sábado, novembro 19, 2022

Dionísio Pestana Presidente do Grupo Pestana: "Tenho um medo imenso do lóbi dos empreiteiros”

 

A pandemia mudou tudo, e o turismo foi um dos sectores que mais sofreu. O Grupo Pestana investia €50 a €60 milhões e parou tudo. Neste momento, Dionísio Pestana está a rever a estratégia e, com a inflação em máximos de três décadas, vai concentrar-se “na receita e em controlar as despesas”. Tem medo do lóbi da construção, que, diz, destruiu o Algarve, e quer passar aos filhos um grupo sem problemas.

Como é que olha para os próximos anos do turismo em Portugal?

Olho para um futuro com potencial muito grande. Mas ainda há muita coisa para fazer. Para diversificar um pouco. É uma coisa que está muito concentrada.

Em termos geográficos?

Geográficos. No tempo de Cavaco Silva não havia ordenamento e fizeram barbaridades. O Algarve foi o primeiro. Tenho um medo imenso do lóbi dos empreiteiros. E faziam aquilo do dia para a noite. Foi o negócio imobiliário, aquelas 200 mil camas paralelas no Algarve, que matou o destino. Agora, se eu não posso construir um hotel perto da praia, o que é que vou vender no Algarve? Tenho de arranjar alternativas. Há muita maneira hoje de fazer turismo.

A pandemia mostrou como Portugal continua a ter uma localização absolutamente inacreditável dentro da União Europeia.

Tem, tem. O potencial está lá. Mas não vamos deixar fazer mais Portimão, as Albufeiras, isso é que já não. O turista também já não procura isso, mais depressa vai às vilas piscatórias.

Como é que escolhe os destinos fora de Portugal para investir?

Nesta altura são capitais europeias. Passámos por várias fases. Quando começámos foi Maputo, porque havia ligações históricas. Foi bom porque foi o mais difícil. Aprendemos a fazer a internacionalização, que não é fácil.

São pessoas diferentes, o mercado é diferente, os clientes são diferentes.

Tudo. Tivemos de levar todos os departamentos daqui. Aliás, foi como começou na Madeira. Depois, a seguir, fomos para o Brasil. Quando vimos este hotel que é o nosso no Rio de Janeiro era mais caro por quarto do que um hotel em Londres. Mas passaram seis ou oito meses, há crise no Brasil e tiveram de desvalorizar a moeda para metade. Voltámos e o hotel valia metade. Queríamos ir para o Brasil, que era um mercado forte e bom, em crescimento. Mas também não vamos a qualquer preço. Depois, a seguir, fomos então para capitais da Europa.

Quando isto era pequeno, era um one man show. Agora já não dá

E há algum sítio onde não está e gostava de estar?

Neste momento, a minha área geo­gráfica ficou por aqui. Fomos aos EUA, América do Sul, África e Europa. Focámos no Atlântico. A seguir, com tempo, obviamente, Ásia é sempre uma opção. O potencial parece grande. Mas isso já não é para a minha geração.

Qual é a sua ambição para o Grupo Pestana? Onde é que gostava de o ver daqui a alguns anos?

Para já, gostava de o ver na mão da família. Sou filho único e vou fazer tudo para o grupo não ter nenhum problema.

Estabilidade financeira existe, mas às vezes não é tudo.

É verdade. Mas é bom ter isso como base.

Senão não se pode fazer nada...

Quando isto era pequeno, era um one man show e íamos fazendo e crescendo. Agora já não dá para ser one man show a este nível, e esta responsabilidade é muito grande com 6000 colaboradores e com estes ativos todos. Por isso, profissionalizei a gestão. Fiz isso há quatro, cinco anos. Convidei o Teotónio para ser CEO. Sou informado, uma vez por mês, faço parte da tal Comissão Executiva.

Como é que o grupo sai destes dois anos de pandemia?

Abrandou. Investíamos €50 ou €60 milhões por ano. Durante dois anos deixei de investir e consolidei o que vinha de trás. Fechámos as torneiras todas.

E agora vai retomar a trajetória que tinha ou repensou os planos todos?

Não. Vou repensar os planos todos. Para já, com esta inflação, vou é concentrar-me na receita e em controlar as despesas. Essa fórmula eu conheço, porque já passei por ela. E vou pôr todo o crescimento on hold.

Acha que o menosprezavam ao longo da vida?

Ao longo da vida não. Mas há alturas que acham que somos...

Por ser madeirense? Por ter vindo da África do Sul?

No princípio, talvez. Não. Ultimamente não. Mas acham que somos um grupo ainda muito conservador. Acham que devíamos tratar de hotelaria só de qualidade. Outros acham que um hoteleiro não devia estar no mundo do time sharing.

Não falo dos seus colegas hoteleiros. Esses de certeza que...

São meus amigos e aliados.

Estou a falar de pessoas de outros sectores de atividade.

Não, não. Tenho até o contrário. Muitas pessoas, que não conheço pessoalmente, vêm dar-me os parabéns e agradecem a obra, o emprego e a imagem que o Pestana deu da Madeira ao mundo. Mas nunca senti isso, no princípio sim. No princípio. Em Lisboa senti isso, nos anos 80.

Vou repensar os planos todos. E vou pôr todo o crescimento on hold

Mas não acha que isso é também uma forma, como eu dizia há pouco, de não lhe darem crédito, de desconfiarem do Grupo Pestana?

Não, acho que não.

É a natureza portuguesa?

De inveja, da pequena inveja, isso sim. O português se tem um carro novo e...

Não gosta de mostrar o que tem?

Não, não.

O que é que a pandemia mudou? Vamos voltar ao que era?

Mudou. Já sinto que as pessoas mudaram. Na área digital do nosso grupo foi difícil. Nos primeiros seis meses perdemos todos, por causa do resto das empresas da concorrência, não hoteleira. O turismo estava na moda e era sexy. De repente, paramos, eles levam um corte de um terço do salário e tinham outros sítios para onde po­diam ir e ganhavam ainda mais.

Foram-se embora...

Foram-se embora. Vão voltar um dia? Vão, mas já não vai ser com aquele entusiasmo. Já não é a mesma coisa. Essa cultura mudou.

Do lado da procura, ou seja, as pessoas mudaram a maneira de fazer turismo? Nos hotéis em particular.

A prova está este ano. Os hotéis Algarve, Madeira e Porto Santo supercheios. Os hotéis de cidade ainda não recuperaram, ainda vão com um atraso de 20%/30%.

As pessoas estão com receio de voltar às cidades?

Preferem ir a um resort.

Como é que tem lidado com a falta de mão de obra?

Umas das consequências da covid-19 foi que algum pessoal encontrou outros empregos onde não tiveram cortes de salários com mais garantias de continuar. Também não sabíamos bem o que ia ser este ano. Janeiro, fevereiro e março foram meses em que não houve muito turismo. Só começa com o verão.

Foi de repente.

E faltavam 1000 pessoas. Foi difícil. Por exemplo, no Porto Santo houve aberturas onde correu mal. Tivemos reclamações, porque não havia pes­soal. Quando chegou o pico do verão, os lugares estavam preenchidos.

Não acha que se paga mal no turismo em Portugal?

Paga-se mal... Sempre tentei falar com o Governo. Há aqui uma coisa que está muito mal explicada. As empresas pagam 23,75% à Segurança Social sobre os salários, 14 meses. Esse valor devia ser parte do salário. Esse dinheiro é do trabalhador, e depois na folha de salário é que deviam fazer os descontos. Para ele saber.

Admite que os salários são baixos?

Ele recebe pouco, isso talvez.

Como é que se quebra o problema?

Temos vários contratos coletivos no país e pagamos normalmente €50 acima do que está estabelecido. E, além disso, temos uma coisa chamada remuneração mínima. Somamos isso, mais o subsídio de alimentação, mais o seguro de saúde, para chegar pelo menos aos mil, para se aproximar dos €1000. E depois temos os variáveis, que é um bónus. Este ano é um salário e meio. Mas reconheço o problema do ponto de vista de macro.

O problema é que se calhar também o turismo em Portugal continua com preços muito baixos.

Temos o problema da lei do trabalho e este formalismo todo do sindicalismo que vem do passado. Onde para mudar o horário é preciso um acordo, se o trabalhador não quer não se pode fazer e não o posso substituir.

Falta margem para gerir?

Porque temos sindicatos de esquerda a marcar posição. Tem sido difícil, ainda assim corrigimos um pouco com a troika, quando veio com a lei do trabalho. São custos invisíveis. Tem de haver mais flexibilidade para fugir ao problema da contratação fixa (Expresso, textos dos jornalistas JOÃO SILVESTRE e JOÃO VIEIRA PEREIRA e foto de TIAGO MIRANDA. O Expresso viajou a convite do Grupo Pestana)

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