sexta-feira, novembro 17, 2023

Quanto duram os governos na Europa? E por cá?

Em quase 50 anos e 23 governos de Portugal democrático, apenas seis chegaram ao final previsto do mandato. António Costa é o sexto primeiro-ministro a escolher deixar o cargo, mas é a primeira vez que isso acontece devido a um processo judicial que envolve o chefe do Governo. No dia 9 de novembro, em sete minutos, após dois dias e um passeio noturno de silêncio, o Presidente da República disse ao país que tinha aceitado a demissão do primeiro-ministro do XXIII Governo Constitucional. “Pela primeira vez em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de diligências relativas a investigação em curso, respeitando a terceiros, uns seus colaboradores outros não, que ia ser objeto de processo autónomo a correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça.”

A renúncia do chefe de Governo foi a razão mais comum para a interrupção de uma legislatura na democracia portuguesa. Cinco líderes do Executivo cortaram o seu mandato precocemente antes de António Costa. José Sócrates, em 2011, renunciava ao cargo depois da rejeição, na Assembleia da República (AR), do Programa de Estabilidade e Crescimento. Durão Barroso, em 2004, trocou o assento do Governo pelo da presidência da Comissão Europeia. Antes, António Guterres pedia a demissão a Jorge Sampaio para impedir que o país caísse num “pântano político” inevitável, na sequência da derrota nas eleições autárquicas de 2001. Francisco Pinto Balsemão serviu dois mandatos como primeiro-ministro e pediu demissão em ambos, tendo alegado “muita oposição, muita incompreensão e mesmo algumas traições” dentro da Aliança Democrática, que passou a liderar depois da morte de Sá Carneiro, em 1980 (a única vez que um Governo caiu devido à morte do seu líder). Por fim, Carlos Mota Pinto, nomeado por Ramalho Eanes, apresentou em 1979 a sua demissão, depois de ver rejeitada por duas vezes as grandes opções do plano. Sucedeu-lhe Maria de Lourdes Pintasilgo, a única mulher a ocupar o cargo. Em três destes casos (com Pinto Balsemão em 1982, Guterres em 2001 e Sócrates em 2011), a demissão foi acompanhada pela dissolução da AR, tal como acontece agora.

Em quase 50 anos de democracia e 23 Governos, apenas seis duraram até ao final previsto do mandato de quatro anos. A infância da democracia em Portugal, com seis Governos provisórios entre 1974 e 1976 e a sucessão de dez Governos diferentes em menos de dez anos, foi marcada por uma “grande instabilidade política”, destaca o relatório “Governo e Perfis Ministeriais em Portugal”, publicado este ano pelo Observatório da Qualidade da Democracia (OQD). O mesmo refere que “até 1987, data da primeira maioria absoluta monopartidária, nenhum Governo conseguiu cumprir integralmente uma legislatura”. Ainda assim, segundo Lúcio Hanenberg, membro do OQD, “a democracia portuguesa é considerada um regime estável, resistente a alguns abalos nacionais e internacionais”, para o qual contribui “o próprio sistema eleitoral, que se tem revelado um fator de equilíbrio entre a proporcionalidade e governabilidade, o facto de os partidos tradicionais de governo continuarem a serem relevantes eleitoralmente”, ou ainda a moderação dos Presidentes da República, que “têm vindo a interpretar o seu papel de forma mais de ‘vigilante da democracia’ e raramente terem intervindo na política quotidiana — com as exceções evidentes”. Nos últimos 37 anos, no entanto, houve apenas 13 Governos, com sete primeiros-ministros. Para o doutorando de Política Comparada no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL), “certamente a presença de Portugal na União Europeia teve o seu papel nisso”.

Foi só em 1991 que um Governo, com Cavaco Silva ao leme pela segunda vez, conseguiu chegar ao termo previsto da legislatura. A década do cavaquismo ficou fechada com um terceiro mandato integralmente cumprido em 1995. Guterres e também Sócrates, Passos Coelho (nos anos da troika) e Costa cumpriram integralmente os seus mandatos. “Apenas os executivos maioritários de um só partido aparentam ter uma esperança média de vida coincidente com os quatro anos da legislatura. Sendo condição suficiente para a estabilidade governativa, uma maioria monopartidária não deve ser encarada como uma condição necessária”, lê-se no relatório de André Paris para o OQD. Tal comprova-se com o PS, que, nas mãos de Guterres e Costa conseguiu sobreviver com Governos minoritários. Por outro lado, a maioria absoluta “personalizada” de Costa terminou agora, três anos antes do previsto.

O Expresso fez as contas à duração dos Governos portugueses a partir de 1976, contando o tempo a partir da data de uma tomada de posse até à seguinte. Em média, os Governos da democracia portuguesa duraram pouco mais de dois anos, quase metade da duração normal de uma legislatura. O mais curto Governo constitucional durou menos de um mês — no segundo mandato de Passos Coelho, em 2015, devido a uma moção de rejeição ao programa de Governo apresentada pelo PS. Foi a primeira vez que um Governo caiu a partir da rejeição do programa.

UMA EUROPA DIVERSA

A Constituição democrática de 1976 estabeleceu para Portugal um sistema semipresidencialista no qual o poder executivo está atribuído ao Governo, contrariamente a outros sistemas semipresidencialistas em que este poder é partilhado com o Presidente da República. No entanto, dominam na Europa repúblicas e monarquias parlamentares, em que o chefe de Governo não é eleito diretamente pela população, mas pelo partido com mais assentos no Parlamento. Uma análise do Pew Research Center aos Governos parlamentares europeus, no início deste ano, concluiu que a maioria destes 22 países tiveram pelo menos uma mudança de Executivo a cada par de anos. Na Bélgica, Estónia, Finlândia, Itália, Letónia, Polónia e Eslovénia houve, no mínimo, duas transições por cada mandato de quatro ou cinco anos, em média. “Um sistema parlamentar tem sempre de dialogar entre si, visto que o Parlamento é o único ator de relevo que pode ditar o futuro”, considera Lúcio Hanenberg. “Como em alguns casos o próprio Parlamento pode não estar interessado em eleições, para continuar a existir, pode resolver de formas diferentes, como foi no caso da Alemanha na transição do Governo de Helmut Schmidt e Helmut Kohl, em que o Parlamento passou uma moção de censura ‘construtiva’, isto é, nomeou logo uma alternativa governativa.” Ou o Reino Unido, que teve três primeiros-ministros ao longo de 2022, mas nem Liz Truss nem o atual líder Rishi Sunak foram a eleições.

Itália, juntamente com Bélgica e Finlândia, lidera os Executivos com menos tempo de vida, nem chegando em média a um ano de duração. O doutorando do ICS-UL toma Itália como “exemplo extremo” de instabilidade governativa histórica, caracterizada pela “desigualdade política de norte a sul” e a “sua constante alteração de alianças partidárias”. O Presidente italiano dissolveu o Parlamento e convocou eleições em 2022 depois da (segunda) demissão do primeiro-ministro Mario Draghi. Em setembro, tomou posse o Governo italiano mais à direita desde a II Guerra Mundial, liderado por Giorgia Meloni. No mesmo tempo em que a Itália passou por 29 chefes de Governo, a Alemanha, com uma duração média de mandato de 2,89 anos, teve nove chanceleres. Já Luxemburgo e Malta lideram os países europeus com maior taxa de cumprimento da legislatura de cinco anos: 4,55 e 4,03 anos, respetivamente.

Em caso de crise política, a história de Portugal mostra uma preferência pela decisão tomada por Marcelo de devolver “a palavra ao povo, sem dramatizações nem temores”, como disse o Presidente a 9 de novembro. No relatório do OQD, que analisa os mandatos da democracia, compreende-se que há um empate, 10-10, entre o número de Governos liderados pelo PS e pelo PSD. Qual será o próximo? Esperemos por 10 de março. “É essa a força da democracia. Não ter medo do povo.” (Expresso, texto da jornalista Inês Loureiro Pinto e infografia de Carlos Esteves)

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