O ex-primeiro-ministro
quer intervir no processo EDP e aponta para pagamentos que levaram o MP
brasileiro a relacionar dinheiro da Odebrecht com a campanha do PSD para as
legislativas de 2015. Sócrates pergunta: “Porque é que não querem que me
constitua como assistente?” A questão é dirigida aos procuradores Carlos
Casimiro e Hugo Neto, os titulares do processo EDP que se opuseram ao pedido do
ex-primeiro-ministro para ser assistente no caso que já está a ser investigado
há nove anos e tem como principal arguido Manuel Pinho, ex-ministro da Economia
de um dos Governos de Sócrates, e ainda António Mexia e Manso Neto, que
lideravam a EDP. “O que leva os procuradores a usar argumentos tão
estapafúrdios na oposição ao exercício de um simples direito?”, continua José
Sócrates em declarações ao Expresso.
E que argumentos
“estapafúrdios” são esses? Na resposta ao pedido de José Sócrates para ser
assistente no processo, o Ministério Público alegou que Sócrates estava a
“instrumentalizar” essa função, prevista na lei para auxiliar a investigação,
apenas para ter acesso “antes de ser chamado” a um processo em que “como bem
sabe” é “interveniente” em “parte dos factos que estão a ser investigados”.
Está, por isso, a cometer um “abuso de direito”.
Na contestação a esta posição do MP, o ex-primeiro-ministro argumenta que o processo é “público” e que “qualquer pessoa pode ter acesso aos autos, nesta fase, para consulta e obtenção de cópias, extratos e certidões”. Segundo o “Observador”, a decisão final será do juiz Ivo Rosa, o mesmo que vai decidir por que crimes será Sócrates julgado na Operação Marquês ou se é ilibado sem julgamento. “Diz o senhor procurador que, constituindo-me como assistente, tenho a pretensão oculta de ter acesso aos autos”, continua o ex-PM. “Acontece que eu já tenho acesso aos autos porque o processo é público e não está em segredo de justiça. É, portanto, absurdo acusar alguém de ter intenção de vir a ter acesso àquilo a que já tem acesso.”
Para Sócrates, “a
resposta” que justifica esta oposição do Ministério Público, “está no conteúdo
do processo”. Isto é, “nos pagamentos da empresa Odebrecht ao consultor
eleitoral do PSD — André Gustavo, um “marqueteiro” brasileiro — descritos na
carta rogatória do Brasil que foi enviada para Portugal e “nas suspeitas
oficiais do Ministério Público brasileiro de financiamento ilegal das campanhas
eleitorais de 2011 e de 2015 do Partido Social Democrata”. O ex-governante
refere-se a duas eleições em que Passos Coelho era o líder social democrata. Na
primeira, o derrotado foi ele próprio, levando à sua demissão de
secretário-geral do PS. Na segunda, o PSD coligou-se com o CDS e ganhou as
eleições mas perdeu a maioria parlamentar e António Costa acabou por formar
Governo.
Sócrates diz querer ser
assistente para ajudar no “esclarecimento da verdade” e “para controlar e fazer
sindicar a ação do MP”. E queixa-se de ameaças veladas: “E, para que nada
falte, vem ainda a ameaça – ‘ser chamado aos autos’. As pequenas e ridículas
intimidações institucionais suscitam-me um constrangedor sentimento de pena”.
“O comportamento do MP
nesta questão escancara a suspeição de viés político nesta investigação. Abuso
de direito? O MP não tem moral para falar em abusos”, conclui José Sócrates.
DINHEIRO VIVO DA
ODEBRECHT
Os procuradores do
processo EDP têm alimentado a investigação com documentos extraídos de outros
inquéritos, como o 324/14 (BES) e o 1441/17 (Odebrecht). E é nos apensos deste
último, que o Expresso consultou no Departamento Central de Investigação e Ação
Penal (DCIAP), que as autoridades brasileiras apontam uma possível relação
entre movimentos de dinheiro vivo por parte do publicitário André Gustavo e o
financiamento da campanha de 2015 do PSD para as legislativas.
O relatório que o
Ministério Público Federal do Brasil enviou ao DCIAP refere que “é possível
identificar que os pagamentos faturados “por dentro” pela Arcos Propaganda
[empresa de André Gustavo] para o Partido Social-Democrata e para a Coligação
Portugal à Frente totalizam €868.943,24 e foram feitos no mesmo período e em
valores muito semelhantes aos repasses em espécie feitos por fora pelo SOE
(Sector de Operações Estruturadas) da Odebrecht em benefício de André Gustavo
Vieira da Silva, que totalizam aproximadamente €880 mil”.
Em 2015 o publicitário
aceitou receber 3 milhões de reais da Odebrecht. Uma parte serviria para
subornar o então presidente da Petrobras , Aldemir Bendine (que esteve em
prisão preventiva entre 2017 e 2019, no quadro da operação Lava Jato). André
Gustavo admitiu em tribunal que guardava o dinheiro num apartamento em São
Paulo. “Estava em malas pequenas, médias. Malas de mão, basicamente”, disse o
publicitário em novembro de 2017.
Nessa ocasião, André
Gustavo sustentou, porém, que o seu trabalho com o PSD foi totalmente legal. “O
partido há oito anos mantém uma consultoria comigo, legal, correta, declarada
no imposto de renda, declarado tudo bonitinho, não há nada errado”, afirmou. O
publicitário disse também ter entregue em dinheiro vivo 950 mil reais a Aldemir
Bendine em São Paulo.
A proximidade de valores
entre o dinheiro que circulou em São Paulo e o que André Gustavo faturou ao PSD
chamou a atenção do Ministério Público do Brasil na informação prestada ao
DCIAP. “É possível que os pagamentos descritos na planilha Paulistinha (que
tinha esse nome nos registos da Odebrecht por listar movimentos de dinheiro em
São Paulo) com referência à obra da barragem de Baixo Sabor, em Portugal,
possam se referir ao financiamento da campanha eleitoral do PSD”, refere o MP
brasileiro.
A informação que o Brasil
enviou para Portugal inclui um email de março de 2015 no qual os funcionários
da Odebrecht comentam a existência de “uma requisição no valor de €880 mil
(Obra: Baixo Sabor, codinome Príncipe)”, tendo esse pedido sido feito por Fábio
Januário, um dos colaboradores da empresa em Portugal.
O nome de código Príncipe
era, em 2015, o mesmo que já em 2008 e 2009 a Odebrecht usava no seu sistema de
pagamentos “por fora” com o descritivo “Baixo Sabor”. Em 2008 e 2009 saíram
3,86 milhões de euros das empresas ARC Engineering Construction Services (com
conta no Banif) e FastTracker Global Trading (uma offshore em Antígua e
Barbuda). Daquela soma houve €1,35 milhões transferidos para um beneficiário
identificado como FCannas (Francisco Canas, também conhecido como “Zé das
Medalhas”, falecido em 2017) e €2,32 milhões para uma conta no ESBD — Espírito
Santo Bankers Dubai em nome de José Carlos Gonçalves. Isso levou os
procuradores do processo EDP a pedir uma certidão do processo Monte Branco, bem
como os extratos bancários de 2008 e 2009 do ESBD no processo BES.
Estes desenvolvimentos levaram também o ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, a solicitar acesso ao processo EDP a 10 de novembro do ano passado. Dias antes tinha passado pelo DCIAP um dos administradores da Odebrecht em Portugal, Luís Cecílio, a quem foi então apreendido o telemóvel, para que as autoridades possam investigar as comunicações do aparelho. O Expresso contactou Pedro Passos Coelho que não quis pronunciar-se (Expresso, texto dos jornalistas RUI GUSTAVO e MIGUEL PRADO)
Sem comentários:
Enviar um comentário