Ex-presidente do governo regional da Madeira celebrou
o 25 de Novembro em Câmara de Lobos e conversou com o Expresso sobre uma
aliança de toda a direita, entre o PSD, o CDS e o Chega. “Se a solução é esta,
vamos a esta”, diz. Deixa avisos ao seu partido e uma provocação a Pedro Nuno
Santos
“Neste momento, é preciso ver que tipo de bloco é
possível fazer entre o CDS e o PSD, que contributo ambos podem dar para fazer
um grande partido de massas ao centro-direita”, é a proposta que Alberto João
Jardim lança no dia do Congresso do PSD que prepara as eleições antecipadas de
10 de março. Mas o governante que permaneceu mais tempo em funções na
democracia portuguesa vai mais longe no desafio à sua área política. Não é
apenas uma fusão entre velhos aliados, mas também uma coligação com os novos
concorrentes. “Eu hoje defendo que deve haver uma grande frente, incluindo o
próprio Chega, para derrotar o socialismo e o comunismo”. Caso necessário, até
com presença no executivo. “Se for preciso uma coligação governamental, defendo
que seja feita”, adianta, em divergência ‒ ou
antecipação ‒ face ao restante PSD.
E o veterano dos sociais-democratas tem argumentos na manga. “Neste momento, estão partidos de extrema-direita em vários governos da Europa. Em nenhum deles se verificou qualquer atentado à democracia ou violação da normalidade democrática. Estão ali, direitinhos, a cumprir a Constituição. Não se derrota a extrema-direita com as tiradas da esquerda. Derrota-se, obrigando-a a cumprir o jogo democrático e esvaziando-a dentro do jogo democrático”, é a tese de João Jardim, revelada ao Expresso esta tarde. “A direita democrática só derrotará a esquerda e a extrema-direita se, perante a derrota da esquerda, colocar a extrema-direita numa área de poder em que esta cumpre a Constituição e deixa de ser qualquer tipo de ameaça”, concretiza.
Não será irónico ‒ ou pelo menos um sinal dos tempos ‒ que o orgulhoso detentor de dez maiorias
absolutas surja a defender uma federação de direitas tão díspares?
Jardim nega a incongruência. “Não.
Se fui um homem de maiorias absolutas durante 40 anos é
porque soube ser pragmático. Se a solução é
esta, vamos para esta”, desdramatiza.
“O CDS era o Chega. Os seus quadros não tinham nada a
ver com a extrema-direita, mas as bases eram o que hoje é o Chega. No dia em
que apareceu o Chega, mudaram-se de armas e bagagens para o seu lugar natural”,
analisa ele, que sempre tratou os democratas-cristãos como “partido-irmão”
apesar das devidas distâncias eleitorais.
“Portugal foi feito por três grandes instituições: a
Igreja, as Forças Armadas e a Universidade. Retiraram-se todas. Aburguesaram-se
todas. E a sociedade, como a física, não mantém vazios. Criámos, alegremente,
uma religião oficial do Estado: o socialismo. Os seus seguidores são-no por
fervor ou clubismo. E esta é uma degradação da política portuguesa”, considera.
Os grandes responsáveis? “Os portugueses”. E porquê? Elenca.
“Depois de Mário Soares não ter chegado ao fim de
nenhum dos seus governos, de Guterres ‒ que
está
hoje nas Nações
Unidas sem ter resolvido um problema no mundo ‒ ter abandonado as funções
de primeiro-ministro deixando o país num pântano,
de Sócrates,
que foi o que foi, e de Costa, que sai acusado de ser investigado, continua-se
a acreditar no socialismo? Só pode ser um fenómeno
religioso, não?”. A
pergunta é retórica,
mas Jardim salta para a seguinte. É isso que, no seu
entender, explica as sondagens.
“O PSD não voltou a ser o antídoto que foi em relação
ao socialismo e ao comunismo, como foi quando era um partido de massas. Não se
pode combater partidos de massas sem sermos um partido de massas. E o PSD já
não é um. Não se consegue derrotar partidos de dialética marxista sem trabalharmos
nós próprios a nossa dialética”. E como, afinal? “Um populismo de massas, um
movimento que chame os portugueses ao que os portugueses querem”, projeta. “É
preciso acabar com a vergonha da compra de votos com dinheiros públicos. O
Partido Socialista criou uma clientela de gente que não gosta nem quer
trabalhar, que implicou ir buscar imigrantes e que destruiu a classe média só
para sustentar esse eleitorado”, acusa.
COSTA E MARCELO “SÃO AMBOS RESPONSÁVEIS”
Acerca da crise política, a seu ver, Costa fez bem em
demitir-se (“Foi uma atitude digna”) e Marcelo fez bem em dissolver (“Não havia
outra solução”), mas “são ambos responsáveis” por termos chegado até aqui. “O
fracasso é dos dois. A situação em que hoje estamos é o fracasso dos dois”,
acusa. “O que ainda me apaixonaria hoje, aos 80 anos, seria voltarmos ao combate
de massas com ideias concretas para o país e acabarmos de uma vez com este
clima em que o Estado se tornou um parceiro de negócios”, aponta, em ensaio de
oposição.
Numa reflexão sobre o seu longo percurso público, o
madeirense, que adorou estudar em Lisboa, onde fez quatro cadeiras, e em
Coimbra, onde terminou Direito, modera: “Em política vamos ao encontro do povo,
mas não apenas para fazermos o que o povo quer. É uma intercomunicação. Uma
pedagogia mútua. Aprendemos com o povo e explicamos ao povo. Ouvimos o que ele
quer e dizemos-lhe quando não tem razão. Sem essa relação não há política”.
O Expresso cruzou-se com Alberto João Jardim numa
subida em Câmara de Lobos, na Madeira. O histórico social-democrata preferiu
comemorar o 25 de Novembro na sua ilha a marcar presença no congresso em forma
de comício de Luís Montenegro, em Almada. Em conversa, explica porquê. De fato
e gravata largos e distendidos, está bem-disposto. O sol embate-lhe numa vista
assolada por alergias que só apareceram “com a idade”. A luz incomoda-o e
força-o a caminhar, mas não evitando pessoas. Continua a ter “rua”, como se diz
na gíria. Dois beijinhos aqui, um “que bom vê-la” ali. Fez questão de ir à
conferência dedicada à data, o 25 de Novembro, e quebrou a sua habitual rotina
de sábado: mergulho de manhã, caminhada antes de almoço, refeição em família,
leituras de tarde e um tweet sobre política nacional.
O “GOSTO PELA PÓLVORA”
Antes de um bife com ovo cavalo ‒ um clássico seu ‒, bebe meio Martini, mascando o limão até à
casca. Octogenário,
respira política.
Já
sente frio e evita correntes de ar. Os filhos e o futuro são as
duas constantes. O seu PSD e o seu arquipélago as preocupações.
Tem saudades do combate e não o esconde. “A vida
política tem um certo elã, um certo gosto pela pólvora”, sorri, sem nostalgias.
“Eu gosto do combate político, desde que seja dentro das normas de ética e de
respeito”, salienta. Mas não se sentiu tentado a ir à reunião magna ‒ ainda que estatutária ‒ do PSD, este fim-de-semana. “Não me
sinto sequer tentado pelo partido hoje”, confessa. “Por
muito duro que seja alguém dizer isto, tendo
ajudado a fundar o PSD aqui na Madeira, tenho de o dizer. O meu PSD é um
partido de massas, de combate, que tem como adversário os inimigos da
Democracia”, descreve. “Não é um partido que anda nestas jogatanas partidárias,
como andam hoje, ou atrás do politicamente correto”.
“O PSD de massas e com valores ‒ e há uma perda de valores
transversal nos partidos de hoje ‒
precisa de referências,
de objetivos. E este PSD não cativa porque não
tem nada disso. Nem massas, nem combate, nem referências,
nem objetivos. Tem uns almoços. Não
tem dinamismo. Está a ser ultrapassado pela história”,
desfere.
Com o casaco pendurado nas costas da cadeira, João
Jardim não impõe limites à conversa, nem regionais, nem temporais. Sobre o
futuro do PS, é cáustico. “Pedro Nuno Santos? Faz parte do anedotário da
esquerda portuguesa. Desde quando é que os ricos dão líderes socialistas
travestidos de comunistas?”. Sobre as consequências da ida às urnas em março,
deixa claro: “Eles, eles, têm obrigação, o-bri-ga-ção, de ganhar. É a obrigação
deles. Se não ganharem, que tirem as ilações de faltarem à sua obrigação. Nem
penso, se perderem as eleições, que ainda se atrevem a ir às europeias”,
adverte, visando vincadamente a direção nacional de Luís Montenegro. “Foram
eles, eles, que meses antes das últimas eleições quiseram deitar abaixo o Rui
Rio. Que moral têm para se agarrarem ao poder?”, inquire.
Sobre os equilíbrios de poder regionais que Miguel Albuquerque estabeleceu após falhar a maioria absoluta, Alberto João Jardim pausa, medita e atribui-lhe o mesmo pragmatismo que enaltecera minutos antes. “Sim, é pragmatismo, sem dúvida. Mas é o tempo que vai dizer se é ou não demasiado pragmatismo. Eu tenho uma certa esperança que esses partidos pequeninos [o PAN] tomem o gosto pelo poder”, deixa no ar. Sobre o passado, que foi o seu, não mudaria a estratégia mas reconhece erros. “Ninguém é perfeito. Há várias coisas que podem não ter corrido bem. Mas a única coisa de que me queixo ‒ e só a mim mesmo ‒ é esta: não ter percebido quem eram ‒ e quem não eram ‒ as verdadeiras pessoas fiéis”. E sem esperar por nova questão, ergueu-se da cadeira e, satisfeito, desceu as escadas passando as mãos pelos cabelos dos miúdos que corriam pela sala. “Portem-se bem”, despediu-se (Expresso)
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