sexta-feira, janeiro 29, 2016

Opinião: Corrupção na política: pondo o Tribunal de Contas de lado? Metendo tudo no mesmo saco? Dando credibilidade a oportunistas de meia-tijela que prejudicam este debate?

Em Portugal não há volta a dar: falar de políticos é falar de um bando de corruptos, falar dos partidos é falar de instituições que não passam de covis de ladrões ou de aldrabões. É assim. Para uma parcela muito ínfima da sociedade, para os que usam as redes sociais para o insulto fácil e generalizado, discutindo ou pronunciando-se muitas vezes, quase sempre, sobre matérias que desconhecem e em relação às quais nunca alguma vez terão competência para isso ou estarão habilitadas pela sua complexidade.
O problema é que as pessoas sabem que os partidos são essenciais à nossa democracia, que sem os partidos corremos o risco da ameaça de um regresso ao passado totalitário. Por isso temos sempre que desconfiar daqueles que criticam por tudo e por nada, catalogando políticos impunemente, porque há, tem que haver, uma intenção concreta subjacente a esta postura.
As últimas eleições presidenciais foram disso exemplo, sobretudo no caso de Paulo Morais, um candidato presidencial parido a martelo e que se julga o dono e senhor absoluto do combate à corrupção em Portugal. Morais, que chegou a ser vice-presidente de Rui Rio na Câmara do Porto, deita-se a pensar na corrupção, dorme a sonhar com corruptos, acorda a pensar na corrupção. De concreto, pouco ou nada. Aliás notou-se no seu discurso redondo e repetitivo, mais do que eventuais sinais de inveja mal curada, uma abusiva generalização da acusação e da insinuação, colocando toda a gente no mesmo caixote do lixo, todos não, todos menos ele, porque ele é o único impoluto, o único que à nascença foi mergulhado num balde de purificação com águas inquinadas.
As pessoas sabem distinguir entre o oportunismo de alguns saloios como Paulo Morais e a realidade, a eficácia da denúncia de factos concretos, não nos meios de comunicação para ganhar espaço e protagonismo mediático, mas junto de entidades competentes e qualificadas para esse combate. As pessoas questionam a fiabilidade do combate aos corruptos e à corrupção em geral feita de forma leviana.
Não tolero políticos corruptos. Renego-os. Não admito partidos políticos transformados num covil  de financiamentos obscuros e de negociatas pouco claras.
Mas não acredito que exista uma vontade séria de combater tudo isso, limitando ou afastando Tribunais que pela sua natureza e vocação deveriam ser chamados a uma intervenção fiscalizadora mais intensa. Aceito que não se combate  a corrupção na política permitindo a manipulação das contas dos partidos, no que às suas despesas correntes diz respeito, ou afastando tribunais competentes e criando leis à pressa para atribuir essa competência fiscalizadora a organismos absurdos - caso da denominada Entidade das Contas dos Partidos que funciona junto do Tribunal Constitucional e a quem foram acrescidas competências em matéria de contas partidárias que roçam o absurdo. Porque confunde-se tudo.
Contas de campanha diferentes de contas dos partidos
Uma coisa são as despesas com as campanhas eleitorais, que passaram sempre e devem continuar a passar pelo Tribunal Constitucional, dado que estão em causa subvenções públicas atribuídas para financiamento das campanhas eleitorais e pagas em função do cruzamento de dados que o Tribunal  Constitucional tem acesso por coordenar todos os processos eleitorais no que à entrega e legalização de documentação diz respeito.
Outra coisa são as contas gerais, excluindo despesas com campanhas eleitorais mas incluindo despesas correntes diárias, dado que estamos a falar de instituições que são financiadas pelo orçamento de estado. Ou seja, havendo dinheiros públicos tem que haver controlo. Não entendo, nunca entendi, como é que uma escola, que é suportada pelo erário público, é fiscalizada pelo Tribunal de Contas, e bem, mas já um partido político, que vive de um misto de financiamento privado - sempre gostaria de saber qual a dimensão desse financiamento e qual a sua origem... - e essencialmente do financiamento, directo ou indirecto, do Estado não tem que ser também fiscalizados pelo Tribunal de Contas, porque os próprios partidos resolveram aprovar legislação que afastou o TC dessa fiscalização.
Mas sobre isso Paulo Morais nada disse. Ele quer é insistir em mariquices provavelmente para desvalorizar esse combate. Morais até envolveu a presidência da República no lote das entidades mal gastadoras, só para dar nas vistas, já que leu de forma distorcida, deliberadamente, o relatório do  Tribunal de Contas. Mas o problema é esse, quando se fala de corrupção? E a outra corrupção, aquela que não envolve partidos e políticos, mas que é paralela à política, o papel de certos gabinetes de advocacia, a promiscuidade de interesses entre sectores da comunicação social e os mundos da politica, das finanças e da economia, etc,etc?
Incompatibilidade em Portugal só para ministros?
Dou-vos um exemplo da hipocrisia neste domínio: a lei portuguesa impede que um ministro, por ter sido ministro, possa exercer cargos em empresas que de uma forma ou de outra estiveram sob a tutela directa do ministério por onde passou. Há um limite temporal a proibir tal promiscuidade.  Acho bem que assim seja. Mas ou comem todos pela mesma medida ou então estamos perante um embuste, mais um.
Um ministro das finanças que de sopeiro do FMI passou a seu funcionário...
Mas tivemos um ministro das finanças, uma das figuras mais patéticas dos últimos anos - falo de Vítor Gaspar - que não passou de um sopeiro rafeiro da troika, incluindo do FMI, que se limitou a cortar tudo e a todos, que pariu o tal "brutal aumento dos impostos", mas que abandonou apressadamente o governo - embora não o tenha revelado - porque estava a negociar a sua ida para o FMI. Ou seja, um ministro idiota que durante anos foi uma vuvuzela do FMI em Portugal, que negociou várias matérias com o FMI, que reportava directamente à troika e ao FMI, vai ganhar 20 ou 25 mil euros mensais, trabalhar para  Nova York sem pagar um cêntimo de impostos em Portugal, como era seu dever depois da roubalheira que esta sinistra e patética figura impôs aos cidadãos para poder apresentar resultados e almofadas financeiras aos seus futuros patrões. Neste caso já ninguém se incomodou com isso. A promiscuidade envolve apenas um ministro que vá para uma empresa em Portugal. Mas já deixa de haver promiscuidade quando um indivíduo abandona o governo, transita para o Banco (do) de Portugal durante alguns meses - uma mudança para enganar as pessoas e disfarçar o que estava a ser congeminado - e vai trabalhar para uma instituição internacional com quem trabalhou servil e directamente durante pelo menos dois anos. Vergonhoso e imoral. Isso é que é preciso resolver. Mas sobre isso Morais cala-se. Ataca os deputados na Assembleia da República como se todos eles fossem um bando de gatunos - claro, na lógica, como diz o povo, de que só o Morais é a "p... séria num bordel" - faz insinuações, inventa, persegue, esconde-se numa vaidade pessoal que vive da comunicação social mas que felizmente teve a resposta adequada e merecida nas últimas presidenciais. O Tino de Rans teve mais votos que ele. Mas será que os portugueses valorizam mais as palermices do Tino em detrimento do combate à corrupção? Claro que não. O problema é que os eleitores lhe deram a resposta, recusando dar uma procuração a Morais que passou o tempo todo a reclamar para si méritos que não tem e generalizando a crítica em vez de clarificar as suas teses ou teorias. Os eleitores disseram é que não querem ser representados por uma qualquer alma de penada pior muito papagaio que ela seja. Os portugueses valorizam com a corrupção, querem partidos limpos, querem políticos sérios, mas não precisa destes Paulo Moais e outras aves do  género que apenas banalizam e ridicularizam esse combate sério à corrupção na política, a todos os níveis e patamares.
Dívida só de 40 milhões?
É voz corrente - embora não acredite nesses valores, porque penso que ninguém os divulga publicamente - que os partidos políticos com representação parlamentar deviam em Agosto de 2015 cerca de 40 milhões de euros. Segundo foi noticiado, as dívidas dos partidos com assento parlamentar chegavam, no final do ano passado, a 34,5 milhões de euros, valor que na realidade poderia chegar aos 40 milhões de euros. O PS tinha o passivo mais elevado, mais de metade do valor total, mas os socialistas não especificaram o que diz respeito às contas das eleições primárias nos documentos enviados para a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos. Segundo a imprensa, o PS conseguiu pagar em 2014 cerca de 10 milhões de euros da dívida, que em 2013 chegava aos 29 milhões. O PS é seguido pelo PSD de Pedro Passos Coelho, cujo passivo atingia os 10,3 milhões de euros, menos 5 milhões que em 2013. Uma redução de passivo que também se verificou nas contas do CDS (menos quase 700 mil euros para 703 mil euros) e do Bloco de Esquerda (menos 1 milhão para 323 mil euros). Só o passivo do PCP aumentou, de 105 mil euros para 4 milhões.
O que é a Entidade de Contas dos Partidos?
A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, ECFP, é um órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional e que tem como atribuição coadjuvá-lo tecnicamente na apreciação e fiscalização das contas anuais dos partidos políticos e das contas das campanhas eleitorais para todos os órgãos do poder político de base electiva (Presidente da República; Assembleia da República; Parlamento Europeu – Deputados portugueses; Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas; órgãos electivos das autarquias locais).  Foi criada pela lei nº 19/2003, de 20 de Junho, relativa ao financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, a ECFP é regulada, quanto à sua organização e funcionamento, pela Lei Orgânica nº 2/2005, de 10 de Janeiro. Foi efectivamente constituída e iniciou funções em 30 de Janeiro de 2005. A ECFP é composta por um presidente e dois vogais, devendo um destes, pelo menos, ser revisor oficial de contas. São eleitos pelo Tribunal Constitucional, em plenário, por maioria de oito votos, por um período de quatro anos, renovável uma vez, em lista da iniciativa do seu Presidente. É liderada presentemente por Margarida Salema d’Oliveira Martins, tida como próxima do PSD e a ela juntam-se os vogais José Paulo Magalhães Gamito Carrilho, jurista, e Leonel Manuel Dias Vicente, licenciado em Gestão de Empresas, pelo ISCTE.
A mudança em Janeiro de 2015
Uma lei de Janeiro de 2015 veio revelar um pouco como as coisas funcionam. De facto, recordo, os seis partidos com representação na Assembleia da República na Legislatura anterior - PSD, PS, CDS,  PCP, Bloco e Verdes - entregaram um projecto de lei, que seria aprovado, que retirou ao Tribunal de Contas (TdC) a competência para fiscalizar as subvenções atribuídas aos grupos parlamentares, passando-as para a alçada do Tribunal Constitucional (TC). Este episódio, um braço-de-ferro que dura há anos, com os partidos de um lado e os dois tribunais do outro, foi associado ao chamado "jackpot" da Madeira.
Ou seja, desde então - Janeiro de 2015 - o Tribunal de Conta (que tem mais poderes que o Constitucional, por exemplo na exigência de devolução de dinheiro) ficou afastado da fiscalização às subvenções atribuídas aos grupos parlamentares. A lei não deixou dúvidas: cabe ao TC "apreciar a regularidade e a legalidade das contas dos partidos políticos, nelas incluindo as dos grupos parlamentares".
Resultados eleitorais: a derrota pessoal de um Morais insignificante
A nível nacional Paulo Morais obteve 99.950 votos, um resultado absolutamente normal para uma candidatura presidencial e uma campanha eleitoral totalmente mediatizada. Em 10 milhões de eleitores apenas pouco menos de 100 mil valorizam o combate à corrupção?  Claro que não. O que há é uma derrota pessoal de Morais reduzido a uma insignificância de 2,2% que o levam a ter que pedir apoio público - donativos - para pagar as despesas da campanha eleitoral. Algo que devia ter pensado antes porque era mais do que previsível quer lhe aconteceria isto. Eu até pensei que o afundanço seria maior.
No caso da Madeira - onde se fala muito de corrupção e de corruptos, onde todos parecem ser uma cambada de corruptos e de ladrões, onde os partidos estão mergulhados numa permanente desconfiança e onde se criou uma onda de contestação (?) mediatizada em torno do chamado "jackpot" - Morais não foi além de uns míseros 2.700 votos, menos de 3%. Significa isto que apenas estes eleitores madeirenses estão preocupados com o combate à corrupção? Claro que não. Os eleitores não precisam destes Morais saídos da toca quando querem ganhar visibilidade pessoal por via da mediatização, sabem distinguir o trigo do joio e acreditam que paulatinamente serão tomadas medidas que garantirão partidos políticos mais transparentes e limpos a políticos cada vez mais sérios e longe de qualquer suspeição (LFM)

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