segunda-feira, dezembro 07, 2020

Nota: critérios televisivos e os queixumes que nada resolvem


 

Irrita-me profundamente um certo conceito de "jornalismo" subjacente às opções na algumas das nossas televisões que, à falta de melhores ideias e outros temas, repetidamente massacram as pessoas com reportagens pessimistas e de apologia da desolação, feitas junto de comerciantes, de norte a sul do país, e quer parecem destinadas a dar voz, numa insistência repetitivamente maçadora, a queixumes sobre falta de clientes, falta de facturação, dificuldades empresariais, etc. Mas haverá um português que não tenha a consciência do que se passa e que não perceba que até haver a garantia de segurança sanitária plena, nada voltará a ser como antes, doa a quem doer, gostem ou não o ouvir?

Falo de reportagens televisivas que escolhem pequenas estruturas empresariais - que na sua esmagadora maioria eram dependentes do turismo e dos turistas e beneficiaram do crescimento selvagem que o sector turístico permitiu, graças à tolerância de entidades que pensavam mais nas receitas a auferir do que, à cautela, na diversificação das frágeis economias dessas pequenas regiões, cidades ou localidades - que realmente são vítimas dos efeitos económicos da pandemia com outras que, já antes da pandemia, estavam a caminho da falência ou viviam em disfarçada agonia.

Há dias foram reportagens em Valença do Minho e Vila Real de Santo António, ambas as localidades junto à fronteira com a Espanha, reportagens essas emitidas poucos dias depois de terem sido conhecidas medidas restritivas da mobilidade dos espanhóis.

Um absurdo estas prioridades jornalísticas de televisões, sobretudo as privadas, mais preocupadas com a sua própria sobrevivência, como todos sabemos. Não há quem escape a esta conjuntura!


Mas quem é que não sabe o que se passa, quem é que ignora essa realidade de uma crise generalizada na atividade comercial, o que é que essas reportagens idiotas trazem de novo às pessoas? E falam de uns, mas esquecem outros. Que dizer dos taxistas, dos trabalhadores de lojas em movimento de clientes localizadas em grandes superfícies, muitos deles já despedidos, que dizer de empresas como a TAP que já despediu 1000 e vai pedir mais 2000 até Março, de agências de viagens que não vendem, de hotéis sem turistas, dos consultórios médicos sem doentes, dos trabalhadores dos seguros, do caos na esmagadora maioria das empresas de comunicação social, das empresas de compra e venda de casas sem movimento, dos vendedores de automóveis que não vendem nada, etc. etc. Não, a crise não se resume a restaurantes, bares, cafés, discotecas ou ao chamado pequeno comércio. As pessoas sabem o que se passa, conhecem a verdade.

Ouvindo essas reportagens, fica a dúvida: os penalizados pela crise não sabem o que se passa, não conhecem os riscos existentes, será que acham que o governo devia obrigar as pessoas a andarem nas ruas, a frequentarem restaurantes, lojas ou grandes superfícies, e a consumirem? Mas se as pessoas estão receosas, se muitas perderam os empregos ou os seus rendimentos com esta pandemia, se elas no tempo das vacas gordas, nem tinham acesso a muitos desses negócios que agora se queixam da falta de clientes (turistas), se as pessoas acham que não se sentem seguras - mesmo que restaurantes e lojas comerciais garantam essa segurança, e acredito que sim - como é que se dá a volta a isto?

Com reportagens televisivas da treta, de apologia da desolação, da frustração, da crise e que espremidas não contribuem em nada para resolver seja o que for? Ou isto ultrapassa-se com medidas concretas de apoio, devidamente negociadas, incluindo até uma espécie de "plano Marshall" (já falei disso, ressalvando obviamente as diferenças) para garantir os empregos até que tudo se vá normalizando? Ou resolve-se com a criação provisória de uma espécie de conta-corrente, com validade temporal definida, entre empresas e o governo, com ou sem a banca envolvida (a par dos milionários fundos europeus excepcionais que temo sejam desviados para outras finalidades), destinadas a garantirem os empregos, o pagamento dos encargos fiscais e com a segurança social e despesas de funcionamento das empresas (dada a facturação reduzida ou a roçar a nulidade) e a continuidade dos negócios. Contas-correntes essas que seriam, depois, ajustadas por via do encontro de verbas, quando a economia retomar a normalidade e com ela vieram clientes e a facturação. Nada disso é discutido nem ponderado.


O que as televisões deviam mostrar, sem censura, era a realidade empresarial, no comércio e no turismo e serviços, existente antes da pandemia, sublinhando o facto de que o chamado comércio tradicional estar a morrer, muito antes da pandemia, em muitas cidades portuguesas, dando lugar ao desenfreado aparecimento de restaurantes, tascas, tasquinhas, espécie de "restaurantes" sem qualidade e sem dimensão, lojecas de souvenirs "made in China", etc, muitos desses espaços sem qualidade nenhuma, assentes na precariedade laboral e na exploração de mão-de-obra. Nunca mais, espero eu, teremos cafés e restaurantes a abrirem quase uns ao lado dos outros, como se a imaginação e o conceito de inovação e diferenciação empresarial dos peque nos investidores portugueses, não fosse capaz de ultrapassar essas áreas de actividade, e trazer a diferença associada à qualidade e mudança de conceitos. O que as televisões deviam alertar - e preparar as pessoas para essa realidade - é a quase certeza de que depois da pandemia, nada ficará como antes e que a progressiva normalização será também um rigoroso e exigente processo exigente de selectividade mais apurada, deixando pelo caminho a futilidade e a falta de qualidade. Negócios sem dimensão, sem categoria, sem garantias de seriedade e de segurança, sanitária, dificilmente podem traçar planos para de retoma. Desconfio que não exista mais espaço para eles salvo se os municípios continuarem a pensar mais nas receitas das taxas a cobrar do que no resto. Mesmo depois das vacinas os cuidados continuarão por muito mais tempo e o medo instalado hoje nas pessoas, não se resolverá de um dia para outro.

E se não temos turistas - reafirmo que acho que os restaurantes e outros negócios similares, que no tempo das vacas gordas trabalhavam só para turistas, a começar pelos preços praticados, e que deliberadamente fechavam portas aos residentes, agora que chorem sozinhos -  se não temos aviões com mais de 25% da sua lotação, se temos hotéis com menos de 40% de ocupação, como é que se pode sequer imaginar que os governos podem obrigar os turistas a viajar, e como podem eles prescindir da exigência de cumprimento rigoroso de medidas de segurança sanitária. Só para que os negócios pretensamente tenham clientes e depois o sistema de saúde entre em rupturas e sofra as consequências desse desleixo e dessa irracionalidade (veiculada por alguns pelas televisões), desde logo com mais encargos que farão falta noutras áreas, incluindo no apoio às empresas? E já agora - mas isso seria pedir demais... - as televisões deviam mostrar a realidade de muitos negócios antes da pandemia, alguns até identificamos, que já estavam em derrapagem e a caminho da insolvência, devido a falta de clientes e de qualidade. Qual seria afinal a dimensão escondida da fantasia e do embuste existente antes da pandemia em muitas dessas actividades?


Uma nota final
. Recentemente assistimos à cobertura de uma greve de fome de uns indivíduos (confesso que nunca percebi do que eram proprietários) entre os quais - não todos - estavam uns vaidosos que gastaram os lucros acumulados durante anos em sinais exteriores de falsa  riqueza, esbanjando milhões em carros de luxo, aviões, casões, e que agora ameaçam despedir trabalhadores. Falo de uns tipos que se queixam de tudo e de todos, pondo em causa até as suas associações representativas - que nunca foram questionadas no tempo das vacas gordas... - ou a tratarem mal e de uma forma ofensiva alguns políticos "queridos", como se fossem estes os culpados da pandemia, da crise e dos efeitos  causados nas pequenas empresas pelas patifarias que muitos dos empresários do sector andaram a cometer durante anos, enchendo a pança com lucros fáceis (à custa dos turistas que deixaram de vir) ao mesmo tempo que  exploravam os trabalhadores ao seu serviço, tratando-os mal e humilhando-os com salários miseráveis e outras patifarias. Esses gajos da minha parte não contam com solidariedade coisa nenhuma. Os mesmos que numa manifestação recente no Rossio usaram ou permitiram um palavreado vergonhoso por um dos oradores "comicieiros" numa praça de Lisboa que certamente teria crianças a circularem com os pais enquanto não chegava a hora do recolhimento. Obviamente, e ressalvo isso uma vez mais, sem generalizar, porque a esmagadora maioria não faz o que uma certa corja faz, não vivem em função de pretensos estatutos sociais que servem para enganar as pessoas em geral, não sonham com a idiotice de parecerem que são ricos, respeitam os seus funcionários e lutam por eles e pelas empresas em primeiro lugar. E não por si, pelas suas manias e pelos seus caprichos. Esses sim devem ser imediatamente apoiados e protegidos. O problema é que os piores são os que ganham espaço mediático. Vá lá saber-se por que razão... (LFM)

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