terça-feira, setembro 26, 2023

Análise: Do excesso de oferta à Direita aos "jokers" do PS: o que esperar da corrida a Belém

Três politólogos fazem um retrato do terreno em que se movem os potenciais sucessores de Marcelo. Se António Guterres é apontado como um trunfo socialista, Santos Silva pode estar a camuflar a intenção discreta de levar António Costa à Presidência da República. O PS e o PSD, os dois maiores partidos em Portugal, liderados respetivamente por António Costa e Luís Montenegro, não fazem futurologia, nem levantam o véu a possíveis apoios a candidatos à Presidência da República. No entanto, a sinalização de intenções face a Belém ganhou alguns contornos na última semana, com o antigo presidente social-democrata Luís Marques Mendes e o antigo primeiro-ministro Pedro Santana Lopes a mostrarem-se disponíveis para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Contudo, será demasiado cedo para previsões, com as eleições apontadas só para 2026.

Esta manobra, porém, pode não significar nada. "O aparecimento desta gente toda [por agora, Marques Mendes e Santana Lopes] tem que ver com o ciclo político e com a renovação geracional na democracia portuguesa. Há um conjunto de pessoas para quem, no fundo, é agora ou nunca", defende o politólogo Jorge Fernandes, ouvido pelo DN. "Depois, uma geração mais nova poderá tomar o lugar daqueles", explica o também investigador no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa. Jorge Fernandes refere-se a Santana Lopes, Marques Mendes e Paulo Portas.

Ainda não há apoios assumidos. Mais à frente, quando os partidos suportarem os seus candidatos, é que o jogo começa a sério, sendo que a corrida a Belém é uma batalha travada em nome pessoal, apesar de haver uma estrutura partidária por trás. "O apoio discreto e mobilizador dos dois grandes partidos é fundamental", sustenta o politólogo António Costa Pinto. Esta é a regra, explica, "a não ser, claro, em conjunturas de crise". De acordo com o também professor de Ciência Política, "em Portugal é, salvo em conjunturas dramáticas [como uma pandemia ou uma guerra], difícil chegar à Presidência da República com uma dinâmica contra a classe política e contra os partidos".

É neste cenário que se desenrola a estratégia dos potenciais sucessores de Marcelo. "Da parte do PS e do PSD a intenção é ter mesmo um candidato ganhador, aponta ao DN a politóloga Paula do Espírito Santo, detalhando que também há "muitos candidatos que não têm a intenção de ganhar, mas vão marcar um território político para os seus partidos". Foi o caso da candidatura do líder do Chega, André Ventura, a Belém, em 2021, que, segundo a professora do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), cumpriu o objetivo de perceber, antes das eleições legislativas, "quais eram os círculos eleitorais onde poderia apostar mais".

Direita fragmentada

É necessário uma coordenação dentro do PSD na escolha do candidato às presidenciais. Nesta ideia, convergem os cientistas políticos Jorge Fernandes e Paula do Espírito Santo. "O mais provável é que a Direita acabe a ter o cenário que o PS teve em 2006 [quando Aníbal Cavaco Silva ganhou contra Manuel Alegre e Mário Soares, ambos socialistas]", prevê o investigador do ICS.

Para já, nem Marques Mendes nem Santana Lopes são candidatos "naturais" do PSD, "mas também não se impõem e não conseguem fazer com que os outros candidatos saiam de cena ou que nem sequer cheguem a entrar. Esta fragmentação à Direita poderá ajudar o PS, embora não seja líquido quem será o candidato" socialista, comenta Jorge Fernandes. Sobre a participação do ex-primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, na corrida a Belém, o investigador do ICS realça que "algumas pessoas" no PSD "acham que ele ainda é relativamente novo e têm esperança de que regresse em funções mais executivas, como primeiro-ministro. Tentar fazer alguma previsão sobre o que é que Passos Coelho está a pensar sobre o seu futuro político é impossível. Ele está em silêncio absoluto".

"Talvez não seja ainda o tempo para Passos Coelho", corrobora Paula do Espírito Santo. A investigadora do ISCSP sublinha que "ele tem evitado aparecer, não tem dado qualquer sinal de querer voltar para a política ativa, seja apoiando o partido ou qualquer tipo de situação que envolva o seu desempenho". Assim, continua, "apesar de ser natural aspirar a querer ser Presidente, Passos Coelho, ainda não está a ser suficientemente aclamado".

Mas "há outros candidatos com valor histórico para a Direita", adianta a investigadora, recordando Durão Barroso, "que está afastado da política ativa há bastantes anos", e sem excluir "Paulo Portas, que agora tem mais visibilidade por estar a fazer comentário político, na TVI". É de notar que Durão Barroso, ontem, após a sua intervenção na Universidade de Verão do PSD, garantiu que "não há minimamente uma hipótese" de se candidatar a Belém. "Mesmo se tivesse essa vontade, não sei se alguém votaria em mim", frisou.

Para António Costa Pinto, o xadrez político assume formas diferentes dependendo das figuras que entram em campo. "Em função da candidatura de um, outros não se apresentarão", diz o professor de Ciência Política da Universidade de Lisboa. Neste ambiente, candidatos potencialmente vencedores, "como Paulo Portas ou Marques Mendes", poderiam sair de cena se Passos Coelho ou Durão Barroso sinalizassem a sua intenção de avançar para Belém, defende o politólogo. Porém, todos estes candidatos têm uma coisa em comum: "não sucumbem a cantos de sereia dos seus partidos. Só avançam se forem potencialmente vencedores", conclui António Costa Pinto.

De Guterres a Martins

O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, "não é propriamente um político conhecido do eleitor médio. Isso, para a Presidência da República, é absolutamente central", diz Jorge Fernandes. Para o politólogo, "todos os políticos que foram eleitos, à exceção de Jorge Sampaio, eram muito conhecidos das pessoas", o que poderá afastar Santos Silva do apoio do PS para Belém. Ainda assim, é um dos nomes que têm surgido, até por si próprio, depois de, ontem, ter afirmado que não recusaria uma candidatura nem à "junta de freguesia".

"Admito que ele próprio goste de se sentir bem tratado, mas é uma coisa puramente tática do chefe [o primeiro-ministro, António Costa]. Enquanto ouvem falar sobre Santos Silva não fazem perguntas sobre outros potenciais candidatos, incluindo o próprio Costa", diz Jorge Fernandes sobre a estratégia socialista.

A tese não é afastada por António Costa Pinto, que acredita que, se surgir a oportunidade de o primeiro-ministro "ocupar um grande cargo internacional, evidentemente que António Costa vai escolher esse. Mas se a hipótese não se colocar, pode sucumbir ao apelo para que se candidate" à Presidência. Além de ser "muito cedo" para previsões, o politólogo lembra que uma candidatura de Costa "também depende de outros fatores, como estar próximo ou não de uma avaliação mais ou menos positiva do seu atual cargo".

"Enquanto ouvem falar sobre Santos Silva não fazem perguntas sobre outros potenciais candidatos, incluindo o próprio Costa", diz o politólogo Jorge Fernandes.

O ponto em que se cruzam as perspetivas dos politólogos sobre o candidato do PS a Belém é o atual secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. "Basta dar uma entrevista a um jornal qualquer a dizer que está a pensar nisso e o campo político da Esquerda dará o devido passo atrás, enfim, alguns com mais ou menos dificuldade engolirão um sapo, mas Guterres, se ele quiser, será candidato", diz Jorge Fernandes.

Já para António Costa Pinto, apesar de dizer que não o afirma, a influência de António Guterres vai ainda mais longe: "Não tenho nada a certeza de que Marcelo Rebelo de Sousa teria sido candidato se António Guterres se tivesse candidatado".

"As candidaturas presidenciais são algo que os partidos políticos não podem subestimar, mesmo que saibam que não vão ganhar. É um espaço político demasiado importante para não ser utilizado. Por isso é que muitas vezes temos candidatos de partido com escassa possibilidade de ser eleitos", destaca António Costa Pinto.

Portanto, haverá candidaturas à Esquerda. Catarina Martins, a ex-coordenadora do Bloco de Esquerda, aponta Jorge Fernandes, "faz parte de um grupo muitíssimo restrito de pessoas que já foram líderes do Bloco e durante muito tempo. Os anteriores líderes já foram todos candidatos, com a exceção de Luís Fazenda". Além disso, continua o politólogo, Martins "passou a uma espécie de reserva, um certo estatuto senatorial no partido".

Projeção de Gouveia e Melo

O almirante que coordenou a vacinação contra a covid tem sido apontado como um possível candidato a Belém, com a notoriedade ganhou na pandemia. No entanto, nota Jorge Fernandes, "ter de vir o homem da tropa salvar a nação e apresentar-se como um impoluto acima dos políticos seria um péssimo sinal para a democracia em Portugal. Nenhum partido o apoiará", propõe o investigador.

Para Paula do Espírito Santos, "a memória pública do trabalho de Gouveia e Melo não se apaga, claro, mas acaba por poder não ser suficiente para lhe dar agora um capital político necessário para ser uma figura com projeção", conclui.

Os presidentes eleitos em democracia

António de Spínola foi o primeiro Presidente da República depois do 25 de Abril de 1974, mas não foi eleito, tal como o seu sucessor, Francisco da Costa Gomes. Até agora, há cinco presidentes por escolha popular.

- António Ramalho Eanes foi o primeiro Presidente da República eleito em democracia. Não foi primeiro-ministro e não teve funções governativas antes de ser chefe de Estado, mas foi, até agora, o único militar de profissão a ganhar a corrida a Belém em democracia. Foi Presidente entre 14 de julho de 1976 até 9 de março de 1986. Estava em Angola durante o 25 de Abril.

- Mário Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros nos I, II e III Governos Provisórios, e no IV foi ministro sem pasta. Foi nomeado, em 1976, primeiro-ministro, cargo que ocupou nos I e II Governos Constitucionais, com Ramalho Eanes como Presidente. Foi eleito Presidente da República em 1986, o primeiro que, em seis décadas, não era militar, mantendo-se como chefe de Estado até 1996. Morreu em 7 de janeiro de 2017, com 92 anos.

- Jorge Sampaio licenciou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Durante o percurso académico, Sampaio destacou-se como opositor da Ditadura. Em 1989, foi eleito secretário-geral do PS e ganhou as autárquicas em Lisboa. Foi Presidente da República entre 1996 e 2006. Morreu em 10 de setembro de 2021, com 81 anos.

- Aníbal Cavaco Silva foi primeiro-ministro entre 1985 e 1995, assumindo a liderança de dois governos com maioria absoluta. Protagonizou algumas das diretivas do Tratado de Maastricht e garantiu a adesão do escudo ao Sistema Monetário Europeu, o que viria a criar as condições para Portugal integrar o grupo de países da moeda única europeia. Foi eleito Presidente da República em 2006, cargo que ocupou até 2016.

- Marcelo Rebelo de Sousa militou no PSD desde que o partido nasceu e foi seu presidente entre 1996 e 1999. Professor de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Marcelo foi também jornalista, com um cargo diretivo no Expresso. Mais tarde, afirmou a sua posição como comentador político na TSF e depois na RTP e TVI. Foi eleito Presidente da República em 2016, cargo que ainda mantém (DN-Lisboa, texto do jornalista Vítor Moita Cordeiro)

Sem comentários: