Estudo de Oxford associa maior interação entre gerações e
envelhecimento a perigo mais elevado de propagação. As características sociais
e culturais de um país influenciam de forma direta a forma como um vírus se
propaga. Num caso como o de Portugal, onde os filhos vivem até mais tarde em
casa dos pais, a ligação entre gerações é muito forte, a família é a principal
rede de apoio e muitas vezes são os avós a cuidar das crianças, o risco de
contágio é maior. E quando em causa está um vírus com uma taxa de mortalidade
superior entre os idosos, a situação torna-se mais séria. Segundo um estudo da
Universidade de Oxford, publicado esta semana, a mortalidade causada pelo novo
coronavírus tenderá a ser maior em países mais envelhecidos e com maior
contacto entre gerações. “Estes países precisam de tomar medidas mais
agressivas para conseguirem manter-se abaixo do nível máximo de capacidade do
sistema de saúde”, alertam os investigadores.
O estudo focou-se no caso de Itália, o segundo país do mundo
com maior percentagem de pessoas com 65 ou mais anos (23%), só atrás do Japão,
e onde existe um forte contacto entre gerações e um “elevado grau de
proximidade habitacional” entre os jovens adultos e os pais. Mas em Portugal —
o terceiro país mais envelhecido do mundo, logo a seguir a Itália e com uma
percentagem muito semelhante (22%) — o cenário é idêntico. “A combinação desses
fatores pode colocar Portugal em risco se a infeção se propagar na população”,
afirma ao Expresso Jennifer Dowd, investigadora da Universidade de Oxford e
principal autora do artigo. “Conhecer os perigos em Itália deve ser uma
oportunidade para Portugal estar mais atento numa fase precoce e proteger estes
grupos.”
Uma vez que os idosos são o grupo de maior risco nesta pandemia
e a população europeia é mais envelhecida, a investigadora diz ser “expectável”
que a mortalidade seja mais elevada na Europa do que na Ásia. “Dada a
experiência com outras síndromes respiratórias, os países asiáticos foram mais
agressivos nas medidas de contenção e controlo, o que terá reduzido o contágio
em sítios como Hong Kong ou Singapura.”
Um caso que foge à lógica da estrutura etária é o do Japão, que
teve poucas vítimas mortais em resultado desta epidemia. “É uma boa questão. A
maioria dos casos do Japão concentrou-se no cruzeiro e não esteve em circulação
na comunidade. O país também foi cauteloso na contenção precoce e é possível
que o número de casos se tenha concentrado em grupos jovens e não tenha
superado a capacidade do sistema de saúde, como aconteceu em Itália, aumentando
assim a probabilidade de sobrevivência”, explica ao Expresso.
Avós vão continuar em risco
Pedro Simas, virologista e investigador do Instituto de
Medicina Molecular (IMM), estima também que a mortalidade possa ser mais alta
na Europa. “Havendo uma maior percentagem de pessoas dentro deste grupo de
risco, é natural que assim seja. Vamos ter de perceber que, enquanto não houver
vacina, este grupo vai continuar a ser de risco”, afirma o especialista,
realçando que os cuidados nos contactos entre jovens e idosos terão de
continuar. “Faz sentido que uma zona do país com mais reformados tenha ajustes
específicos nas medidas de contenção.”
A estrutura etária e a densidade populacional são dois dos
parâmetros usados nos modelos dos epidemiologistas, explica Ricardo Mexia,
presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública. “Mais difícil
de computar nestes modelos é o nível de interação entre gerações. Mas a
estrutura da população e a sua densidade em termos geográficos podem propiciar
a disseminação do vírus.”
Para Tiago Correia, bioquímico e sociólogo no Instituto de
Higiene e Medicina Tropical (IHMT) da Universidade Nova de Lisboa, a ideia de
que os hábitos sociais e culturais influenciaram o contágio em Itália deve ser
replicada para Portugal. “Faz todo o sentido. Portugal é um país com uma ajuda
intergeracional muito marcada, onde os laços familiares perduram mais do que
nos países nórdicos e as redes de sociabilidade são mais intensas”, defende.
“Sabemos que é altamente desaconselhado os pais deixarem os filhos com os avós,
mas acredito que, até mesmo para gerir o trabalho, na fase em que estamos,
muitas pessoas tenham recorrido aos pais por sentirem que precisam de ajuda com
os filhos.”
Portugal com mortalidade baixa
Com 1020 casos positivos, Portugal tinha ontem seis mortos
confirmados, segundo a DGS. É cedo para tirar conclusões, mas para já é uma das
taxas de mortalidade mais baixas na Europa (0,6%). Pior está Itália com 41 mil
infetados e 3405 mortos (8,3%) e Espanha, que ontem tinha quase 20 mil casos e
mil mortos (5%). Já a Alemanha surge como uma espécie de ‘anomalia’ positiva,
com 14 mil casos e 31 mortos (0,2%). Uma das hipóteses é que o contágio inicial
tenha ocorrido entre jovens, que estão fora dos grupos de maior risco de
mortalidade. E esse pode também ser o caso de Portugal. “Começámos com um
padrão de contágio através de um grupo em Felgueiras associado à indústria do
calçado e da moda, que tinha estado em Milão, e um outro grupo de pessoas mais
jovens que foram à neve. É possível que agora o padrão comece a ser corrigido
para as pessoas mais velhas”, explica Ricardo Mexia, presidente da Associação
Nacional dos Médicos de Saúde Pública. Mas há outras explicações para o caso da
Alemanha. Uma delas é o número de testes que estão a ser feitos — cerca de 160
mil por semana. Nem a Coreia do Sul, que fez 15 mil por dia e que foi apontado
como exemplo pelos especialistas, chega a esse nível. “Tem a ver com a
capacidade. E na Alemanha é muito significativa”, afirmou Lothar Wieler,
presidente do Instituto Robert Koch, citado pelo “Financial Times” (Raquel
Albuquerque, Expresso)
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