Os chefes dos dois maiores bancos centrais não preveem o disparo da inflação, mas financiar a dívida vai começar a ficar mais caro. O fantasma do disparo da inflação regressou, este ano, para assombrar os mercados da dívida. O primeiro sinal está a ser dado pela subida dos juros da dívida pública nos EUA e na zona euro desde meados deste mês e pelo desagravamento nas taxas negativas da Euribor projetadas para os próximos cinco anos. Apesar de Christine Lagarde e Jerome Powell, os dois principais banqueiros centrais do mundo, negarem que um disparo da inflação está no horizonte, o ciclo de mínimos históricos nas taxas da dívida parece que terminou. O que isso significa é que financiar a dívida vai ficar um pouco mais caro para Estados, famílias e empresas, ainda que os níveis previstos estejam longe de assustar.
Mais sensível para o
bolso dos portugueses é a evolução das taxas Euribor que servem de referência,
na zona euro, para os empréstimos das famílias e das empresas. No prazo a 3
meses, deverão subir progressivamente para níveis menos negativos. A taxa daqui
a um ano deverá descer dos atuais -0,54% para -0,53%, segundo o mercado de
futuros (ver gráfico). Também o ano em que regressarão a terreno positivo está,
agora, menos longínquo. Os futuros da Euribor a 3 meses para daqui a cinco anos
estavam ainda abaixo de zero na semana passada, para passarem, agora, para
terreno positivo.
No mercado da dívida
pública, a agitação é ainda maior. No prazo a 10 anos, os juros das obrigações
portuguesas quadruplicaram desde o final de 2020, quando estavam perto de zero
por cento (ver gráfico). As previsões apontam para um nível de juros daqui a um
ano similar ao que se registava antes da pandemia, num patamar de 0,3%, muito
longe de -0,012% que o Tesouro pagou em janeiro.
O problema pode tornar-se
mais crítico, diz João Duque, professor no ISEG em Lisboa, quando as
amortizações da dívida começarem a subir muito acima do nível atual e o custo
de financiamento no mercado tiver aumentado significativamente. Os reembolsos
anuais vão estar já acima de €12 mil milhões em 2022 e 2023, precisamente
quando os programas de compra e de reinvestimento do Banco Central Europeu
(BCE) já deverão estar em descontinuação.
LAGARDE NÃO TRAVA
MERCADOS
A Alemanha está a caminho
de perder a prorrogativa de se financiar em todo o longo prazo com juros abaixo
de zero. Nas obrigações a 10 anos, que servem de referência na zona euro, os
juros poderão mesmo regressar a terreno positivo no verão, depois de dois anos
abaixo de zero. No conjunto da zona euro, a subida das taxas desde o final do
ano passado é particularmente acentuada nos prazos mais longos (ver gráfico).
O aviso feito no
Parlamento Europeu, esta semana, por Christine Lagarde, de que o BCE está a
seguir de perto esta subida recente das taxas no mercado, não parece ter
invertido a tendência. Os mercados parecem ignorar a voz grossa da francesa e
os analistas esperam, agora, para ver que reação oficial poderá surgir na
próxima reunião a 11 de março. As projeções para a inflação adiantadas pelo BCE
não ultrapassam 1,7% daqui a 5 anos, longe da meta de 2%; contudo, subiram as
previsões de 0,9% para 1,3% em 2022 e de 1,3% para 1,5% em 2023.
FMI DEU A MÃO A POWELL
No entanto, a subida mais
contagiante em termos de impacto mundial poderá vir dos EUA, com um disparo das
taxas de dívida a 10 anos de menos de 1% no final do ano passado para 2,4% no
final deste ano (ver gráfico). Não admira, por isso, que a polémica esteja mais
acesa além-Atlântico. Economistas de referência mundial, como Larry Summers,
ex-secretário do Tesouro de Clinton, e Olivier Blanchard, ex-economista-chefe
do Fundo Monetário Internacional (FMI), vieram a terreiro alertar para o risco
de um disparo na inflação.
A resposta da Reserva
Federal (Fed) contra os temores levantados não se fez esperar. Jerome Powell, o
presidente do banco central, assegurou, esta semana, em duas audiências
seguidas, aos senadores e aos deputados que “não espera que a inflação suba para
níveis preocupantes”. E reafirmou que a política expansionista — provavelmente
mais 1,4 biliões de dólares (€1,1 biliões) de compras de títulos em 2021 — só
vai parar quando a inflação estiver sustentadamente nos 2% e o mercado laboral
estiver em pleno emprego.
Powell recebeu uma ajuda
de peso vinda do FMI, sublinha Marc Chandler, diretor na consultora Bannockburn
Global Forex em Wall Street. Gita Gopinath, a economista-chefe daquela
organização, afirmou que “extrapolar do passado é arriscado” e que a “evidência
das últimas quatro décadas torna um disparo da inflação pouco provável”. No
artigo de opinião que publicou no blogue do Fundo, ela admirou-se que “até
economistas-pomba” (referindo-se a Summers e Blanchard) se tenham deixado
envolver “no discurso da inflação” (Expresso,
texto do jornalista JORGE
NASCIMENTO RODRIGUES)
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