domingo, outubro 29, 2023

Luís Paixão Martins: as sondagens “não servem para prever resultados eleitorais”

O consultor político considera que os estudos de opinião são fontes de informação complexas que permitem ler tendências. Mas a sua interpretação não pode ser simplificada, sob o risco de ser errada. O consultor político e especialista em comunicação Luís Paixão Martins, que tem trabalhado com o PS de António Costa, nomeadamente nas últimas legislativas, lança este sábado mais um livro. Depois de Como Perder uma Eleição, é a vez de Como Mentem as Sondagens, em que o especialista em comunicação política reflecte sobre os estudos de opinião. Com uma abordagem analítica e com reporte histórico, Luís Paixão Martins explica as razões pelas quais as sondagens erram tanto, ou seja, por que muitas vezes não acertam nos resultados eleitorais. O livro é apresentado em Lisboa por Mariana Vieira da Silva e José Pacheco Pereira.

Diz, no seu livro, que “os estudos de opinião servem para muita coisa, mas não servem para prever resultados de uma eleição.” Portanto, a conclusão é a de que não vale a pena fazer sondagens eleitorais...

É a minha conclusão.

Aliás, as últimas legislativas, autárquicas, regionais, demonstram isso...

A Argentina, a Madeira, as mais recentes. As sondagens são muito úteis para muitas coisas. Eu sou fã de sondagens, de estudos de opinião. Aquilo para que elas realmente não servem é para prever resultados eleitorais.

Mas porquê?

Há dois grandes problemas. Um é a diminuição da fidelização dos eleitores aos partidos. Quer dizer que é mais difícil prever, a uma semana de antecedência, a um mês de antecedência, como é que as pessoas vão votar. Porque a realidade é que grande parte dos eleitores ainda não decidiram como é que vão votar. Isso é um falhanço. O outro grande erro é a maneira como os media tratam as sondagens. Mas o grande problema da falta de fidelização aos partidos tende a acentuar-se.

A decisão é tomada em cima da eleição?

É exactamente isso. Muitas pessoas não votam por causa daquele partido, votam por outras razões. É aquilo a que se chama “eleitores de oportunidade”. Por esta ou por aquela razão, mais próximo das eleições, decidem como votam. Há um estudo, feito depois das últimas legislativas, que conclui que entre 15% e 20% das pessoas decidiram nos últimos dois ou três dias. Portanto, como é que uma sondagem a oito dias das eleições pode prever o resultado?

Outra questão que levanta é o problema do encadeado das perguntas e de se misturar sondagens quantitativas com qualitativas. Ou seja, a forma como as perguntas são feitas induzem à resposta. Por que é que as empresas de sondagens fazem isso?

Não é uma questão de manipulação. Eu não queria que do meu livro, das minhas reflexões, resultasse o menor apreço, do ponto de vista ético, em relação às pessoas que fazem sondagens. O problema é o seguinte: quando se pergunta, se as eleições fossem hoje, em que partido é que a pessoa votava, na prática, está-se a pedir uma comparação, que a pessoa compare uma lista de partidos. Ou seja, o valor é um valor relativo. Quando se pergunta qual é a avaliação que se faz do Governo, está-se a pedir um valor absoluto. Qual é a avaliação que faz daquele Governo.

Se se perguntasse, por exemplo, como é que avalia este Governo comparativamente com o Governo de Passos Coelho, isso já permitia essa comparação. Portanto, o que é que acontece? Na mesma sondagem, temos umas perguntas de valor absoluto e outras de valor relativo. Qual é o resultado disso? Muitas vezes é perplexidade. Porquê? Como é que é possível que os portugueses dêem nota negativa ao Governo e, ao mesmo tempo, o partido da oposição caia? Porque em relação a uma pergunta foi feita uma comparação e em relação a outra é um valor absoluto.

O facto de as sondagens não terem em conta a abstenção tem influência?

Sim. Depende da altura em que a sondagem é feita. Quando a sondagem é feita a dois anos das eleições, como por exemplo acontece agora, a taxa de resposta à sondagem é muito baixa. Ou seja, a empresa que faz a sondagem procura falar com 2000 pessoas e, na prática, 600 respondem. Portanto, significa que a taxa de resposta à sondagem é muito baixa e isso faz com que aquela amostra não seja muito representativa.

Mais próximo das eleições, os inquiridos mentem, fogem à verdade. Dizem que vão votar. Nas sondagens, a oito dias das eleições, a abstenção anda entre 10% e 15%, quando, na realidade, sabemos que há 30% a 40% das pessoas que não vão votar. Portanto, isso também ajuda a distorcer a expressão dos resultados.

Sobre interpretação, a maior parte das notícias sobre sondagens subestimam a importância da margem de erro...

O que é que faz um jornalista? Um jornalista é uma pessoa que pensa que percebe um problema complexo e o transforma numa coisa simples para que os leitores de um jornal, os espectadores da televisão, os ouvintes da rádio compreendam. Ou seja, o que um jornalista faz é sintetizar, simplificar a vida. O que é que acontece com as sondagens? As sondagens têm uma informação muito complexa, que não permite algumas formas de simplificação que são praticadas nos media. Por exemplo, as sondagens nunca dão resultados firmes, dão sempre intervalos.

Com margem de erro...

Sim. Portanto, o partido X tem entre 25 e 30, o título do jornal é: tem 27. Fazem a média. Há um sentido jornalístico em transformar os resultados das sondagens numa espécie de disputa, de frente-a-frente entre os dois candidatos, porque isso simplifica a leitura, a relação do leitor com a sondagem. Mas, muitas vezes, aquilo que se publica das sondagens não decorre delas.

Quem lê o seu livro fica com a ideia de que essa simplificação feita pelos jornalistas, nalguns casos, é mesmo uma extrapolação, em que eles procuram influenciar os eleitores...

Já me disseram isso do livro, mas não é verdade. Não fiz com essa intenção. O que quis dizer foi que as sondagens ajudam mais a influenciar do que a conhecer – sempre foi assim, mas acentuou-se nos últimos anos. Não estou a dizer com isto que o objectivo é influenciar. Estou a dizer é que, na prática, objectivamente, o produto da difusão de uma sondagem deixou de ser um produto de conhecimento e passou a ser um conteúdo de influência. Porque as máquinas das candidaturas pegam naqueles dados e procuram trabalhá-los a seu favor. E os próprios eleitores adaptam as suas decisões em função desses resultados.

O caso, aliás, até tem uma certa ironia, porque se nós publicarmos hoje uma sondagem com os resultados de ontem, isso influencia de tal maneira os eleitores que eles amanhã já não estão a pensar da mesma maneira que pensaram ontem.

A sondagem, só por si, condiciona...

Sim, absolutamente. Não é só a sondagem, os resultados eleitorais condicionam. Se nós hoje formos olhar para uma sondagem que compare com os resultados eleitorais das últimas eleições, nós podemos dizer que o PS caiu 20 pontos. Mas se tivéssemos feito esta sondagem no dia seguinte às eleições, provavelmente o PS já teria caído 20 pontos.

Porquê?

Porque o eleitorado é uma coisa que existe um dia, que é no dia em que vota. No dia seguinte, já não há eleitores, há cidadãos. Uma coisa é, à boca das urnas, perguntar em quem votaram, isso as pessoas tendem a responder com verdade. Outra coisa é perguntar um dia ou dois ou três dias depois o que é que pensam. Aí já se desfez o eleitorado.

E o que pensa dessa tendência para comparar sondagens com resultados eleitorais?

Acho abusivo. As sondagens funcionam como um barómetro, com a sua metodologia, a sua amostra, o seu tipo de inquérito e, portanto, acho que as empresas que fazem sondagens devem comparar com as sondagens anteriores. Acho isso de imenso valor, porque determina aquilo que é mais importante numa sondagem, que é a ideia de tendência. Ou seja, a sondagem pode não estar certa.

Nós podemos trabalhar com uma sondagem em que sabemos que a amostra não é boa. Se a amostra anterior também for igual, podemos corrigir a nossa observação, com a correcção que fizemos na anterior. Ou seja, temos uma sondagem que sabemos que tem pessoas com mais de 65 anos a menos do que devia ter em relação à amostra, e nós, na nossa observação, corrigimos isso. O que conta é a tendência, a evolução que essa amostra teve. A comparação das sondagens umas com as outras da mesma empresa, da mesma equipa, com a mesma amostra, o mesmo tipo de questionário, é muito útil. Permite uma leitura de tendência.

O PS fez estudos de opinião antes das últimas legislativas. Foi porque perceberam que a margem de erro abrangia a possibilidade de o PS ter maioria absoluta, que António Costa passou a pedir a maioria absoluta?

Não, não. É posterior a sondagem que antevê a possibilidade de uma maioria absoluta na melhor situação, ou seja, no intervalo do PS na margem superior da margem de erro. Ninguém pegou naquela sondagem e viu ali a maioria absoluta. Essa sondagem foi feita a oito dias das eleições. E quando António Costa falou na maioria absoluta, foi ainda na pré-campanha.

No dia das eleições, às 19h00, quando nos despedimos, a equipa da campanha – porque eles foram para o Altis e eu fui para casa –, e nos abraçámos, não havia nenhuma ideia de que se ia ter maioria absoluta. Tinha-se a ideia de que seria uma vitória robusta, muito expressiva, mas não se sabia que ia haver maioria absoluta. Porque a maioria absoluta, depois, depende de um conjunto de pormenores, quer do lado do PS, quer também do lado do PSD, sobretudo. Em Portugal não fazemos sondagens por círculos eleitorais, só fazemos globais, e basta um círculo eleitoral para alterar o resultado. Não se consegue apurar com esse pormenor (Publico, texto da jornalista São José Almeida)

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