terça-feira, novembro 28, 2023

Expresso: Alberto João Jardim defende “uma grande frente, incluindo o Chega, para derrotar o socialismo e o comunismo”

Ex-presidente do governo regional da Madeira celebrou o 25 de Novembro em Câmara de Lobos e conversou com o Expresso sobre uma aliança de toda a direita, entre o PSD, o CDS e o Chega. “Se a solução é esta, vamos a esta”, diz. Deixa avisos ao seu partido e uma provocação a Pedro Nuno Santos

“Neste momento, é preciso ver que tipo de bloco é possível fazer entre o CDS e o PSD, que contributo ambos podem dar para fazer um grande partido de massas ao centro-direita”, é a proposta que Alberto João Jardim lança no dia do Congresso do PSD que prepara as eleições antecipadas de 10 de março. Mas o governante que permaneceu mais tempo em funções na democracia portuguesa vai mais longe no desafio à sua área política. Não é apenas uma fusão entre velhos aliados, mas também uma coligação com os novos concorrentes. “Eu hoje defendo que deve haver uma grande frente, incluindo o próprio Chega, para derrotar o socialismo e o comunismo”. Caso necessário, até com presença no executivo. “Se for preciso uma coligação governamental, defendo que seja feita”, adianta, em divergência ou antecipação face ao restante PSD.

E o veterano dos sociais-democratas tem argumentos na manga. “Neste momento, estão partidos de extrema-direita em vários governos da Europa. Em nenhum deles se verificou qualquer atentado à democracia ou violação da normalidade democrática. Estão ali, direitinhos, a cumprir a Constituição. Não se derrota a extrema-direita com as tiradas da esquerda. Derrota-se, obrigando-a a cumprir o jogo democrático e esvaziando-a dentro do jogo democrático”, é a tese de João Jardim, revelada ao Expresso esta tarde. “A direita democrática só derrotará a esquerda e a extrema-direita se, perante a derrota da esquerda, colocar a extrema-direita numa área de poder em que esta cumpre a Constituição e deixa de ser qualquer tipo de ameaça”, concretiza.

Não será irónico ou pelo menos um sinal dos tempos que o orgulhoso detentor de dez maiorias absolutas surja a defender uma federação de direitas tão díspares? Jardim nega a incongruência. Não. Se fui um homem de maiorias absolutas durante 40 anos é porque soube ser pragmático. Se a solução é esta, vamos para esta, desdramatiza.

“O CDS era o Chega. Os seus quadros não tinham nada a ver com a extrema-direita, mas as bases eram o que hoje é o Chega. No dia em que apareceu o Chega, mudaram-se de armas e bagagens para o seu lugar natural”, analisa ele, que sempre tratou os democratas-cristãos como “partido-irmão” apesar das devidas distâncias eleitorais.

“Portugal foi feito por três grandes instituições: a Igreja, as Forças Armadas e a Universidade. Retiraram-se todas. Aburguesaram-se todas. E a sociedade, como a física, não mantém vazios. Criámos, alegremente, uma religião oficial do Estado: o socialismo. Os seus seguidores são-no por fervor ou clubismo. E esta é uma degradação da política portuguesa”, considera. Os grandes responsáveis? “Os portugueses”. E porquê? Elenca.

“Depois de Mário Soares não ter chegado ao fim de nenhum dos seus governos, de Guterres que está hoje nas Nações Unidas sem ter resolvido um problema no mundo ter abandonado as funções de primeiro-ministro deixando o país num pântano, de Sócrates, que foi o que foi, e de Costa, que sai acusado de ser investigado, continua-se a acreditar no socialismo? Só pode ser um fenómeno religioso, não?. A pergunta é retórica, mas Jardim salta para a seguinte. É isso que, no seu entender, explica as sondagens.

“O PSD não voltou a ser o antídoto que foi em relação ao socialismo e ao comunismo, como foi quando era um partido de massas. Não se pode combater partidos de massas sem sermos um partido de massas. E o PSD já não é um. Não se consegue derrotar partidos de dialética marxista sem trabalharmos nós próprios a nossa dialética”. E como, afinal? “Um populismo de massas, um movimento que chame os portugueses ao que os portugueses querem”, projeta. “É preciso acabar com a vergonha da compra de votos com dinheiros públicos. O Partido Socialista criou uma clientela de gente que não gosta nem quer trabalhar, que implicou ir buscar imigrantes e que destruiu a classe média só para sustentar esse eleitorado”, acusa.

COSTA E MARCELO “SÃO AMBOS RESPONSÁVEIS”

Acerca da crise política, a seu ver, Costa fez bem em demitir-se (“Foi uma atitude digna”) e Marcelo fez bem em dissolver (“Não havia outra solução”), mas “são ambos responsáveis” por termos chegado até aqui. “O fracasso é dos dois. A situação em que hoje estamos é o fracasso dos dois”, acusa. “O que ainda me apaixonaria hoje, aos 80 anos, seria voltarmos ao combate de massas com ideias concretas para o país e acabarmos de uma vez com este clima em que o Estado se tornou um parceiro de negócios”, aponta, em ensaio de oposição.

Numa reflexão sobre o seu longo percurso público, o madeirense, que adorou estudar em Lisboa, onde fez quatro cadeiras, e em Coimbra, onde terminou Direito, modera: “Em política vamos ao encontro do povo, mas não apenas para fazermos o que o povo quer. É uma intercomunicação. Uma pedagogia mútua. Aprendemos com o povo e explicamos ao povo. Ouvimos o que ele quer e dizemos-lhe quando não tem razão. Sem essa relação não há política”.

O Expresso cruzou-se com Alberto João Jardim numa subida em Câmara de Lobos, na Madeira. O histórico social-democrata preferiu comemorar o 25 de Novembro na sua ilha a marcar presença no congresso em forma de comício de Luís Montenegro, em Almada. Em conversa, explica porquê. De fato e gravata largos e distendidos, está bem-disposto. O sol embate-lhe numa vista assolada por alergias que só apareceram “com a idade”. A luz incomoda-o e força-o a caminhar, mas não evitando pessoas. Continua a ter “rua”, como se diz na gíria. Dois beijinhos aqui, um “que bom vê-la” ali. Fez questão de ir à conferência dedicada à data, o 25 de Novembro, e quebrou a sua habitual rotina de sábado: mergulho de manhã, caminhada antes de almoço, refeição em família, leituras de tarde e um tweet sobre política nacional.

O “GOSTO PELA PÓLVORA”

Antes de um bife com ovo cavalo um clássico seu , bebe meio Martini, mascando o limão até à casca. Octogenário, respira política. Já sente frio e evita correntes de ar. Os filhos e o futuro são as duas constantes. O seu PSD e o seu arquipélago as preocupações.

Tem saudades do combate e não o esconde. “A vida política tem um certo elã, um certo gosto pela pólvora”, sorri, sem nostalgias. “Eu gosto do combate político, desde que seja dentro das normas de ética e de respeito”, salienta. Mas não se sentiu tentado a ir à reunião magna ainda que estatutária do PSD, este fim-de-semana. Não me sinto sequer tentado pelo partido hoje, confessa. Por muito duro que seja alguém dizer isto, tendo ajudado a fundar o PSD aqui na Madeira, tenho de o dizer. O meu PSD é um partido de massas, de combate, que tem como adversário os inimigos da Democracia”, descreve. “Não é um partido que anda nestas jogatanas partidárias, como andam hoje, ou atrás do politicamente correto”.

“O PSD de massas e com valores e há uma perda de valores transversal nos partidos de hoje precisa de referências, de objetivos. E este PSD não cativa porque não tem nada disso. Nem massas, nem combate, nem referências, nem objetivos. Tem uns almoços. Não tem dinamismo. Está a ser ultrapassado pela história, desfere.

Com o casaco pendurado nas costas da cadeira, João Jardim não impõe limites à conversa, nem regionais, nem temporais. Sobre o futuro do PS, é cáustico. “Pedro Nuno Santos? Faz parte do anedotário da esquerda portuguesa. Desde quando é que os ricos dão líderes socialistas travestidos de comunistas?”. Sobre as consequências da ida às urnas em março, deixa claro: “Eles, eles, têm obrigação, o-bri-ga-ção, de ganhar. É a obrigação deles. Se não ganharem, que tirem as ilações de faltarem à sua obrigação. Nem penso, se perderem as eleições, que ainda se atrevem a ir às europeias”, adverte, visando vincadamente a direção nacional de Luís Montenegro. “Foram eles, eles, que meses antes das últimas eleições quiseram deitar abaixo o Rui Rio. Que moral têm para se agarrarem ao poder?”, inquire.

Sobre os equilíbrios de poder regionais que Miguel Albuquerque estabeleceu após falhar a maioria absoluta, Alberto João Jardim pausa, medita e atribui-lhe o mesmo pragmatismo que enaltecera minutos antes. “Sim, é pragmatismo, sem dúvida. Mas é o tempo que vai dizer se é ou não demasiado pragmatismo. Eu tenho uma certa esperança que esses partidos pequeninos [o PAN] tomem o gosto pelo poder”, deixa no ar. Sobre o passado, que foi o seu, não mudaria a estratégia mas reconhece erros. “Ninguém é perfeito. Há várias coisas que podem não ter corrido bem. Mas a única coisa de que me queixo e só a mim mesmo é esta: não ter percebido quem eram e quem não eram as verdadeiras pessoas fiéisE sem esperar por nova questão, ergueu-se da cadeira e, satisfeito, desceu as escadas passando as mãos pelos cabelos dos miúdos que corriam pela sala. “Portem-se bem”, despediu-se (Expresso)

Sem comentários: