O digital e as publicações de nicho são algumas das
soluções apontadas pelos protagonistas do sector para os media superarem a
actual crise. Carlos Magno espera que a ERC “seja mais útil ao sector” em 2016.
Nos últimos anos o sector dos media tem estado sob
pressão. A queda das receitas publicitárias, das vendas de jornais e a migração
dos leitores para o mundo digital alterou o cenário da indústria. O que pode
esperar o sector em 2016?
As perspectivas de alguns protagonistas e
especialistas do sector ouvidos pelo Negócios não são muito animadoras. Mas há
um ponto em que todos concordam: a inversão do actual panorama passará pela
aposta no digital.
"O sector tem vindo a atravessar uma fase
difícil, face às mutações tecnológicas e de hábitos dos consumidores, a par do
ambiente económico geral", disse ao Negócios Luís Nazaré, director da
Plataforma de Media Privados (PMP).
Para Joaquim Vieira, ex-provedor do Público e
presidente do Observatório de Imprensa, o cenário em 2016 confirmará o
agravamento da crise. "Isto porque a crise, no caso português, não tem que
ver apenas com a contracção da economia (devido à crise económica e financeira
dos últimos anos), mas também com a crise geral dos media tradicionais, que
estão a ser abandonados pelo público em favor dos media digitais. É nesse
quadro de alteração de um paradigma civilizacional quanto aos modos de
comunicação que a crise dos media deve ser contextualizada", sublinhou.
A migração dos leitores para o mundo online tem
obrigado os meios de comunicação social a reinventarem-se, para não perderem o
comboio da digitalização mas também para captarem receitas publicitárias. Com a
queda da venda de jornais, as audiências passaram a ser o principal chamariz
dos anunciantes. Estará então a morte do papel anunciada? As opiniões
dividem-se.
Luís Nazaré acredita que o papel não morrerá. E
relembra o caso da rádio, "a quem muitos anteviam um final triste".
Porém, "o seu peso tende a diminuir ainda".
Francisco Rui Cádima, professor na Universidade Nova
de Lisboa, antevê que "a morte do jornal em papel é certa, mas difícil de
datar". "Para muitos jornais isso já aconteceu... Para os que vão
ficando, o seu desaparecimento poderá ser rápido, ou a médio, ou longo prazo,
sendo que daqui a 20-30 anos o jornal em papel - a existir - será um nicho de
mercado ou de ‘culto’ muito específico", detalhou o coordenador do
mestrado de Novos Media e Práticas Web.
Por sua vez, António Granado, jornalista e professor
na Universidade Nova de Lisboa, defende que as perspectivas para o papel
"são negras". Tendo em conta que os números em cima da mesa já são
"tão baixos", António Granado tem dúvidas que alguns títulos
impressos se aguentem. "Depende da boa vontade dos patrões dos media a sua
continuação", comenta.
António Granado acredita, contudo, que haverá espaço
para projectos jornalísticos impressos especializados, como de economia e
política.
Já Carlos Magno, presidente da ERC, comenta que
"2016 vai ser o ano da reciclagem digital e da inevitável realidade
reencontrada. Haverá títulos a prolongar a sua metamorfose do analógico para o
futuro em que os diversos grupos terão de assumir a credibilidade das suas
marcas. O ano que vem será duro e difícil mas a diversidade servirá de
alternativa ao buraco negro da agenda mediática".
A bóia de salvação do sector
A baixa rentabilidade tem levado à concentração de
alguns títulos, bem como ao despedimento de profissionais da área. De 2007 a
2014, o número de jornalistas desceu de 6.839 para 5.621, uma redução de 17,8%,
segundo os últimos dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista
(CCPJ).
Em 2015, o cenário de novos despedimentos voltou a
ensombrar o sector com a reestruturação do Sol e do i, que levou à saída de 100
pessoas, o programa de rescisões do Público e a situação financeira complicada
do Económico, que recentemente foi alvo de uma penhora pelo Fisco das receitas.
E apesar dos valores das receitas publicitárias
estarem a recuperar, a indústria não voltará a registar os mesmos valores do
passado, explicou Luís Mergulhão, presidente da OmnicomMediaGroup.
Em Portugal, desde 2013 que se começou a observar uma
recuperação do investimento publicitário, tendo aumentado 10% em 2014 face ao
ano anterior. Em 2015 o crescimento terá rondado 1 a 2%.
Como pode o sector inverter a situação de saída de
profissionais e impulsionar as vendas e, consequentemente, as receitas? Através
da digitalização. Esta parece ser a palavra-chave para o futuro sucesso e
sustentabilidade dos media.
Francisco Rui Cádima defende que o caminho que os
media têm de fazer para ultrapassar a actual crise passa pelo digital. Como?
"Apostando sobretudo na interactividade com o seu público, na inovação, em
novas narrativas/plataformas, na agregação de conteúdos e na especialização
temática. E em sistemas de 'analytics' [análises], isto é, de Search Engine Optimization/Machine
Learning [optimização de motores de pesquisa e conhecimento informático]",
referiu.
O representante dos patrões dos media, Luís Nazaré,
acredita que o sector pode ultrapassar os actuais desafios "a um tempo -
inovando, valorizando, especializando e diversificando os conteúdos
informativos numa lógica multi-plataforma". E, em simultâneo, capturando
novos segmentos e fontes de receitas no meio digital, acrescentou.
"É preciso apostar cada vez mais nas formas
digitais de difundir informação, explorando todos os novos recursos que elas
permitem, porque é aí que está o futuro, e os órgãos convencionais acordaram
tarde e a más horas para essa realidade, reagindo com muita lentidão",
apontou Joaquim Vieira. No entanto, o jornalista frisa que esta aposta não é
"garantia de sobrevivência, dado que a informação via digital ainda não
assegura satisfatoriamente a viabilidade económica dos media. Contudo, acho que
sem ela não haverá saída da crise".
O papel do regulador
Perante o actual cenário do sector dos media, que além
dos problemas que o assombram há anos como a queda das receitas, as recentes
notícias de despedimentos voltaram ao sector. Um panorama que tem de ser alterado pelos gestores dos
grupos de media e não pelo regulador (ERC), segundo os especialistas ouvidos
pelo Negócios.
"Nenhum regulador resolve os problemas da
indústria. O que se espera é que contribua para um ambiente de negócios
saudável e que saiba resolver com inteligência e presteza os conflitos que se
lhe apresentam", considera Luís Nazaré.
Uma opinião partilhada por Joaquim Vieira: "Não
vejo de que forma a ERC poderá contribuir para os media convencionais saírem da
crise. Valerá contudo a pena reflectir sobre se não existirá forma de criar uma
entidade pública independente, blindada às intervenções e pressões políticas e
de outros centros de poder, e dotada financeiramente dos meios necessários,
para apoiar e garantir a publicação de alguns media". Isto porque "a
existência de media independentes, com formas distintas de abordagem da
informação, continua a ser um dos garantes de uma sociedade democrática amadurecida
e saudável", sustentou.
Para Francisco Rui Cádima a solução para o sector sair
da crise "depende sobretudo da gestão e da sua capacidade em reorientar a
estratégia da indústria com parcerias com os operadores de redes e os novos
intermediários digitais", como o Google e Facebook, exemplificou. Uma sugestão partilhada por António Granado, que
também defende que a associação dos media com estes gigantes digitais só traz
benefícios. "Veja-se o que se passou em Espanha", sublinhou o
professor na Universidade Nova de Lisboa, referindo-se à guerra dos media com o
Google que levou à saída do Google News do mercado e, por sua vez, reduziu o
tráfego dos sites.
Já Carlos Magno, presidente do regulador, lembrando
que em 2016 a ERC fará dez anos, diz esperar "que seja mais útil ao
sector. A regulação passa, do meu ponto de vista, mais pela certificação do que
pela punição ou pela coima. Espero que o próximo ano seja regular. No verbo e
no adjectivo. Espero que cada um siga o seu caminho e que os órgãos de
comunicação defendam a sua própria liberdade. Enquadrados sempre pelo seu
estatuto editorial e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos",
concluiu (texto de Sara Ribeiro, Jornal de Negócios)
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