domingo, janeiro 24, 2016

Reposição de rendimentos é 33% mais baixa do que diz o governo....

Governo tenta abordagem mais baseada em consumo e investimento para diluir peso do défice. Mas sobe alguns impostos. A reposição de rendimentos anunciada pelo governo no esboço do Orçamento do Estado para 2016 (OE 2016) é bastante menor (menos 33%) do que parece por causa do aumento de impostos que acompanha a proposta. É uma ajuda importante para reduzir o défice para 2,6% do produto interno bruto (PIB) em vez dos 2,8% previstos anteriormente no programa do executivo do PS. A economia avança 2,1%, diz o draft, naquela que é a projeção mais otimista entre todas as previsões disponíveis (Banco de Portugal, CE, FMI, OCDE).
Ao contrário do dia anterior, Mário Centeno, o ministro das Finanças, chegou à hora prevista ao salão nobre do ministério, em Lisboa, para apresentar o documento enviado nesse momento para Bruxelas. Mostrou-se mais bem preparado e descontraído do que na véspera, mas teve dificuldade em responder ao problema dos riscos negativos crescentes que pendem sobre a economia da zona euro (ainda nesta semana referidos por Mario Draghi, do BCE) e à forma como isso pode interferir negativamente com os planos orçamentais deste ano. Disse apenas que a projeção para as exportações é "cautelosa", que conta com a força das economias espanhola e alemã e rematou: "Temos de aceitar que todos os exercícios de previsão têm riscos." O Conselho das Finanças Públicas acusou preocupação com as hipóteses de base (ver pág. 7).
Há razões para desconfiar: nos últimos dez anos, pelo menos, acertar previsões não tem sido a especialidade dos sucessivos governos e ministros das Finanças em Portugal (nos outros países idem). Que o diga Vítor Gaspar.
10 medidas explicadas
Um OE três em um
"Este é um Orçamento responsável", garantiu Centeno, que vendeu o seu primeiro OE como uma proposta três em um: "favorece o crescimento e a criação de emprego", "melhora a proteção social" ao mesmo tempo que "assegura o rigor das contas públicas, reduzindo o défice e a dívida". Como se faz tudo isto ao mesmo tempo? A pedra angular do governo é o chamado pacote da reposição de rendimentos. Haverá uma "saudável recomposição fiscal" que agrava impostos indiretos, mas alivia os diretos (muito pela devolução da sobretaxa" e vamos assistir à "recuperação dos rendimentos da população", acenou o ministro. Mais dinheiro, mais PIB, mais fácil diluir o peso do défice e da dívida.
Reposição com imposto de fora
No esboço, a "recuperação de rendimentos" está alicerçada em três grandes medidas: reversão de cortes salariais públicos (446 milhões de euros), eliminação parcial da sobretaxa do IRS (430 milhões) e reposição de mínimos sociais (RSI, CSI, abono) no valor de 135 milhões. Mas há mais medidas que podem engrossar o bolo. De acordo com cálculos do DN/Dinheiro Vivo, a atualização das pensões mais baixas dá mais 80 milhões aos seus beneficiários; o fim da suspensão do complemento de pensão dos aposentados dos transportes públicos gera mais 15 a 19 milhões de euros; a redução da taxa social única paga pelos trabalhadores com salário bruto até 600 euros dá mais 130 milhões de euros. No total o pacote rendimento ascende a 1,2 mil milhões de euros a mais para as famílias.
Esquerda elogia Orçamento, mas diz que cheque ainda não está assinado
Mas o lado mau (para o bolso das famílias), tal como admitiu Centeno, é que a redução do défice também será paga em parte por elas através de um agravamento de impostos estimado em 0,21% do PIB, cerca de 400 milhões de euros. Mais os impostos sobre o tabaco, de selo e sobre os combustíveis (mais o clássico combate à fraude e evasão). Logo, em termos líquidos o agregado familiar receberá no âmbito desta operação 800 milhões de euros. É menos 33% face aos 1,2 mil milhões.Em todo o caso, há injeção de rendimentos, sobretudo nas camadas mais carenciadas. A ideia subjacente (já vinha do programa do PS) é: as pessoas têm mais dinheiro no bolso, consomem mais, geram mais receita fiscal e isso ajuda o défice e a faturação das empresas. É visto com um impulso à criação de emprego e redução do desemprego. Ainda assim, o emprego cresce uns anémicos 1%. Já o desemprego desce de 12,3% para 11,2% da população ativa. Centeno disse até que espera reverter o êxodo de "talentos", que esses emigrantes podem levar a economia para a frente. E não teme que mais consumo faça explodir as importações. A propensão ao consumo das famílias visadas (mais pobres) vai mais para comida e bens básicos do que para carros e barcos. As Finanças estimam que o consumo de bens duradouros "desacelere".
E para as empresas?
O governo promete medidas para a "capitalização e diversificação do financiamento das empresas" e acelerar o acesso aos fundos europeus. Espera gerar mais investimento privado sem tanto recurso a dívida bancária. Até porque os bancos não estão muito disponíveis e capazes para manter os fluxos de crédito do passado. A má notícia é que a taxa de referência do IRC fica em 21% em vez de descer para 20%, como programou o governo do PSD-CDS.
Este OE cumpre?
O ministro não quis dramatizar, mas há vários números no OE preliminar que lhe podem dar dissabores quando se reunir com a troika e com os colegas do Eurogrupo e Ecofin. O défice pode estar a caminhar para 2,6%, o que sinaliza vontade em cumprir o pacto, mas a dívida, embora desça, continuará nuns proibitivos 126% do PIB no final deste ano, mais do dobro do limite do tratado. Pior: há garantias pessoais do Estado no valor 12,3% do PIB (23 mil milhões de euros) que, se acionadas, podem fazer descarrilar a dívida ou o défice.
O segundo grande problema é o do esforço orçamental português medido através do ajustamento estrutural. O pacto pede que este défice caia pelo menos 0,5 pontos ao ano. O governo promete 0,2.
É o dobro do ritmo da zona euro, é certo, mas, à luz do pacto, incompatível com o estado geral das contas pública. O défice efetivo final de 2015 ficou em 4,2% por causa do Banif. Seria 3% sem o resgate. Desde 1995 (em 20 anos), Portugal só não violou o pacto duas vezes e teve défice de 3% em 1999 e 2007 (DN-Lisboa)

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