terça-feira, novembro 29, 2022

Portugueses não querem alteração da idade de voto

A partir de que idade devem os cidadãos ter direito ao voto? Há quase meio século, esta foi uma das questões com que se deparou a comissão responsável por elaborar a lei que viria a reger a eleição para a Assembleia Constituinte (1975), o primeiro acto eleitoral plenamente livre, inclusivo e competitivo da história política portuguesa. Optou-se então por atribuir o voto a todos os portugueses com pelo menos 18 anos, algo que muitos interpretarão hoje como uma escolha óbvia. No entanto, em várias democracias a possibilidade de votar permanecia então vedada às pessoas com 18 anos: em Itália só se votava aos 21 anos, na República Federal da Alemanha e na Irlanda aos 20 anos e na Áustria aos 19. Num contexto geográfica e temporalmente próximo do português, só os espanhóis com pelo menos 21 anos é que tiveram direito a votar nas eleições gerais de 1977. (1)

Desde a década de 1970 até hoje, a idade de voto convergiu nos 18 anos na generalidade das democracias, embora esta confluência tenha ocorrido a ritmos variáveis. No Japão, só desde 2017 é que as pessoas com 18 anos podem votar, e, ainda hoje, em Taiwan só se vota aos 20 anos. Por outro lado, várias democracias definiram limiares mais baixos para a idade de voto. Pode votar-se em eleições de âmbito nacional aos 16 anos no Brasil, na Argentina, na Áustria, em Malta e no Equador; e aos 17 anos na Grécia, na Indonésia e em Timor-Leste. Há ainda experiências de expansão do direito de voto a pessoas mais jovens em algumas eleições de âmbito subnacional na Noruega, na Alemanha e no Reino Unido, entre vários outros países. A literatura sobre as implicações da atribuição do direito de voto a menores de 18 anos é rica em elementos para reflexão. Genericamente, há indícios de que os jovens de 16 e 17 anos têm maior propensão a votar do que os cidadãos de 18 anos, mas subsistem ainda dúvidas sobre se isso se transformará num hábito em eleições futuras. (2)

Em Portugal, este tema tem feito aparições discretas e ocasionais na discussão pública e parlamentar, designadamente por iniciativa do Bloco de Esquerda e do PAN. Actualmente, a redução da idade de voto para os 16 anos consta de propostas de revisão constitucional do PSD e do LIVRE, tendo o PS já manifestado a sua discordância em relação a esta possibilidade. São muitos os argumentos jurídicos, normativos e políticos que podem ser mobilizados tanto a favor como contra a redução da idade mínima do voto, mas no que resta deste texto abordamos o problema a partir de uma questão mais concreta: qual é a opinião da população portuguesa sobre esta matéria?

Os dados empíricos aqui apresentados foram recolhidos no âmbito do projecto “Mecanismos e impactos da abstenção eleitoral em Portugal”, que codirigimos e que é promovido pela Fundação Francisco Manuel dos Santos desde 2021. Neste projecto, que está ainda em curso e cujos resultados finais serão divulgados em 2024, combinamos dados de natureza qualitativa e quantitativa para compreender melhor o que leva a que os portugueses votem em diferentes tipos de eleição. Um dos instrumentos de que fazemos uso é um inquérito a uma amostra representativa da população portuguesa, composta por 2700 pessoas. O inquérito foi realizado entre Dezembro de 2021 e Janeiro de 2022 por via telefónica e online.

As pessoas que responderam a este inquérito foram confrontadas com, entre outras perguntas, o seguinte enunciado: “Neste momento, só pessoas com 18 ou mais anos é que podem votar em Portugal. Noutros países a idade mínima para votar é diferente. Na sua opinião, a partir de que idade é que se devia poder votar em Portugal?” Perante esta pergunta, 16% dos inquiridos não conseguiram ou não quiseram responder. Entre os 84% que efectivamente responderam, uma clara maioria (60%) disse ser a favor da manutenção da idade de voto. Dos restantes 24%, cerca de dois terços (16% do total de entrevistados) manifestaram acordo com a redução da idade de voto, sendo os 16 anos a opção mais popular por uma ampla margem. Contudo, 8% dos inquiridos manifestaram-se espontaneamente a favor da subida da idade de voto. Na prática, uma larga maioria dos portugueses encontra-se satisfeita com a actual idade mínima de voto, ainda que aproximadamente uma em cada seis pessoas seja favorável à sua redução, e uma em cada doze se manifeste a favor do seu aumento.

Os dados de que dispomos permitiram-nos ainda testar diferentes hipóteses no que toca ao apoio à redução da idade de voto. Uma pista que colocámos desde logo é que tenderiam a ser os inquiridos mais jovens a mostrar-se mais favoráveis à extensão do voto às pessoas com 16 e 17 anos. No entanto, tal não se verifica: as pessoas mais jovens não são mais propensas a manifestar uma preferência pela redução da idade de voto. Além disso, não detectámos quaisquer diferenças significativas entre os inquiridos que se posicionam à esquerda, à direita ou ao centro do espectro político, o mesmo sucedendo em relação ao género: não há sinal de diferenças significativas entre homens e mulheres. O nosso teste aos potenciais efeitos da classe social e do nível de instrução nas preferências quanto à idade de voto também não deu sinais de uma relação significativa. Isto aponta para que a defesa da manutenção do status quo seja transversal aos grupos sociais e políticos em Portugal. É interessante notar que da nossa análise exploratória resultou um só indício de uma relação (ténue) mas ainda assim positiva e significativa: os adultos portugueses que se consideram mais interessados na política parecem estar ligeiramente mais predispostos a alargar o direito de voto aos adolescentes de 16 e 17 anos. Assim, são os que acompanham com maior proximidade a política quem revela maior abertura à expansão do sufrágio.

Fechamos este artigo recordando que as análises que aqui reportámos são ainda preliminares e que os resultados definitivos do nosso projecto, a divulgar em 2024, nos permitirão avançar explicações mais completas sobre este e outros temas no que toca à relação entre os portugueses e as eleições.

(1) Os dados relativos à idade de voto em diferentes países foram recolhidos na base de dados do projecto Varieties of Democracy, disponível em www.v-dem.net - (2) A avaliação mais completa e actualizada destas implicações é oferecida pelo livro Lowering the Voting Age to 16: Learning from Real Experiences Worldwide, coordenado por Jan Eichhorn e Johannes Bergh e editado pela Palgrave em 2020 (Expresso, texto dos jornalistas JOÃO CANCELA e JOSÉ SANTANA PEREIRA)

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