quarta-feira, fevereiro 03, 2021

Portugal: Recessão em 2020 foi a 5ª pior dos últimos 150 anos

  


A queda do PIB de 7,6% no ano passado foi a maior em quase cem anos. Pior só em 1928 quando Salazar entrou para ministro das Finanças. Conheça as maiores crises que Portugal viveu desde 1865. A economia recuou 7,6% no ano passado, menos do que se esperava para um choque tão profundo como o da pandemia da covid-19. Mas acabou por ser muito mais severa do que a provocada pela outra mortal pandemia, a da gripe espanhola em 1918. Pior nos últimos cem anos só a de 1928, que, por coincidência, rebentou no ano em que Oliveira Salazar ocupou, em definitivo, a cadeira de ministro das Finanças. Num horizonte mais longo, de mais de século e meio, a recessão deste ano é a quinta mais intensa num rol de 13 grandes crises, cujo filme apresentamos.

MAIS GRAVE DO QUE CRISE DA GRIPE ESPANHOLA

Há 92 anos que não se registava uma contração tão intensa na economia portuguesa.

Em 1928, a economia recuou 8,1%, com um colapso no consumo privado e o início da política de contas certas pelo novo ministro das Finanças, Oliveira Salazar.

A crise provocada pela pandemia da covid-19 superou ligeiramente a contração de 1940 (quando o PIB caiu 7,3%) e foi mais severa do que a registada em 1918 (quebra de 6,5%) quando à 1ª Guerra Mundial se juntou a terrível pandemia da pneumónica. conhecida pela gripe espanhola.

E é muito mais intensa do que as crises mais recentes, que ainda estão na nossa memória, de 1975 (quebra de 5,1%), num ano de profunda crise política e de impactos do choque petrolífero, e de 2012 (-4,1%), o ano mais duro da terapia do resgate da troika na sequência da crise da dívida.

VIAGEM PELAS 13 MAIORES CRISES

Os últimos 150 anos da história da economia portuguesa foram marcados por 13 grandes contrações anuais – com quebra do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 4%.

Neste artigo o leitor pode viajar pelas grandes recessões, que registaram uma significativa concentração na segunda metade do século XIX, no final da dinastia dos Bragança. O período mais longo em que não se registam contrações da economia estende-se de 1953 a 1974.

Esta viagem pela história das recessões baseia-se na conjugação de três séries do PIB que permitem cobrir estes 150 anos. A primeira, abrangendo o período de 1865 a 1909, foi publicada por Nuno Valério e Maria Eugénia Mata em “The Concise Economic History of Portugal”, e calcula o PIB a preços constantes de 1914. Para o período de 1910 a 1960, baseou-se na série publicada por Abel Mateus em “Economia Portuguesa”, com base em preços constantes de 2000. Finalmente, para o período de 1960 em diante, o estudo baseia-se nos dados publicados pelo INE para a variação anual do PIB em termos reais de 1960 em diante, com base em preços constantes de 2016.

1873 – A ‘MÃE’ DE TODAS AS CRISES

Com uma quebra de perto de 20% do PIB é a maior recessão de sempre dos últimos 150 anos. A economia portuguesa não escapou à onda europeia da crise financeira que começou em maio com o colapso da bolsa de Viena de Áustria e se estendeu com uma onda de pânico financeiro pela Europa e nos Estados Unidos.

1890 – DOIS MALEFÍCIOS BRITÂNICOS NUM SÓ ANO

A economia afunda-se quase 12%. Há uma confluência de duas crises em Portugal. Uma crise financeira mundial iniciada pelo mau bocado que passou o Baring Brothers, o banco de investimento mais antigo de Londres que funcionava, também, como banqueiro do governo português. Acabou por ser uma crise global que causou sérios problemas, também, no Brasil, levando a uma temporária redução das remessas de emigrantes para Portugal. No plano político, dá-se a crise em torno do ultimato britânico à monarquia portuguesa conhecida pela oposição irredutível de Londres ao projeto português do Mapa-cor-de-rosa que ambicionava unir Angola a Moçambique.

1877 – SEQUELA DA CRISE BANCÁRIA PORTUGUESA

O PIB recua 8,4%. Tal como na crise de 1878, a economia portuguesa continua a sofrer o impacto da crise bancária severa de 1876 e da crise agrícola provocada pela filoxera das vinhas.

1928 – A CRISE NO ANO EM QUE SALAZAR INAUGURA AS ‘CONTAS CERTAS’

É a maior recessão dos últimos 120 anos com a economia a recuar 8,1%. O colapso no consumo das famílias chega a 11,5%. O ano é o último de um período de transição, muito turbulenta, da ditadura militar instaurada em 1926, para a ditadura salazarista. Oliveira Salazar é nomeado ministro das Finanças em abril desse ano e inicia a sua política de contas certas conseguindo um excedente logo no seu primeiro ano fiscal.

2020 – O CHOQUE DA SEGUNDA PANDEMIA EM MAIS DE UM SÉCULO

A inesperada pandemia da covid-19 provoca a segunda maior recessão desde o início do século XX. O PIB caiu 7,6%, segundo a estimativa do INE. Foi uma quebra económica maior do que a registada em 1918, quando outra pandemia, a da pneumónica, nos bateu à porta matando entre 59 mil a 135 mil portugueses. É, também, mais severa do que as crises de 1975 e 2012.

1940 – APRECIAÇÃO DO ESCUDO EM PLENA 2ª GUERRA MUNDIAL

A recessão chega a 7,3%, a maior quebra anual em todo o período que vai da Grande Depressão mundial (a que Portugal escapou) ao final da 2ª Guerra Mundial, o conflito global em que Salazar decidiu manter o país neutral até ao verão de 1943. Há uma apreciação do escudo em relação à libra esterlina de 6,8%. Os benefícios da venda do volfrâmio para os dois lados da guerra só se começariam a sentir nas contas nacionais nos dois anos seguintes (quando o preço se multiplica por cinco logo em 1941 e chega a um pico no ano seguinte).

1936 – CHOQUE DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA

A economia portuguesa contrai quase 7%, aprofundando uma crise que começara no ano anterior. Na vizinha Espanha inicia-se a sangrenta Guerra Civil que duraria até 1639 e que deixa, logo, no primeiro ano um rasto de destruição económica que atingiu uma quebra de 26,8% do PIB.

1897 – CRISE CAMBIAL AGUDA

O real desvaloriza 12% face à libra esterlina. A economia contrai 6,6%. A depreciação prosseguiria no ano seguinte com uma quebra adicional de 8%. A dívida pública mantêm-se acima de 100% do PIB, depois dos picos de 1892 e 1896 acima de 120%.

1918 – GUERRA MUNDIAL E PANDEMIA

A economia regista uma quebra de 6,5% gerada pela confluência de dois choques exógenos, o contágio vindo de Espanha da pneumónica, a segunda maior pandemia da história portuguesa que mataria entre 59 mil, segundo os registos oficiais, a 135 mil portugueses, e o final da 1ª Guerra Mundial, onde Portugal entrara em 1916.

1975 – CRISE POLÍTICA E CHOQUE PETROLÍFERO

O PIB derrapa 5,1%. Conjugam-se a crise político-militar interna ligada à transição de regime e a continuação dos efeitos do choque petrolífero que abalou a economia mundial desde 1974. O preço do barril do ouro negro subiu 30% em termos nominais em 1975, um aumento de 20% em termos reais (descontada a inflação).

1878 – SEQUELA DA CRISE BANCÁRIA PORTUGUESA

A economia contrai 4,9% no segundo ano de sequela da crise bancária portuguesa de 1876. É o primeiro ano em que a dívida pública sobe acima de 100% do PIB.

1935 - CRISE POLÍTICA EUROPEIA

A economia cai 4,6%. Dizia-se no relatório do Banco de Portugal que o ano não tinha sido “isento de sobressaltos” reflexo dos “vestígios da depressão de negócios que por toda a parte se tem feito sentir”. Todas estas “contingências adversas” externas poderiam ter provocado uma ainda maior recessão, não fosse, dizia o banco, “o ressurgimento financeiro português”, iniciado pela ditadura. A Europa inicia uma crise política grave com a invasão da Etiópia pela Itália de Mussolini face à inoperância da Liga das Nações e o apoio da Alemanha de Hitler. Crise que se agravaria, depois, com a guerra civil espanhola e o prelúdio da expansão alemã.

2012 - O ANO MAIS DURO DA TROIKA

A economia cai 4,1%, a maior contração no período do resgate da troika, que, entre 2011 e 2013, emagreceu o PIB português em 6,7%, mais do dobro da contração registada em 2009 (PIB caiu 3,1%), fruto da recessão mundial (Expresso, texto do jornalista Jorge Nascimento Rodrigues)

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