Os boletins diários sobre a pandemia, as manchetes dos média, a
desinformação na internet propagada por incontáveis tribos de profetas pela
verdade, as diretrizes das autoridades e, em cima de tudo, a doença, o
desemprego e a falta do contacto social têm construído, desde o início da
pandemia, um contexto de medo a que é difícil escapar.
Os resultados do nosso inquérito à mobilidade em tempos de pandemia não
oferecem, por isso, grande surpresa. E são transversais aos países em que foi
conduzido, sob os auspícios da Organização Europeia de Consumidores e do
International Consumer Research and Testing: Alemanha, Áustria, Bélgica,
Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Holanda, Itália, Lituânia, República Checa e
Portugal. Os 11 273 inquiridos, dos quais 1014 portugueses, têm uma forte
perceção de risco de infeção nos transportes públicos, seja em viagens de
pequena ou de longa distância. Ainda assim, portugueses e italianos são os mais
receosos: 80% temem usá-los. O inquérito foi enviado em finais de outubro e
abrangeu a população dos 18 aos 74 anos. As respostas recolhidas refletem as
opiniões e as experiências dos inquiridos.
Teletrabalho pode não ter grande futuro
A pandemia trouxe notórias alterações ao modo de funcionamento da sociedade. Para evitar aglomerações, sobretudo nos transportes públicos, o teletrabalho impôs-se sem pedir licença. Antes do advento da covid-19, cerca de três em quatro empresas ou empregadores não permitiam prestação dos deveres profissionais à distância. Com o confinamento, apenas uma em quatro não considerou tal possibilidade. Mas, se, antes de o coronavírus nos ter sitiado em casa, as entidades patronais dos inquiridos portugueses pareciam menos adeptas do teletrabalho do que as dos outros dez países do estudo, na quarentena, tiveram das adesões mais elevadas.
Quando a Europa começou a ensaiar um desconfinamento, o teletrabalho
sofreu uma quebra discreta, que se intensificou em outubro, altura em que
recolhemos os dados do inquérito. Tudo sugere, porém, que, no pós-pandemia,
este formato não venha a ser o Santo Graal que muitos vaticinavam. Segundo os
inquiridos portugueses, as suas empresas estão dispostas a continuar com o
teletrabalho, mas o incremento é algo modesto, nem chegando a 10 por cento. E,
quando desagregamos os resultados por nível educacional, indicador de um emprego
mais ou menos qualificado, vemos que as perspetivas de a empresa permitir o
teletrabalho quando a pandemia se extinguir são exatamente iguais: 38% dizem
que o cenário será possível.
Alguns portugueses gostariam de mudar de região
Aos que têm a possibilidade de teletrabalho no longo prazo, abrem-se
janelas de oportunidade no que se refere à organização das suas vidas. Uma
percentagem apreciável gostaria de mudar de ares e habitar noutra zona do País,
fosse a título permanente (13%), fosse de forma temporária ou alternada (26 por
cento). São sobretudo os que vivem na região de Lisboa e Vale do Tejo a
contemplar este plano, que pode aliviar a pressão sobre os grandes centros
urbanos, tanto em termos de transportes, quanto no plano da habitação. E, ao
analisarmos por idades, os mais novos, na faixa dos 18 aos 34 anos, e os mais
seniores, dos 50 aos 74 anos, são os mais suscetíveis à ideia. Mas casos há –
22% dos inquiridos – em que a natureza do trabalho que desempenham não lhes
permite pensar em cenários idílicos.
Medo do coronavírus condiciona mobilidade
Não podemos viver com o outro, nem sem o outro. Parece ser este o lema
dos nossos dias. Se temos saudades dos contactos presenciais, também os
tememos, e muito. O medo da infeção passou a condicionar o tipo de meios de
transporte usados por 66% dos inquiridos, assim como a periodicidade das
deslocações de 82% e os lugares frequentados por 87 por cento.
Todas as formas de mobilidade diminuíram em uso, exceto os transportes
próprios, como mota, bicicleta, trotinete e carro. Nota-se uma quebra de 10%
nas caminhadas, entre outubro e o período anterior à pandemia. A desaceleração
no uso dos transportes públicos por quem o fazia com frequência semanal é
idêntica, na ordem dos 11%, e faz-se sentir sobretudo entre os jovens da região
de Lisboa e Vale do Tejo até aos 35 anos. São especialmente os que reportam um
nível de estudos médio ou elevado e que vivem em zonas suburbanas ou rurais
quem demonstra um temor mais acentuado. Em contrapartida, 19% dos inquiridos
que usavam os transportes públicos semanalmente antes da pandemia afirmam que
intensificaram o recurso ao carro próprio. A seguir esta opção, destacam-se os
jovens até aos 30 anos e com nível educacional mais elevado
Inquiridos receiam frequentar espaço público
Se os transportes públicos correspondem a um contexto central quanto à
perceção de risco – e não falamos de perigo efetivo, que não medimos, mas
daquilo que os cidadãos sentem -, outros espaços são associados a uma elevada
probabilidade de infeção. Eventos em recintos fechados são receados por 79% dos
participantes no estudo, enquanto bares e ginásios inspiram temor a 73 por
cento. Já eventos ao ar livre, restaurantes, centros comerciais e hostels e
guest houses são receados por cerca de metade. Nem mesmo os jardins públicos,
onde seria possível respirar fundo face às preocupações com a covid-19, escapam
aos receios de quatro em dez inquiridos.
E depois da pandemia? O inquérito sugere que os receios podem levar
tempo a esvair-se. Uma parte dos inquiridos revela que irá deixar de usar
transportes públicos, frequentar restaurantes ou fazer viagens turísticas, em
Portugal ou no estrangeiro.
Restaurar a confiança nos transportes públicos no pós-pandemia
Os transportes são dos setores que mais contribuem para a poluição do
ar. A pandemia trouxe um recurso acrescido ao carro, decisão compreensível, mas
que, além de agravar este quadro, implica mais tempo e complicações para chegar
ao destino, e são os próprios inquiridos a reconhecê-lo. Depois do advento do
coronavírus, há que restaurar a confiança nos transportes públicos e nas formas
de mobilidade mais “limpas”.
Reduzir as emissões de poluentes
Uma significativa proporção de inquiridos diz que nunca usou, nem vai
usar quando a pandemia terminar, transportes públicos: são ao todo 29 por
cento. Se a estes juntarmos os 4% que afirmam que nunca mais o irão fazer e os
13% que assumem que irão reduzir a frequência, depressa concluímos que 46%, quase
metade, demonstram desinteresse por esta forma de mobilidade, crucial para a
gestão dos grandes centros urbanos. Mas não só. Utilizar os transportes
públicos, e não o carro, reduz as emissões de dióxido de carbono para metade.
Carro com conta peso e medida
O automóvel próprio está a ter um uso aumentado, mas este não é o
cenário ideal no pós-pandemia. Se puder substituí-lo pelos transportes públicos
nas viagens longas, por exemplo, pelo comboio ou pelo autocarro, faça-o. Não
sendo possível prescindir do carro, pondere, se for viável, planear a
deslocação com companheiros de viagem. Atualmente, a partilha de carro é
encarada com desconfiança, mas o futuro poderá, e deverá, ser diferente.
Alternativas ao automóvel na cidade
Em percursos curtos, justifica-se ainda menos o uso do sacrossanto
automóvel. Estes veículos poluem mais quando o motor está frio. Logo, evite
usá-los para percorrer poucos quilómetros. Se não quiser usufruir da rede de
transportes públicos, caminhar é a primeira opção. Mas há outras, e saudáveis,
como a bicicleta ou até a trotinete. O nosso site Mais Mobilidade diz-lhe como
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