terça-feira, novembro 29, 2022

Portugal: Bruxelas volta a atacar "pressões persistentes" na despesa com função pública e pensões

"Portugal é um caso borderline" porque a proposta do OE2023 pode descarrilar caso seja necessário prolongar no ano que vem medidas de apoio contra a crise energética e inflacionista, diz a Comissão Europeia. Foi uma crítica repetida várias vezes e durante muitos anos, tendo baixado de tom nestes primeiros dois anos da pandemia covid, mas agora voltou em força. A Comissão Europeia (CE) volta a por na mira a despesa com salários da função pública e com pensões. Diz que são o canal principal que alimenta de forma "persistente" o crescimento da despesa pública corrente, já sem contar com os juros. A crítica surge no novo ciclo de avaliação orçamental e macroeconómica da CE aos vários países, o chamado Semestre Europeu (ciclo referente a 2023), ontem divulgado.

Na avaliação (e opinião) sobre o plano orçamental português -- que, basicamente, é o resumo especial que o governo faz da sua proposta de Orçamento do Estado (OE2023) e que envia para a CE no mesmo dia em que entrega a dita proposta no Parlamento -- Bruxelas recupera muitas críticas antigas às opções de política pública em Portugal. Os principais alvos parecem voltar a ser os funcionários públicos e os pensionistas: salários e pensões, que são das maiores rubricas da despesa e cujo crescimento preocupa a Comissão.

Na opinião sobre o plano de OE2023, a CE diz que o Orçamento português deve ser "neutro", ou seja, não deve ser expansionista, nem restritivo em 2023, considera que, no geral, a maior parte do pacote de ajudas anunciado este ano para debelar o impacto da crise energética nas famílias e empresas não parece ter sido especialmente direcionada para os mais frágeis.

E diz que, mesmo que estes apoios venham desaparecer em 2023 (cenário em relação ao qual Bruxelas tem mesmo muitas dúvidas), as contas públicas portuguesas continuam a ser pressionadas pelos ordenados públicos e as reformas.

"A contribuição neutra da despesa corrente primária financiada a nível nacional [pelas receitas do OE, não por fundos europeus] deve-se à suposta eliminação gradual do apoio temporário e direcionado às famílias e empresas mais vulneráveis ao aumento dos preços da energia", começa por referir o estudo assinado pelo comissário europeu da Economia, o italiano Paolo Gentiloni.

Sobre isto, a CE diz duas coisas. Refere que "a maioria das medidas foi anunciada como temporária e termina no final de 2023".

No entanto, na opinião do executivo comunitário, "a maioria das medidas não parece visar famílias ou empresas vulneráveis", ainda que "a maioria delas contenha um sinal de preço no sentido de reduzir a procura de energia e aumentar a eficiência energética".

Menos temporária é a pressão que existe em outras rubricas. Como referido, Bruxelas considera que "os principais motores do crescimento da despesa corrente primária financiada a nível nacional (líquida de novas medidas de receita) são as pressões persistentes sobre a despesa corrente pública, entre elas as pressões existentes nos salários públicos e pensões".

Pelas contas da Comissão, "as medidas de aumento da despesa no plano orçamental português incluem nomeadamente um aumento geral das pensões (equivalente a 0,5% do PIB ou produto interno bruto), bem como medidas relacionadas com o emprego público (0,6% do PIB), nomeadamente um aumento generalizado dos salários públicos, bem como do salário mínimo, que aumentam as pressões pré pandémicas sobre a despesa pública corrente". As duas juntas valem, portanto, cerca de 1,1% do PIB.

A par disso, "a eliminação gradual prevista das medidas de despesa introduzidas em resposta aos aumentos excecionais dos preços da energia equivale a um impacto que reduz o défice em cerca de 1,2% do PIB", refere a CE.

Portugal, "um caso borderline"

Na conferência de imprensa de apresentação das conclusões deste novo ciclo do Semestre Europeu, Gentiloni foi ainda mais enfático nas críticas ao OE2023 do governo e do ministro das Finanças, Fernando Medina.

Sinalizou bem que não acredita que o pacote anticrise possa ser quase totalmente revertido em 2023, como prevê o governo. O que dá mais peso ainda às preocupações da CE relativas às "pressões persistentes" nos salários públicos e nas pensões.

"Portugal, na nossa opinião, é um caso borderline [está em cima do limite que separa o bom do mau]" porque a proposta do OE2023 pode descarrilar de forma significativa caso seja necessário prolongar no ano que vem as medidas de apoio contra os efeitos da crise energética e inflacionista, avisou o comissário europeu. O alto responsável disse que o OE português "está perto do que pedimos, mas estamos preocupados com a sua evolução pois os preços da energia podem tirar Portugal do rumo que esperamos".

"As medidas do governo português relativas à energia expiram no final deste ano, mas se estas medidas tiverem de ser prolongadas em 2023, estamos perante um fardo adicional equivalente a 2% do produto interno bruto (PIB) no OE de 2023", alertou Gentiloni.

"A Portugal pedimos cautela, mais do que uma correção", mas o país está "entre os 10 ou 11 países onde dizemos que os planos orçamentais não estão em linha com as nossas recomendações", referiu o comissário.

Entre os mais endividados, Portugal é o que preocupa

A Comissão Europeia, nos documentos e estudos que distribuiu esta terça, vai mais longe até. Diz que Portugal é o único país do grupo dos que têm "dívida elevada" que mostra estar num caminho em que pode violar as recomendações orçamentais de prudência e, com isso, não garantir a trajetória de redução esperada para a dívida e o défice público (Diário de Notícias-Lisboa, texto de Luís Reis Ribeiro, jornalista do Dinheiro Vivo)

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