A saída do Reino Unido da União Europeia contribuiu para o apoio mais
alto de sempre à independência da Escócia pelos seus cidadãos. Apesar de Boris
Johnson adiar a hipótese de um novo referendo à independência para 2055, as
eleições de maio para o Parlamento escocês serão essenciais para ditar o futuro
desta aliança
Em março de 2017, a poucos dias de o Reino Unido oficializar a sua saída da União Europeia, Nicola Sturgeon deu um discurso no Parlamento escocês. A Primeira-ministra da Escócia afirmava que o seu país se encontrava numa “encruzilhada” – a saída do Reino Unido da União Europeia, dizia Sturgeon, iria ter implicações negativas na sua sociedade, democracia e economia. Por isso, prometeu a todos os seus conterrâneos que, de forma a salvaguardar os interesses da Escócia, pretendia realizar um novo referendo à independência do país. Até aos dias de hoje, o Partido Nacional Escocês de Sturgeon ainda não conseguiu convencer o Parlamento Britânico a avançar com este referendo. Contudo, ainda não não desistiram da ideia: daqui a três meses, a 6 de maio, as novas eleições para o Parlamento da Escócia serão fulcrais para decidir o futuro desta aliança, que já dura desde o século XVIII.
O último referendo à independência da Escócia foi há pouco mais de seis
anos, em 2014, no qual 55% dos escoceses votaram a favor de se manterem no
Reino Unido. No entanto, tudo mudou em 2016, quando o Brexit foi às urnas.
Apesar de a saída da União Europeia ter sido decidida com 51.9% de votos a
favor, os resultados eleitorais na Escócia expressavam uma orientação
diferente: 62% dos escoceses tinham votado a favor de se manter na União
Europeia. Na altura, Sturgeon rapidamente chegou à mesma conclusão que a
maioria dos analistas políticos: se soubessem que a saída da União Europa
estava em jogo, os escoceses teriam votado a favor da sua saída do Reino Unido
em 2014 – daí a urgência em realizar um novo referendo.
A ideia de um novo referendo não agrada a Boris Johnson. O Primeiro-ministro
do Reino Unido já afirmou várias vezes, em defesa da sua posição, que os
referendos só devem ser permitidos “uma vez por geração”, apontando os dois
referendos sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, em 1975 e em 2016,
como um “bom tipo de intervalo” – ou seja, um novo referendo só poderá ser
realizado 41 anos depois, por volta do ano 2055, na opinião do líder do Partido
Conservador. Mas as altas taxas de aprovação de Nicola Sturgeon e do Partido
Nacional Escocês para as eleições de maio aumentam cada vez mais a pressão em
Boris Johnson. No dia 24 de janeiro, Michael Russell, ministro do Governo da
Escócia, apresentou um novo plano para um referendo à independência – mas não
vai ser um caminho fácil.
Problemas com a lei
O grande adversário que Sturgeon e os nacionalistas escoceses enfrentam
para a realização de um novo referendo não é apenas Boris Johnson, mas também a
própria lei do Reino Unido. Ao contrário da lei da União Europeia, na qual há
uma “cláusula de saída” – o famoso artigo 50 do Tratado de Lisboa -, tal
cláusula não existe no Reino Unido. A permissão para referendos na Escócia ou
em qualquer outro país desta união política tem de ser concedida pelo Governo
de Boris Johnson, tal como foi o caso da permissão de David Cameron para o
referendo de 2014.
Perante o ceticismo de Boris Jonhson em autorizar um novo referendo, a
missão dos grupos independentistas escoceses torna-se mais complicada e as suas
as opiniões dividem-se. Alguns membros exigem manifestações à porta da sede do
Partido Nacional Escocês, de forma a pressionar os seus dirigentes. Outros
acusam a liderança do partido de não se rebelar contra o Governo do Reino
Unido. Angus MacNeil, deputado do parlamento escocês, chegou a afirmar que os
nacionalistas deviam utilizar as eleições de maio como um referendo à
independência da Escócia – se ganharem, significa que os escoceses votaram a
favor da sua independência.
No entanto, estes argumentos que recomendam uma fuga à lei do Reino
Unido não convencem a Primeira-ministra da Escócia. Nicola Sturgeon já defendeu
que este referendo tem de ser realizado totalmente dentro dos limites da lei –
caso contrário, a União Europeia irá ignorar o seu resultado e recusar a entrada
da Escócia, retirando assim um dos seus grandes propósitos. Por outro lado, o
impasse prolongado vivido em Espanha depois do referendo realizado na
Catalunha, a 1 de outubro de 2017, à revelia da lei espanhola, também
influencia o Governo escocês a manter-se dentro das regras do jogo.
Assim, o plano apresentado por Russell no mês passado apresenta uma
“solução mista.” Segundo este, caso o Partido Nacional Escocês vença as
eleições de maio, será pedido a Boris Johnson que o Governo do Reino Unido
autorize um novo referendo à independência da Escócia. Caso o Governo recuse,
Russell sugere que o Parlamento da Escócia deve passar uma lei a autorizar o
referendo de qualquer forma, desafiando Boris Johnson a levar o caso ao Supremo
Tribunal. Mas, como refere um deputado escocês à revista The Economist, esta
solução “não tem pernas para andar”, uma vez que esta seria uma abordagem à
margem da lei que o Parlamento Britânico poderia facilmente revogar, resultando
num novo impasse. A esperança dos nacionalistas é que, perante a pressão
popular, o Governo britânico acabe por ceder às motivações independentistas e,
para o bem das duas partes, valide este hipotético referendo.
Uma decisão histórica
Apesar de se opor categoricamente a um escrutínio sobre a eventual independência
da Escócia, Boris Johnson não ignora estes movimentos independentistas. Não foi
por acaso que, a 28 de janeiro, quatro dias depois de Michael Russell ter
apresentado o seu plano, o Primeiro-ministro britânico foi a Edimburgo e
Glasgow, onde visitou centros de vacinação e outros serviços de saúde. Nicola
Sturgeon afirmou que se tratava de uma visita “não essencial” e que o líder do
Partido Conservador parecia ter “medo da democracia.” Keith Starmer, líder do
Partido Trabalhista e opositor direto de Boris Johnson, disse que, apesar de
compreender a visita, se tratava de um “Primeiro-ministro em pânico por estar a
perder os argumentos sobre a independência da Escócia.”
Perante este impasse e desafios colocados pela lei, todos os olhos estão
postos nas eleições escocesas de maio. De acordo com as sondagens, os escoceses
parecem decididos: não só se registam 17 sondagens seguidas com resultados
favoráveis à saída do Reino Unido, como em dezembro o apoio para a
independência da Escócia atingiu o seu número mais elevado, de 58%. A
acontecer, este divórcio seria histórico. Desde 1934, ano de fundação do
Partido Nacional Escocês, mais de 100 países tornaram-se soberanos. Contudo,
quase todos nasceram de guerras, da descolonização ou de um forte colapso
económico. A independência de um Estado com uma democracia avançada em tempos
de paz seria algo único no passado recente – mas pode vir a tornar-se numa
realidade dentro de pouco tempo (Visão)
Sem comentários:
Enviar um comentário