Sentença
do Tribunal do Funchal obriga a região a cobrar imposto municipal. Fundamentos
são idênticos aos que a Câmara de Miranda do Douro usa para reclamar ao fisco o
IMI das centrais hídricas. Ao fim de oito anos, o Tribunal Administrativo e
Fiscal do Funchal decidiu na semana passada que os edifícios do Aeroporto
Internacional da Madeira, sob concessão da ANA, estão sujeitos ao Imposto
Municipal sobre Imóveis (IMI), o que obrigará os serviços tributários da região
a inscreverem os imóveis na matriz predial e a cobrarem o tributo à empresa
detida pelo grupo francês Vinci.
Embora a sentença ainda seja uma decisão de primeira instância que ainda é passível de recurso, o sentido da decisão foi recebido com ânimo na Câmara de Miranda do Douro. A autarquia transmontana está a preparar uma acção contra a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) justamente por causa da ausência de cobrança de IMI sobre as duas barragens instaladas no concelho — e os fundamentos que usa para reclamar a aplicação do imposto são exactamente os mesmos que o tribunal utilizou, na sentença de 20 de Janeiro, para concluir que, no caso do aeroporto, o IMI deve ser cobrado. A questão central prende-se com a exploração de bens do domínio público e o seu enquadramento tributário.
Na
Madeira, o juiz Pedro Casinhas entendeu que os imóveis do aeroporto estão
sujeitos ao imposto e, como os serviços regionais não o cobraram, a sentença
força a região autónoma a dar esse passo, ou seja, a praticar um acto
administrativo que o município de Santa Cruz (onde está localizado o aeroporto)
entende que a administração regional não praticou e que deveria ter praticado.
Se
a região não recorrer e nenhum dos contra-interessados o fizer, os serviços
tributários da Madeira e a Direcção-Geral do Tesouro e Finanças (na dependência
do Governo nacional) terão de agir, para inscrever os imóveis na matriz de
forma a liquidar o IMI devido.
É
justamente isso que a Câmara de Miranda do Douro quer que a autoridade
tributária faça em relação às centrais de Picote e Miranda, duas das seis
barragens que a EDP vendeu há dois anos ao consórcio francês liderado pela
eléctrica Engie.
Na
Madeira, a acção foi interposta pelo município de Santa Cruz em 2014, depois de
o Estado português vender a ANA ao grupo francês Vinci.
O
município solicitou ao chefe do serviço de Finanças de Santa Cruz que
inscrevesse os imóveis na matriz predial, caso não estivessem já registados,
por entender que o imposto se aplicava e que o município era credor dessa
receita.
Mas o fisco regional considerou que os imóveis, sendo do domínio público regional, estavam “subtraídos ao comércio jurídico privado” e que não integravam “o conceito fiscal de prédio para efeitos de IMI”, por não terem o requisito de patrimonialidade, “por não serem susceptíveis de apropriação privada”. E, por isso, entendeu que os imóveis não podiam ser inscritos na matriz. O tribunal entendeu o contrário. O juiz começa por lembrar que “não existe nenhum diploma legal que estatua que os imóveis que constituam bens do domínio público não estão sujeitos a registo matricial ou que não integram o conceito fiscal de prédio previsto no Código do IMI”, esclarecendo que “o que existem são isenções subjectivas e objectivas” de IMI.
O
valor económico
O
tribunal refere que, à luz do código, um prédio “é toda a fracção de
território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de
qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência,
desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em
circunstâncias normais, tenha valor económico (…)”.
E
explica que, no caso do aeroporto, há três elementos que apontam nesse sentido:
além de ter “obviamente existência física”, faz parte do património da “pessoa
colectiva territorial, dotada de personalidade jurídica de direito público” que
é a região autónoma e, em terceiro lugar, tem valor económico, já que se não o
tivesse, “por certo a exploração da sua gestão não teria sido concessionada a
uma entidade (actualmente) com 100% de capitais privados, e cuja actividade do
único accionista, aliás, é precisamente a exploração de aeroportos espalhados
um pouco por todo o mundo”.
O
processo que levou a Câmara de Santa Cruz a avançar para o tribunal — e que
gerou esta primeira decisão favorável à autarquia — é em tudo semelhante ao que
se passa no caso das barragens. Não só a questão central tem que ver com o
enquadramento tributário de bens em utilização do domínio público, como o
próprio processo que está na origem é semelhante – o facto de os serviços
tributários não praticarem o acto de liquidação do imposto.
No
caso das barragens, a Câmara de Miranda já pediu à directora-geral da AT,
Helena Borges, que o fisco inscreva os prédios na matriz e que cobre o IMI dos
últimos anos. A AT não o fez até agora porque entende que as barragens, sendo
de utilidade pública, integram o domínio público do Estado, não cumprindo os
pressupostos de incidência do IMI. Com base nisso, a câmara está a preparar uma
acção contra o fisco, para o obrigar a praticar o acto da inscrição dos prédios
na matriz — o mesmo que fez a Câmara de Santa Cruz com uma primeira vitória em
tribunal.
Na
Madeira, o tribunal sustenta que, pela lei, a titularidade dos imóveis do
domínio público pertence ao Estado, às regiões autónomas e às autarquias. Os
imóveis, salienta, estão integrados no património público, podendo ser
explorados por entidades privadas através de concessão, “mas o facto de um
determinado bem imóvel do domínio público não poder ser alienado, usucapido ou
penhorado” não quer dizer que “não tenha de estar inscrito na matriz”. Até
porque, diz, será necessário para, depois, se aplicarem as eventuais isenções
de IMI previstas na lei.
O
tribunal lembra que um decreto regional de 2013 previu a contrapartida, para a
região, da “cessão dos direitos de utilização, gestão e exploração dos bens do
domínio público aeroportuário”, o que significa que os imóveis “têm valor
económico”, por gerarem rendimentos.
“Indo
mais longe”, o tribunal pergunta que regime seria aplicável “aos
estabelecimentos comerciais que têm actividade no Aeroporto da Madeira”. E dá a
resposta: “Provavelmente pagarão, à concessionária, uma renda pelo espaço que
ocupam…, logo a exploração daquele bem do domínio público gera rendimentos para
a concessionária. De onde necessariamente também resulta a existência de valor
económico”.
E nota uma contradição: “À luz do artigo 11.º do Código do IMI, é até incoerente que um determinado bem seja explorado de forma empresarial por uma entidade 100% privada e não exista tributação em sede de IMI, por os ditos imóveis não estarem inscritos na matriz” quando o próprio Código do IMI faz cair a isenção do imposto quando os imóveis detidos por entidades públicas tenham um carácter empresarial. É uma sentença cujo sentido parece tirado “a papel químico” da interpretação que a Câmara de Miranda tem feito valer junto da AT em relação às barragens, reage o vereador mirandense Vítor Bernardo, do executivo municipal liderado pela presidente Helena Barril.
Esta semana, o grupo parlamentar do PS anunciou que vai apresentar um projecto de resolução para recomendar o Governo a clarificar a interpretação do Código do IMI relativamente às centrais hídricas. A iniciativa foi tomada depois de ser público que a Câmara de Miranda quer agir contra o fisco, depois de o BE anunciar uma proposta de alteração legislativa destinada a cobrar o IMI e depois de sair esta sentença do tribunal madeirense, decidida na passada sexta-feira, 20 de Janeiro (Publico, texto do jornalista Pedro Crisóstomo)
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