sábado, setembro 23, 2023

BCE: Subida dos juros vai levar a zona euro para uma recessão?

Da estagnação à recessão vai apenas um passo e é esse passo que, nesta altura, a economia europeia arrisca. As projeções foram revistas em baixa e apontam para uma estagnação da zona euro este ano, com 2024 pouco melhor. Muito por causa do aumento dos juros de referência do Banco Central Europeu (BCE), que na semana passada subiram mais um degrau, arrastando consigo as taxas de juro de mercado. Um impacto que, segundo vários economistas ouvidos pelo Expresso, ameaça provocar uma recessão na zona euro, que parece certa na Alemanha. Para forçar a descida da inflação — que atingiu valores inéditos desde a criação do euro —, os juros de referência do BCE subiram 4,5 pontos percentuais em pouco mais de um ano. São já dez aumentos consecutivos, colocando a taxa diretora nos 4,5%, o segundo valor mais alto de sempre, apenas atrás dos 4,75% observados entre o outono do ano 2000 e a primavera de 2001.

Uma trajetória que levou as taxas de juro Euribor — que servem de indexante aos créditos com taxa de juro variável —, a atingir os níveis mais elevados desde novembro de 2008, encarecendo o crédito, e penalizando consumo e investimento, de famílias e empresas. Esse é, aliás, o objetivo de Frankfurt. No comunicado onde na semana passada anunciou a nova subida das taxas de referência, lia-se que “as condições de financiamento tornaram-se mais restritivas e estão a refrear cada vez mais a procura, o que constitui um importante fator para fazer a inflação regressar ao objetivo”.

O BCE reviu em baixa as projeções para o crescimento na zona euro e não foi a única instituição a fazê-lo. Em 2023, o crescimento deverá ficar entre 0,6% (OCDE — Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico), e 0,8% (CE — Comissão Europeia), com o BCE a apontar para 0,7%. Para 2024, as previsões oscilam entre 1% (BCE) e 1,3% (CE), com a OCDE a antecipar 1,1%. São números ainda em território positivo, mas por pouco.

Poderá uma recessão estar a caminho? “Estas projeções de crescimento poderão implicar em alguns trimestres crescimentos negativos”, nota Bruno Fernandes, economista do Santander, frisando que “o BCE espera claramente um arrefecimento da economia para que as pressões inflacionistas se esvaneçam”.

Francisco Louçã, professor do ISEG, alerta que a zona euro “está a caminho de uma recessão, que poderá ser mais ou menos profunda, dependendo do que acontecer na Alemanha, que, provavelmente, já está em recessão”. Esta semana, o banco central alemão avisou que a economia germânica deverá contrair-se no terceiro trimestre, depois de um crescimento nulo no segundo trimestre. “O objetivo desta política do BCE era, precisamente, criar uma recessão na zona euro para baixar a inflação”, frisa Francisco Louçã.

Também Ricardo Paes Mamede, professor do ISCTE-IUL, considera que “a Europa já está a caminhar para uma recessão”. E vinca: “Vejo com grande preocupação a persistência da inflação a nível europeu, a subida dos juros, e o não acompanhamento pelos salários, levando a perda de poder de compra das pessoas. É a receita para problemas e para instabilidade política.”

Reconhecendo que “a economia da zona euro está muito frágil no rescaldo da pandemia”, João Borges de Assunção, professor da Católica-Lisbon, considera contudo “prematuro falar em recessão sem subidas notórias do desemprego. Algo que ainda não se nota nos dados”. Em julho, a taxa de desemprego no espaço da moeda única foi de 6,4%, inalterada face a junho, e abaixo dos 6,7% de julho do ano passado. Por isso, acredita que “será ainda possível, mas não seguro, evitar uma recessão”. E continua: “A chave deve ser o comportamento da economia americana. Se houver recessão por lá dificilmente a Europa escapa.”

Também Pedro Brinca, professor da Nova SBE, argumenta que “não podemos falar de recessão na zona euro com desemprego tão baixo”, destacando a “resiliência do mercado de trabalho que, tudo aponta, vai continuar”. Ainda assim, o crescimento do emprego “está a abrandar”, reconheceu Christine Lagarde, presidente do BCE, na semana passada, destacando que o sector dos serviços — que tem impulsionado o crescimento do emprego na zona euro desde 2022 — “está agora a criar menos empregos”.

Já o cenário traçado pelo BPI é de uma “estagnação do PIB na zona euro no terceiro trimestre seguida por uma ligeira recuperação no quarto, esperando que ocorra recessão apenas na Alemanha entre as quatro maiores economias da região”, diz Paula Carvalho, economista-chefe do banco.

Quanto a Portugal, uma recessão parece fora do horizonte, com a ajuda da aceleração da execução de fundos europeus e do bom desempenho do turismo. As projeções de crescimento das principais organizações nacionais e internacionais para este ano oscilam entre 2,4% (Comissão Europeia) e 2,7% (Banco de Portugal). Datam, contudo, da última primavera. Entretanto, a economia estagnou em cadeia no segundo trimestre. Já tendo esse dado em conta, o BPI aponta para 2,4%, tal como a Católica-Lisbon, com o Santander nos 2,3%. Para 2024, os economistas avisam que “a incerteza é enorme” e os “riscos elevados”, mas antecipam um crescimento entre 1,4% (Católica-Lisbon e Santander ) e 1,8% (BPI).

BCE FOI LONGE DEMAIS?

A forte e rápida subida dos juros pelo BCE era mesmo necessária? Ricardo Reis, professor da London School of Economics, defende que sim. “Basta olhar para os números da inflação”, que, depois de ter chegado aos dois dígitos, tem vindo a descer, mas ainda “está muito acima do alvo”, vinca. Em agosto, a inflação homóloga na zona euro situou-se nos 5,2%, quase inalterada face a julho. E o indicador subjacente — que exclui energia e alimentos, com preços mais voláteis — está nos 5,3% e pouco desceu até agora, sinalizando pressões inflacionistas mais persistentes. “Mesmo as melhores previsões do BCE apontam para que voltemos aos 2% só em 2025”, salienta. Ora, “o mandato do BCE é claro: tem de alcançar os 2% de inflação, e rapidamente”, vinca Ricardo Reis.

“Em minha opinião, sim, foi necessária, para conter as expectativas inflacionistas e moderar algumas tendências”, afirma Paula Carvalho. E aponta que este surto “teve na sua origem fatores de oferta e de procura, conforme conclusões de estudos, designadamente do BCE”. Assim, “dado que a política orçamental na maior parte das economias tinha um pendor ainda expansionista, era crucial a utilização da política monetária para inverter o fenómeno”, argumenta.

Considerando que, “no essencial, não há outra forma de baixar a inflação” que não seja subir os juros, João Borges de Assunção considera que “poder-se-ia argumentar a favor de uma pausa”, na reunião da semana passada. Isto para “perceber melhor o impacto na inflação das subidas dos juros no último ano e as consequências na estabilidade do sistema financeiro”.

Já Francisco Louçã é muito crítico da subida dos juros. “A doutrina que o BCE segue é de que quando há inflação o remédio é aumentar os juros para diminuir o consumo e o investimento” e assim fazer baixar os preços, salienta. Ou seja, “parte do princípio de que a inflação é provocada por procura excessiva, o que é errado. Não houve nenhum excesso de procura a provocar esta inflação, os salários perderam, as pensões desvalorizaram”.

Além da pressão temporária do aumento dos preços da energia, o economista aponta baterias “aos superlucros das empresas com poder de mercado, em sectores como a banca ou a grande distribuição”. Aliás, “há estudos, nomeadamente do BCE, que apontam as margens de lucros das empresas como maior fonte de pressões inflacionistas na zona euro”, lembra. Ora, a subida dos juros “penaliza as famílias, sobretudo em Portugal onde o crédito à habitação com taxa variável tem grande incidência, e muitas empresas que dependem do consumo, mas não afeta as empresas com poder de mercado, que têm superlucros”, vinca Francisco Louçã.

Para Ricardo Paes Mamede, a política de subida dos juros pelo BCE “não é a mais adequada”, porque “as raízes da inflação estão em grande medida em fatores exógenos à zona euro, relacionados com os preços da energia e das matérias-primas”. E destaca: “O BCE neste momento sente que está a correr atrás do prejuízo. Está sob uma pressão muito grande para ser visto como credível no cumprimento da sua missão estatutária, que é manter a inflação próxima dos 2%.” E vai mais longe: “O que o BCE está basicamente a dizer ao mundo é que faremos o que custar para trazer a inflação para os 2%, mesmo que custe uma recessão. (Expresso, texto da jornalista SÓNIA M. LOURENÇO)

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