ao Sistema de Indemnização aos Investidores (SII), entre
outros. Estão neste grupo os chamados credores comuns, que só recebem depois dos
credores garantidos (Estado). O FGD e o SII, que ressarciram os lesados do BPP
(do produto do chamado retorno absoluto) em €185 milhões, assumem a posição
destes credores a quem efetuaram o pagamento. Há também €221 milhões em
créditos subordinados (últimos a ser pagos), mas quanto a estes a Comissão
Liquidatária diz que o dinheiro não vai chegar para estes credores.
Nas contas
apresentadas ao Tribunal do Comércio relativas a março de 2023, o valor do
ativo líquido é de €230 milhões e o passivo de €1271 milhões. A situação
líquida é negativa em €1041 milhões, o que permite estimar que não deverá haver
dinheiro para pagar na totalidade aos credores comuns, muito menos aos
subordinados.
PONTAS SOLTAS E
CONTAS
Quando e quanto
poderão receber os credores comuns (clientes e outras entidades), a Comissão
Liquidatária esclarece que “não é ainda possível saber o que poderá vir a ser
pago”. Esta tem sido uma das questões pela qual a Privado Clientes (associação
que junta clientes lesados) se tem debatido e a qual pediu, no início de 2022,
ao tribunal a destituição da Comissão Liquidatária, porém, até agora — um ano e
nove meses depois —, não há ainda decisão.
A Comissão Liquidatária considera que a liquidação está a avançar, mas persistem ainda pontas soltas: uma litigância significativa, que conta ainda com 41 processos judiciais em que o BPP é parte, um conjunto significativo de ativos para venda, no primeiro trimestre deste ano estavam ainda por vender 29 imóveis, dos quais em dois foram celebrados contratos-promessa de compra e venda (ver texto em baixo); e vários processos de insolvência de holdings das quais o BPP é credor, tais como a Privado Holding (que detinha o BPP), a Holma (que detém a Coleção Ellipse), e a liquidação da Maquijig (detentora da fábrica da ex-Continental), entre outros. A Comissão Liquidatária do BPP conta atualmente com 27 trabalhadores — foram dispensados 70 desde 2010 — e o número vai diminuir.
CRONOLOGIA
2008 BPP é
intervencionado, seis bancos emprestam €450 milhões com garantia do Estado.
2010 Banco de
Portugal declara BPP insolvente e é nomeada Comissão Liquidatária.
2011 São
reconhecidos créditos de 6000 clientes, ascendendo no total a €1,6 mil milhões,
dos quais €450 milhões garantidos (Estado), €950 milhões de créditos comuns e
€200 milhões de créditos subordinados.
2016 Cerca de 3000
clientes com produtos de retorno absoluto vão sendo ressarcidos.
2022 Associação de
credores (Privado Clientes) pede destituição da Comissão Liquidatária (CL). Não
há ainda decisão. Há luz verde para o Estado
ficar com as obras de arte.
2023 Os dois
imóveis onde está instalada a CL vão ser vendidos, entre 29 que estão por
vender. Há ainda 41 litígios vivos nos tribunais e insolvências de várias
sociedades nas quais o BPP é credor em marcha.
Sede do BPP e da
Privado valem €9 milhões
Os dois edifícios
do Banco Privado Português (BPP) onde está instalada a Comissão Liquidatária
(CL) — um na Mouzinho da Silveira e outro na Alexandre Herculano, em Lisboa —
vão ser vendidos a um operador turístico. Em julho foram assinados os
contratos-promessa com a CL do banco falido e um deles, o da Alexandre
Herculano, será o primeiro a ser vendido, revertendo o seu valor para a massa
insolvente. Os dois imóveis “vão ser vendidos por €9 milhões”, diz ao Expresso
Manuel Mendes Paulo, da CL. E especifica: “O valor do imóvel da Alexandre
Herculano é de €5 milhões e a escritura pública será feita em janeiro de 2024.
Já estamos a mudar para a sede do BPP na Mouzinho da Silveira.” E esclarece que
“durante dois anos vamos ficar naquele edifício da Mouzinho da Silveira, até
2026, podendo prorrogar a estada ou não”. O valor deste imóvel a pagar pelo
comprador ascende a €4 milhões, o que, tendo em conta que estes edifícios foram
comprados em leilão pela CL por €3 milhões, segundo as contas do BPP, a
mais-valia triplicou.
PEDIDOS DE
INDEMNIZAÇÕES
Há outras vias de receita para a massa insolvente que fazem parte das indemnizações pedidas no âmbito dos processos-crime, entre os quais foram condenados João Rendeiro (falecido), Paulo Guichard (que se entregou e está a cumprir pena), Fernando Lima, que foi preso na semana passada, e Salvador Fezas Vital, que aguarda recursos. Para isso os responsáveis pela liquidação do BPP têm vindo a requerer a ampliação dos arrestos nos diversos processos, para haver verbas que revertam para os credores comuns (Expresso, texto da jornalista ISABEL VICENTE)
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