terça-feira, novembro 29, 2022

Lagarde: BCE está a fazer a sua parte, mas os governos não devem aumentar as pressões inflacionistas

 

A presidente do Banco Central Europeu reafirmou na audição na Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu que o BCE vai prosseguir a subida de juros para combater a inflação. Mas insistiu que os governos devem fazer a sua parte: controlar os gastos e reduzir a dívida. “O Banco Central Europeu (BCE) está a fazer a sua parte” ao colocar em prática “um processo rápido e abrangente de normalização da política monetária”, disse Christine Lagarde esta segunda-feira na audição na Comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu.

A presidente do BCE, realizando um balanço dos últimos 12 meses junto dos deputados europeus, sublinhou os dois grandes objetivos prosseguidos este ano: descontinuação dos programas de aquisição de dívida pública e privada e início do ciclo de subida dos juros “no ritmo mais acelerado de sempre”. Mas advertiu os deputados de que para combater a inflação é preciso que os “outros” façam a sua parte. Nomeadamente os governos dos países do euro e a Comissão Europeia. Apesar de o BCE ser muito cioso da sua independência na definição da sua política monetária, Lagarde, e, na semana passada, Isabel Schnabel, da comissão executiva do banco central, não se coíbem de dar recomendações de política orçamental de um modo muito assertivo.

No Parlamento Europeu, a presidente do BCE disse que “a política orçamental [da responsabilidade dos governos eleitos] não deve aumentar as pressões inflacionistas”. A francesa fala mesmo de uma política orçamental dos três “T” em inglês - direcionada (targeted), feita à medida (tailored) e temporária (temporary) - complementada pela demonstração do empenho “em gradualmente descer os elevados rácios da dívida”. Recomenda, também, à Comissão Europeia que garanta um quadro de “sustentabilidade orçamental” na reforma em curso a entrar em vigor logo que acabe em 2024 a suspensão desde 2020 das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

BALANÇO DE 2022 E MISSÃO PARA 2023

No final de mais um ano de liderança de Christine Lagarde à frente do BCE, a política monetária saldou-se por uma viragem decisiva: a descontinuação das compras líquidas dos programas de aquisição de títulos no mercado e o início do ciclo de subida dos juros, nomeadamente da taxa diretora principal (de financiamento), que esteve em 0% durante mais seis de anos, e da taxa de remuneração dos depósitos dos bancos, que esteve em terreno negativo ao longo de oito anos. Os efeitos são já visíveis, ainda que falte uma última reunião do ano, a 14 e 15 de dezembro.

A política “acomodativa” (de expansão do balanço e de apoio à economia e às finanças públicas) está em fase acelerada de descontinuação. As taxas de juro do BCE ainda são inferiores ao nível médio de inflação, pelo que ainda estão em terreno negativo em termos reais, e a redução dos ativos ainda é pequena. A política monetária, apesar do aperto muito doloroso para os devedores, ainda não está em terreno “restritivo” (na linguagem oficial). Isabel Schnabel, membro da Comissão Executiva do BCE, frisou, na semana passada, numa conferência em Londres, que “a política monetária [do BCE] continua muito acomodativa”. E Christine Lagarde repetiu na audição perante os deputados europeus esta segunda-feira: “Ainda estamos em território acomodativo. Se pensarmos em termos de juros reais ainda estamos a dar apoio à procura”.

A missão da equipa de Lagarde para 2023 é tripla: aumentar as taxas diretoras até eventualmente atingirem um nível restritivo (em termos reais); reduzir substancialmente a carteira de títulos, através da revisão da política de reinvestimentos do valor dos títulos quando são amortizados; e impulsionar o reembolso por parte dos bancos comerciais dos empréstimos que contraíram ao abrigo da série III das linhas de financiamento TLTRO (Targeted longer-term refinancing operations, operações de refinanciamento de prazo alargado direcionadas).

Como referiu Schnabel, em Londres, “temos de subir as taxas até território restritivo”, e tanto mais quanto os governos na sua política orçamental forem menos austeros. Mesmo que isso provoque uma “recessão suave”. No entanto, Lagarde, na audição perante o Parlamento Europeu esta segunda-feira, não confirmou o ponto de vista da alemã. “Talvez precisemos de chegar a território restritivo. Mas isso depende dos dados”, respondeu a presidente do BCE, recordando que atualmente o conselho do banco central não antecipa as decisões, tomando-as reunião-a-reunião. Só no caso de a zona euro sofrer uma “recessão prolongada e profunda”, o BCE está disposto a “poder querer fazer uma pausa”, lê-se nas atas da reunião de novembro publicadas na semana passada.

SUBIDA DOS JUROS DESDE JULHO FAZ DISPARAR EURIBOR

A decisão do BCE, a 27 de julho, de aumentar a taxa diretora principal (de financiamento dos bancos) para 0,5% levou a taxa Euribor a 3 meses a sair de terreno negativo em agosto. Depois, em quatro meses, a taxa Euribor, naquele prazo, multiplicou por 7, de 0,246% no início de agosto para 1,737% no início de novembro. No final da semana passada já estava em 1,922%.

Euribor é a designação em inglês para Euro Interbank Offered Rate. Estas taxas baseiam-se na média das taxas de juros praticadas em empréstimos interbancários em euros por um grande número de bancos europeus. São consideradas como taxas de base para todo o tipo de produtos de taxas de juros, como por exemplo, swap de taxas de juros, futuros de taxas de juros, contas de poupança e empréstimos hipotecários. Atualmente há 5 taxas diferentes da Euribor (1 semana, 1 mês, 3 meses, 6 meses e 12 meses). Estas taxas - sobretudo a três, seis e doze meses - servem de indexante para os empréstimos com taxa de juro variável. O impacto nos juros dos empréstimos hipotecários é o efeito mais brutal do aperto da política monetária nas famílias.

ATIVOS DO BCE ESTÃO A DESCER DESDE JULHO

O valor dos ativos do BCE - que abrangem, por exemplo, o ouro, a participação no Fundo Monetário Internacional, os empréstimos aos bancos comerciais e a carteira de títulos de dívida pública e privada adquiridos no mercado - caiu de um pico de 8836 mil milhões de euros no final de junho para 8769 mil milhões a 18 de novembro, segundo os últimos dados semanais fornecidos pelo BCE. Uma redução de 67 mil milhões de euros.

Um grupo de ativos que se reduziu foi a carteira de títulos de dívida pública e privada comprados ao abrigo dos programas decididos para intervenção da política monetária na economia, sobretudo desde 2014. Essa carteira emagreceu de 4964 mil milhões de euros em final de junho para 4950 mil milhões a 18 de novembro.

É ainda um ajustamento em baixa pequeno (de 14 mil milhões de euros), depois da descontinuação das compras líquidas ao abrigo dos programas PEPP (lançado contra os efeitos da pandemia em março de 2020) e do mais antigo, designado pelo acrónimo APP, e lançado em 2014 e 2015 por Mario Draghi, o antecessor de Lagarde. Draghi envolveu as aquisições de dívida pública no mercado secundário através do programa conhecido pelo acrónimo PSPP, que permitiu uma queda brutal do custo de emissão de nova dívida (no caso de Portugal, de 3,6% em 2014 para 0,5% em 2020). O BCE deverá na reunião de dezembro definir os “princípios” para uma redução mais substancial dos ativos em 2023.

TAXA DE REMUNERAÇÃO POSITIVA PROVOCA TRANSFERÊNCIA MASSIVA

A subida para terreno positivo da taxa de remuneração dos depósitos dos bancos comerciais no Eurosistema levou a uma alteração radical neste grupo do passivo do BCE. A partir do momento em que a taxa foi aumentada para 0,75% a 14 de setembro e depois para 1,5% no princípio de novembro, os depósitos dos bancos no BCE transferiram-se massivamente para a ‘facilidade permanente de depósito’, uma conta de depósitos que é remunerada por aquela taxa. De 649 mil milhões no final de agosto saltaram para 4,6 biliões de euros a 18 de novembro. A taxa de remuneração desta conta de depósitos foi negativa entre 11 de junho de 2014 e 26 de julho de 2022, tendo subido para 0% no dia seguinte. A facilidade permanente de depósito é distinta da conta de depósitos à ordem, incluindo as reservas obrigatórias dos bancos. A transferência massiva deu-se das contas à ordem para a facilidade permanente (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues)

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