Inquérito da RECJ mostra que magistrados europeus consideram ter independência. Em Portugal uma percentagem elevada reconhece que pode existir intervenção externa nas deliberações tomadas. Em Portugal os juízes admitem a possibilidade de existirem magistrados que são influenciados nas suas decisões pela pressão dos meios de comunicação social. E há também dúvidas sobre a forma como os processo são distribuídos. Estas são duas das conclusões de um inquérito feito pela Rede Europeia de Conselhos de Justiça (RECJ) que procurou saber a opinião dos juízes sobre a independência da classe a nível europeu e que deixa alguns alertas para a forma como aqueles analisam a sua profissão, a forma como ela é exercida, as condições de trabalho e as eventuais pressões a que são sujeitos nos diversos países europeus. No documento a que o DN teve acesso é referido que o inquérito foi realizado no primeiro trimestre de 2022 e que contou com a participação de 15 821 juízes de 29 autoridades judiciais de 27 países - no caso de Portugal responderam cerca de 500 juízes.
No âmbito geral, nas conclusões do estudo, que foi efetuado pela quarta vez, é destacado que estes profissionais consideram que a sua independência no trabalho é grande, com 61% dos inquiridos a confirmar essa ideia, que foi reforçada com a entrada dos seus países na União Europeia.
Influência, corrupção e distribuição dos processos
Um ponto comum a todos os países é a perceção, por parte de quem respondeu, da existência de colegas suscetíveis de sofrer "influências externas". De acordo com o documento, em Portugal 40% dos juízes consideraram que existe essa hipótese ao responderem positivamente à questão: "Acredito que, no meu país, durante os últimos três anos, houve decisões ou ações de juízes a título individual que foram influenciadas indevidamente por ações atuais, prévias ou expectáveis, dos meios de comunicação social (imprensa, televisão ou rádio)".
Esta resposta colocou o país entre os com percentagem mais elevada, ao nível da Eslováquia (60%), Croácia (53%), Bulgária (36%), Letónia (35%) e Lituânia (35%). Sendo que, no caso nacional, 24% dos inquiridos disse que não concordava, nem discordava da questão e 35% frisou discordar.
Do lado oposto estão os países nórdicos, Chipre, República Checa, Países Baixos, Irlanda e Reino Unido, com menos de 10% dos juízes a considerar que existe esse impacto da comunicação social nas decisões judiciais. As redes sociais foram outro ponto focado e, neste particular, a sua influência é considerada inadequada por menos inquiridos, com os maiores registos a surgirem na Eslováquia (51%), Croácia (37%) e, de novo, Portugal (22%).
Outro dos temas do Inquérito da RECJ Sobre a Independência dos Juízes está relacionada com a distribuição dos processos. O Relatório considera que a entrega (manipulada) de um processo a determinado magistrado constitui uma pressão externa sobre o juiz, no sentido em que "pode determinar o resultado desses processos", pode ler-se no documento. Neste ponto, Portugal e Espanha lideram a perceção de que isso é possível, respetivamente 27% e 26%, respondendo positivamente à pergunta: "Acredito que, durante os últimos três anos, foram distribuídos processos a juízes à revelia das regras ou procedimentos estabelecidos, a fim de influenciar o resultado do(s) litígio(s) em questão." Do lado oposto, no caso português, 52% dos inquiridos disse discordar desta afirmação. Ainda nas respostas dos juízes nacionais uma maioria - 59% - frisou não acreditar que alguns elementos da classe tenha, a título individual, aceitado subornos ou "outras formas de corrupção como um incentivo para decidir o(s) caso(s) de uma maneira específica.
Género e tempo de serviço
Participaram neste inquérito da Rede Europeia de Conselhos de Justiça 15 821 juízes de 29 autoridades judiciais de 27 países. A maior parte das respostas foram entregues por magistradas, o que também aconteceu no caso português -- 62%. Na média geral 55% das postas foram enviadas por juízas. Quanto ao tempo de serviço das pessoas que responderam estas foram "divididas" em 5 categorias -- 0-5 anos: 20%; 6-10 anos: 17%; 11-15 anos: 16%; 16-20 anos: 15%; 21-25 anos: 13% e com mais de 25 anos: 20%. No caso específico português a maior parte dos juízes tem mais de 17 anos de serviço.
Nomeações
Um dos pontos em análise neste inquérito está relacionado com a nomeação e promoção de juízes. No caso do Supremo Tribunal há muitas opiniões negativas sobre a forma como essa progressão é feita. Espanha (65%) e Hungria (52%) são os países com opinião positiva na resposta à questão: "Acredito que no meu país, durante os últimos três anos, a nomeação de juízes para o Supremo Tribunal/Tribunal de Cassação não se baseou apenas no mérito e experiência". Magistrados de Portugal (38%), Alemanha (34%) e Itália (36%) também se mostraram descontentes com a forma como as nomeações são efetuadas.
Independência
Esta 4.ª edição do inquérito da RECJ incluiu uma pergunta nova: "Penso que a independência do poder judicial no meu país é reforçada por fazer parte da União Europeia, pela perspetiva de se tornar parte da União Europeia ou de fazer parte do EEE." E a resposta não deixa margem para dúvidas: 61% considera que a entrada na União Europeia reforçou a independência do poder judicial. As pontuações mais baixas aconteceram nas respostas oriundas dos países nórdicos. Ainda em relação à independência, os juízes avaliam-na positivamente. De acordo com o estudo, "numa escala de 10 pontos os juízes classificam a independência no seu país em média entre os 7,0 e os 9,8. O que, de acordo com a RECJ, mostra a consolidação gradual dessa independência ao longo dos anos (DN-Lisboa, texto do jornalista Carlos Ferro)
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