Durante o ano passado, o mundo esteve de olhos postos na pandemia: nos estudos que explicavam o que era o novo coronavírus e como é que a covid-19 iria mudar para sempre o mundo. Mas embora a atenção de todos se tenha concentrado nos efeitos da pandemia, houve outros acontecimentos importantes que passaram, em grande parte, despercebidos. O El Confidencial compilou uma lista com alguns exemplos de acontecimentos que podem definir a geopolítica das próximas décadas.
1. O alcance global da ditadura da China
De um ponto de vista geopolítico, uma das mudanças mais significativas é
a nova assertividade da China. Há pouco mais de um ano, muitos acreditavam que
Pequim nunca ousaria suprimir a autonomia de Hong Kong porque estava muito
dinheiro em jogo. Mas a realidade é que a importância da antiga colónia
britânica para a economia chinesa caiu de 18,4% em 1997 para apenas 2,7%
atualmente.
A aprovação da Lei de Segurança Nacional, no verão passado, significou o
fim de Hong Kong como um espaço de liberdade dentro da China. A lei não só
criminaliza qualquer expressão que possa ser considerada ‘subversiva’, como,
considera que tem o direito de punir qualquer pessoa que critique as decisões
do Governo chinês em qualquer parte do mundo.
A China está consciente de que, dada a sua importância económica, é tolerada e temida por vários países. Qualquer pessoa que ouse criticar a China poderá sofrer um castigo económico, como a Austrália já assistiu. Muitas marcas ocidentais de tecnologia e vestuário subcontratam a empresas chinesas que utilizam mão-de-obra escrava. Apesar de toda a insegurança jurídica e económica, na semana passada foi anunciado que a China se tornou o destino número um para o investimento estrangeiro, ultrapassando os Estados Unidos pela primeira vez, pelo menos temporariamente. O que leva ao próximo ponto.
2. O dólar já não é o que era
Se tiver alguns dólares poupados e estiver à espera que aumentem de
valor com a administração de Biden, poderá ficar desapontado. Embora os
gráficos pareçam mostrar uma modesta recuperação nos últimos dias, a tendência
geral baixa é clara.
Alguns economistas consideram que o dólar poderá perder até 35% do seu
valor até 2021. No entanto, a maioria dos especialistas não vai tão longe,
especialmente porque não existe alternativa segura para substituir o dólar –
nem o euro nem o yuan estão em posição de ocupar o seu lugar – mas quase todos
tomam como certa a desvalorização do dólar este ano.
Existe uma erosão constante da importância do dólar, acelerada pelo abuso de sanções por parte da Administração Trump, o que levou outros atores geopolíticos importantes a procurarem outro tipo de alternativas. Estão a ser criadas verdadeiras coligações de países sancionados que comerciam uns com os outros fora do sistema financeiro internacional, e o projeto da China de criar uma moeda criptográfica já se encontra numa fase muito avançada.
3. A ‘arquitetura nuclear’ está mais frágil
Em janeiro do ano passado, o Boletim dos Cientistas Atómicos avançou o
chamado “Relógio do Apocalipse” para 100 segundos até à meia-noite, um aviso de
que a humanidade está a aproximar-se da extinção.
Entre as principais razões citadas por este grupo estavam as ações dos
líderes mundiais que denigrem e descartam os métodos mais eficazes de lidar com
problemas complexos, em favor dos próprios interesses e alguma vantagem
política.
Sem o mencionar, o documento teve como alvo claro Donald Trump, que durante o seu mandato se retirou unilateralmente do Tratado das Forças Nucleares de Interesse Intermédio, do acordo sobre o programa nuclear do Irão e, ainda em novembro, do Tratado de Céu Aberto (que permite aos seus membros realizar voos de reconhecimento desarmados sobre outros signatários para monitorizar os seus movimentos militares). A retirada dos EUA foi seguida pela Rússia. E se Trump tivesse sido reeleito, muitos analistas acreditam que os EUA também se teriam retirado do Tratado de Não-Proliferação Nuclear.
4. A Rússia tornou-se um ‘pacificador internacional’
Durante anos, a Rússia concentrou-se na manipulação diplomática para
forçar outros países a curvarem-se aos seus próprios interesses.
Durante a última década e meia, as tropas russas invadiram o território
de dois países (Geórgia e Ucrânia); a força aérea cometeu crimes de guerra na
Síria, bombardeando hospitais e outras instalações civis; os hackers causaram
estragos em várias instituições; entre outros. Como resultado, a Rússia está
sujeita a um regime severo de sanções internacionais e foi expulsa do G7.
Os líderes russos parecem ter chegado à conclusão de que o país não se
pode dar ao luxo de seguir os mesmos passos dos últimos anos, e optaram por
desempenhar um novo papel: o de “pacificador internacional”, destacando tropas
intermediárias para conflitos em que outras potências evitaram envolver-se,
enviando conselheiros e mesmo mobilizando diplomatas.
O exemplo mais claro é Nagorno-Karabakh, na Ásia, onde a Rússia se
absteve de vir em defesa do seu aliado arménio, mas onde no último minuto
conseguiu orquestrar um cessar-fogo e enviar tropas para guardar o corredor que
liga a capital Karabakh à Arménia.
Algo semelhante ocorreu na República Centro-Africana, onde a Rússia tem
interesses importantes e onde, em dezembro, enviou 300 soldados e armas pesadas
a pedido do Presidente François Bozizé para “garantir a segurança durante as
eleições”. Em vez de sanções, Moscovo foi recebida com aplausos. A Rússia
encontrou uma forma de defender os seus interesses e de projetar uma capacidade
militar dissuasora sem incorrer em ira internacional.
5. Os EUA estão a avançar para um sistema multipartidário
Donald Trump está a ponderar fundar um partido que reúna a enorme massa
de eleitores que não são leais ao Partido Republicano, mas a ele próprio.
Este plano poderia criar uma divisão do voto conservador e dos apoiantes do Partido Republicano nos EUA. Contudo, isso não significaria necessariamente a hegemonia do Partido Democrático, já que em muitos casos a votação de Joe Biden significou um voto anti-Trump. Assim, estas tensões podem acabar por dividir os eleitores em formações diferentes. Desta forma, o multipartidarismo nos EUA é uma possibilidade cada vez mais próxima. A existência de muitas formações políticas obriga ao diálogo e à construção de consensos, mas num lugar tão polarizado como os Estados Unidos as perspetivas não são tão boas (Executive Digest, texto da jornalista Mara Tribuna)
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