terça-feira, novembro 28, 2023

Expresso - Sindicatos dos Bordados da Madeira fecha... por falta de associados

Da indústria dos bordados da Madeira sobra uma fábrica e cerca de 400 bordadeiras de casa, a maioria com mais de 45 anos. O sector, que chegou a empregar milhares de mulheres, corre o risco de desaparecer. O sindicato, ícone das lutas laborais do pós-revolução, fechou quando a empresa onde trabalhava a presidente abriu falência. Ana Paula foi dobradeira e consertadeira, duas categorias profissionais em vias de extinção como todas as outras funções desempenhadas pelas trabalhadoras das casas de bordados. A fábrica onde começou a trabalhar chegou a ter 250 funcionários. Quando encerrou, em 2022, eram apenas sete. Ana Paula Rodrigues estava nesse lote de resistentes, dedicou 38 anos ao sector e à luta sindical.

E coube-lhe a amarga missão de ser a última presidente do Sindicato dos Bordados, ícone das lutas laborais na Madeira do pós-revolução. Ainda assim, antes de fechar as portas, conseguiu negociar salários das trabalhadoras das fábricas e estabelecer a tabela dos preços pagos às bordadeiras de casa por cada 100 pontos de bordado. “O que conseguimos foi 2,12 euros por cada 100 pontos”. Esta é ainda a tabela em vigor.

Foi a última negociação numa altura em que era cada vez mais complicado manter o sindicato a funcionar. As fábricas, que chegaram a ser perto de 50, encerraram quase todas e “era cada vez mais difícil cobrar quotas”. Quando a empresa onde trabalhou 38 anos – a Patrício Gouveia - abriu falência e passou a ser apenas um bazar de visita percebeu que a luta, o sindicato já não fazia sentido.

Para trás ficaram anos de trabalho e de sindicalismo. A vida das mulheres das casas dos bordados – o nome que tinham as fábricas de bordado Madeira – não era fácil, recebiam pouco e tinham má fama. “Eu lembro-me do que contavam as mais velhas, quando as mulheres dos bordados eram consideradas putas e bilhardeiras (cosculheiras)”. Em 1986 o quadro já era outro, mas ainda assim duro.

Os anos dourados do sector tinham passado, mas ainda era uma indústria relevante na Madeira. Não tinha a pujança que permitiu aos industriais dos bordados legar um aquário municipal ao Funchal e construir dois bairros para funcionários, mas em casa, na periferia do Funchal e nas zonas rurais, milhares de mulheres bordavam os tecidos estampados que as agentes traziam das casas de bordados. E bordavam roupa, toalhas de mesa, lençóis que, depois, essas mesmas agentes levavam de volta às fábricas.

Ana Paula fazia parte das mulheres – que representavam 90% do sector – que estavam nas fábricas, onde o processo de pós-produção passava por muitas mãos: as que recebiam, as que verificavam, as que lavavam, engomavam, consertavam e faziam o trabalho de costura, cada função correspondia a uma categoria profissional.

“Eu era dobradeira e consertadeira, tinha de dobrar o trabalho, tanto o que ia para venda em loja como o que era para exportar”. Os bordados eram, a meio dos anos 80 do século XX, uma fonte de receita que concorria com o vinho e a banana. Os bordados eram despachados para o Reino Unido, para Itália e para os Estados Unidos.

Os industriais debatiam-se já com alguns problemas. Havia cada vez menos mulheres interessadas em bordar ou em trabalhar nas fábricas, os salários da hotelaria eram melhores. Além disso, organizadas em sindicato, as trabalhadoras conseguiam pequenas vitórias, a mais importante terá as linhas gratuitas para as bordadeiras. Até meados dos anos 80 as linhas eram descontadas ao preço de cada trabalho.

E se de fora chegava a concorrência da China e da Índia, o Instituto do Vinho, Bordado e Artesanato resistia a selar como autêntico todos os artigos mais inovadores.

“Não nos selavam o trabalho com Bordado Madeira autêntico”, lembra Susana Vacas, da Bordal, a última casa de bordados que ainda funciona na Madeira. Susana, e o marido, João, tem feito tudo para manter as portas abertas e um negócio a dar lucro. Os tempos da resistência à inovação passaram. “A inovação é a única maneira de nos mantermos”. A Bordal tem loja online e, além dos artigos clássicos, aposta na moda e no luxo.

“Temos de transformar o bordado num produto de luxo”, explica João Vacas que, nos últimos 20 anos, comprou fábricas e os espólios das casas de bordados que fecharam. Foi com o espólio da última casa que fazia tapeçarias que Susana, que é a parte criativa da empresa, lançou uma linha de sacos e malas. “São únicos, são peças todas diferentes”.

A próxima aposta são colares em bordado. “A ideia é apostarmos na moda, com menos trabalho das bordadeiras”. Bordar é demorado, exige tempo e, na Madeira, há cada vez menos mulheres dedicadas ao trabalho. “A maioria tem mais de 45 anos, as mais experientes e talentosas têm mais de 65 anos”.

Para a Bordal trabalham 400 bordadeiras, 20 costureiras, todas fora da fábrica. Na casa, a estrutura continua a ser tal e qual como há 150 anos, quando se industrializou o bordado e o estabeleceu como o conhecemos. Há desenhadores, picotadeiras, estampadeiras, lavadeiras, consertadeiras, dobradeiras. A ideia é sempre a mesma: aliar a tradição ao moderno.

O bordado pode ser menos, mas mantém os pontos e usa os mesmos tecidos: linho, algodão, cambraia e organdy. E, apesar de todas as inovações e de já ter participado na Semana da Moda de Paris, continua a ter à venda as toalhas de mesa. E as bordadeiras continuam a fazê-las num processo que, tal como há 150 anos, continua a demorar o mesmo tempo.

Uma toalha de mesa, daquelas mais ricas, leva dois anos a ficar pronta. Pelo trabalho recebe 550 euros, mas João Vacas garante que, quase sempre, paga mais 20 a 30% do valor estabelecido, dos 2,12 euros por 100 pontos de bordado. E também diz que, ali, nunca ninguém vai para casa sem trabalho. “Nem que seja para fazer stock”.

E numa indústria reduzida a uma fábrica e cada vez menos mulheres a bordar com tanta incerteza, com menos mulheres a bordar, fazer stock é, na verdade, preparar-se para o futuro (Expresso, texto da jornalista Marta Caires e fotos de Duarte Sá)

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