Ainda estamos no meio do
turbilhão. Não podemos fazer um balanço final das perdas para a economia porque
ainda se vão avolumar mais.” As palavras são de Miguel Cardoso Pinto, líder da
EY-Parthenon, o braço de estratégia da consultora EY. E aponta que, ao nível
dos encerramentos de empresas, por exemplo, “o cenário, daqui a alguns meses,
pode ser bem pior do que agora”. Afinal, num estudo recente do Banco de
Portugal, “42% das empresas de restauração disseram só ter capacidade para
sobreviver mais cinco meses”, lembra.
Com empresas e famílias ligadas, em muitos casos, ao ventilador — leia-se os apoios extraordinários criados pelo Governo para fazer face à crise associada à pandemia de covid-19 (ver caixa) —, o número de empresas a fechar portas em 2020 até ficou abaixo de 2019, indicam os dados da consultora Informa D&B. O recuo nos encerramentos foi de 24,7%, para as 13.424 empresas. Olhando apenas para as falências, registaram-se 2273 novos processos de insolvência, mais 3,5% do que em 2019, assinala a Informa D&B. E o sector em destaque pela negativa é o alojamento e restauração, com um aumento de 58%, para 293 novos casos. Ora, este é precisamente um dos sectores mais vergastados pela crise.
“Os números de
encerramentos e insolvências deverão ser entendidos à luz das medidas de apoio
que o Estado português colocou à disposição das empresas e, por outro lado, ao
facto de estes processos serem normalmente demorados e, no caso das
insolvências, envolverem os tribunais, cuja atividade foi afetada durante a
pandemia”, destaca a consultora. E frisa que os efeitos da pandemia na
demografia das empresas “é, para já, bastante mais visível no nascimento de
novas empresas”, que recuou 23,5% em 2020.
E os dados relativos a
janeiro deste ano não são animadores para as organizações. No mês em que o país
regressou ao confinamento geral, o número de encerramentos subiu 18,2% em
termos homólogos e a constituição de novas empresas recuou 42,8%. Ao mesmo
tempo, o número de desempregados registados nos centros de emprego atingiu
424.359 pessoas, o mais elevado desde o início da pandemia e o mais alto desde
maio de 2017.
Limitação da atividade
dos tribunais está a conter número de falências
A Associação Portuguesa
de Direito da Insolvência e Recuperação (APDIR) lança o alerta para um aumento
das falências num contexto em que as pequenas e médias empresas (PME) continuam
sem mecanismos adequados para declarar insolvência, poderem recuperar e voltar
ao mercado. E aponta baterias à ineficácia do processo extraordinário de
viabilização de empresas (PEVE). Criado em novembro, até janeiro apenas seis
empresas tinham recorrido a este mecanismo. “É praticamente nada. E mostra que
o PEVE não serve”, sublinha Paulo Valério, diretor executivo da APDIR.
E lembra os dados do
Eurostat sobre a insolvência de negócios, que mostram Portugal em contraciclo
com a Europa: no terceiro trimestre de 2020, em Portugal, o número de insolvências
decretadas judicialmente cresceu 40% face ao período homólogo, mais do dobro
dos 12,8% de aumento registados no segundo trimestre. Em sentido contrário, na
zona euro houve uma redução das falências: 34% no segundo trimestre de 2020,
contra 17,7% no terceiro trimestre. E o pior ainda está para vir em Portugal,
sobretudo no sector do alojamento e restauração, considera Paulo Valério. Por
isso não tem dúvidas: “O Ministério da Justiça criou um instrumento que para
pouco serve”, afirma, defendendo que “é preciso maior flexibilidade”.
“É preciso passar a
tormenta e garantir a sobrevivência das empresas”, frisa Miguel Cardoso Pinto.
E, aqui, o papel dos apoios públicos é “muito importante”, considera, apontando
o exemplo do regime de lay-off simplificado e da suspensão de obrigações
fiscais.
APOIOS CHEGAM TARDE
O problema é que as
confederações patronais e as associações empresariais avisam de que os apoios
são escassos e, pior ainda, chegam muito tarde ao terreno. “Apreciamos as
medidas que o Governo tem lançado, mas criticamos o seu montante e a pouca
rapidez, o atraso com que chegam ao terreno”, afirmava António Saraiva,
presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), numa entrevista
recente ao Expresso. E frisava que “os empresários receberam os apoios com
cinco ou seis meses de atraso e têm de manter os postos de trabalho”.
O Tribunal de Contas
(TdC) já apontou baterias a este atraso. Num relatório onde analisa a implementação
do lay-off simplificado durante a pandemia, o TdC sinaliza que os procedimentos
que simplificaram o acesso ao apoio “não foram suficientes para evitar atrasos
na validação dos pedidos submetidos”. O requerimento de pedidos de acesso a
este instrumento concentrou-se entre finais de março e a primeira quinzena de
abril. A validação foi, porém, mais tardia, prolongando-se até junho. “A 30 de
junho, os pedidos validados cobriam apenas 70% dos submetidos, com eventuais
reflexos na celeridade do pagamento”, sinaliza a instituição.
Muitos Empresários
denunciam a demora no pagamento dos apoios concedidos pelo Estado
E os atrasos na chegada
dos apoios às empresas não se resumem ao lay-off. “Os apoios que o Governo
anuncia têm vindo a demorar semanas até que fiquem acessíveis para candidatura,
o que significa que até o apoio entrar efetivamente na tesouraria das empresas
por vezes chega a demorar um a dois meses”, explica Ana Jacinto,
secretária-geral da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares (AHRESP).
“Para além desta questão, temos vindo a verificar atrasos no pagamento de
apoios, sobretudo apoios ao emprego”, sinaliza. A secretária-geral da AHRESP
relembra as “enormes perturbações” no acesso ao lay-off em março/abril de 2020
e acrescenta que “o apoio à retoma progressiva referente ao segundo semestre do
ano passado continua com atrasos nos pagamentos e o incentivo à normalização de
atividade, cujo pagamento da segunda tranche deveria ter ocorrido até ao final
de janeiro de 2021, à data de hoje ainda não foi processado”. Reclama, por
isso, urgência em fazer chegar os apoios às empresas.
Ao mesmo tempo, é preciso
olhar para o futuro: “Temos de garantir que as empresas têm capacidade de
reinvenção, porque o futuro não será um regresso ao passado”, frisa Miguel
Cardoso Pinto. Por isso “os apoios, nomeadamente no âmbito do Plano de
Recuperação e Resiliência, não podem estar todos concentrados na sobrevivência
dos negócios”, defende. É preciso ter em conta o outro lado da equação: “As
empresas estão à espera que esta crise passe e se volte à normalidade. Mas isso
não vai acontecer. O ritmo de transformação exponencial vai manter-se,
obrigando à reinvenção contínua dos modelos de negócio”, frisa o líder da
EY-Parthenon. E aponta dois exemplos: “O teletrabalho e a redução das viagens
de negócios não vão ter volta.” Por isso “as empresas têm de ter um ponto de
vista próprio sobre o futuro e trabalhar no desenho de cenários alternativos,
montando estratégias para conseguirem captar valor em diferentes cenários. E não
podem ter medo de arriscar”, remata Miguel Cardoso Pinto (Expresso, texto das
jornalistas CÁTIA MATEUS E SÓNIA M. LOURENÇO e infografias de JAIME FIGUEIREDO)
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