sábado, fevereiro 13, 2021

Nota: revisão da lei de finanças regionais de cá para lá?!

 

Li ontem na primeira página do DN-Madeira que Cafofo e Albuquerque tinham acordado uma treta qualquer sobre uma pretensa revisão da lei das finanças regionais. Em primeiro lugar acho que é uma idiotice porque o entendimento entre estes dois políticos nunca será possível devido à bipolarização e à perceptível radicalização da política regional que obviamente vai agravar-se com a proximidade das autárquicas.

Ponto prévio e em primeiro lugar: quando se altera (revisão) uma lei qualquer, faz-se isso para mudar de facto alguma coisa, para a melhorar partes do seu articulado, etc. Ora se se altera uma lei isso significa no imediato, e ainda mais no caso concreto da LFR, que alguém vai beneficiar e que alguém vai passar a ter obrigações que neste momento acha que não está obrigado a ter, concretamente o Estado central, o poder tentacular e "imperial" do Terreiro do Paço mais em concreto. Portanto a revisão de uma lei, seja ela a Constituição, o estatuto político-regional a LFR, etc, não é uma palhaçada, trata-se de um processo que implica que nada fique como antes e que hajas um processo negocial com quem realmente tem o poder de decisão nesta matéria. Resta saber, no caso da LFR, que alterações querem introduzir na versão actual da lei, em que direcção apontam essas alterações, que obrigações pretendem as duas Regiões Autónomas - a LFR diz apenas respeito a elas e à República - ao Estado, etc.

Em segundo lugar, pergunto: acham mesmo que o PS nacional, depois do que aconteceu nos Açores - em que os socialistas foram vítimas de uma estratégia política, em que eles próprios têm direitos de autor, que os atirou para a oposição, o mesmo que Costa fez à dupla Passos-Portas, que ganhou as eleições legislativas de 2015 sem maioria absoluta, relegando PSD e CDS para um definhamento oposicionista em que ainda se encontram - e considerando a praxis política e parlamentar dos socialistas, desde 1976, relativamente às Regiões Autónomas e à Autonomia regional (que continua a ser olhada com desconfiança e alguma agressividade) vai aceitar qualquer acordo parlamentar em São Bento para beneficiar as Regiões Autónomas, numa das quais até perderam o poder em circunstâncias polémicas que continuam a deixar marcas no PS que sonha com uma crise política nos Açores (e não é só nos Açores que isso acontece...) para poder vingar-se, o termo é esse, vingar-se do que lhe fizeram? Se acreditam no Pai Natal, então continuem a acreditar nisso e a dar tempo de antena a um tema e a quem não justifica um segundo sequer.

Em terceiro lugar tudo isto cheira a fantochada - sem colocar em causa a necessidade da RAM ter mais recursos financeiros que reclama porque a situação continua a agravar-se devido aos encargos financeiros que não foram aliviados - porque nenhum dos protagonistas em causa - numa novela que até gerou incómodos e colocou alguém aos pulinhos para ser notado que existe... - tem peso e influência em Lisboa, nos corredores do poder onde tudo é decidido, ao ponto de garantirem uma revisão da lei das finanças regionais como querem e que obrigue o Estado - por que é disso que falamos - a dar mais dinheiro (via OE) à Madeira ou a mudar alguns critérios num processo que tem que envolver os Açores.

No fundo podem os dizer que a LFR visa sobretudo impedir que as RA´s fiquem reféns  dos bons ou maus humores de primeiros-ministros ou de ministros das finanças. Verdade seja dita que, neste momento, os dois protagonistas que lá estão fazem quanto muito um enorme esforço para que a RAM seja penalizada.

Lembro que a dívida da Madeira deverá ter voltado aos 5 mil milhões de euros enquanto nos Açores a dívida pública regional rondará, segundo creio, os 3 a 3,3 mil milhões de euros. Dificilmente antecipo uma situação comum às duas Regiões Autónomas até que esta situação se equipare.

- A RAM reclama milhões do Estado, que não paga, por conta de despesas com serviços prestados a terceiros que são da responsabilidade do Estado (caso das forças policiais por exemplo)

- A RAM acha que a parcela do IRS que cabe às Câmaras Municipais - IRS que é receita da RAM cobrada na RAM - não é uma responsabilidade do Governo Regional mas ante do Estado, mas ninguém sabe como é que isso se processa e com base em que procedimentos legais. Uma coisa foi termos na RAM durante anos a fio, Câmaras Municipais que nunca se lamentaram essas verbas porque o GRM depois as compensava com transferências financeiras ao longo do ano, outra coisa é termos seis, sete ou mais Câmaras Municipais nas mãos da oposição que acham que esse tratamento não é o adequado. Por isso o tema foi parar aos tribunais e, paradoxo dos paradoxos, julgo que depois de uma acção despoletada pela CMF ao que me parece ainda no tempo de Albuquerque na sua liderança e em final de mandato.

- A questão do subsídio de mobilidade aérea, não fosse a pandemia, e mais do que a alteração de algumas regras, desconfio que seria aberta mais uma crise devido aos cerca de 30 milhões de euros que o Estado assumia anualmente, mas que acha que não tem que o fazer sozinho;

- no caso da mobilidade marítima e das ligações entre a RAM e o Continente o Estado nem quer discutir com o Funchal uma partilha de responsabilidades financeiras, por entender que não importa falar em descontinuidade territorial e imputando essa responsabilidade financeira apenas à RAM. Neste quadro também a posição patética e dúbia da União Europeia não facilita o argumentário regional.

Aliás, no quadro europeu actual, o fenómeno da insularidade e da ultraperiferia foi relegado para um qualquer recanto esquecido numa espécie de museu europeu de memórias, numa Europa cada vez mais continentalizada, sem lideranças políticas fortes e pragmáticas, voltada para as negociatas e entregue jogos de bastidores e a oportunistas incompetentes e carreiristas.

- ainda não se sabe bem - e quem disser que sim mente - qual o valor da verba que cabe à RAM quer no próximo quadro comunitário "sacudido" pelos efeitos orçamentais da pandemia nem sabemos também qual o montante das verbas da tal bazuca encravada que dará a Portugal mais de 50 mil milhões de euros graças à crise que a pandemia gerou.

- alguém acredita na boa vontade do Governo de Lisboa em relação ao futuro do CINM, numa Europa que voltou a ser sacudida há dias por um novo escândalo financeiro denunciado na comunicação social europeia, que prova que há 4 ou 5 países europeus, que usam estratégias fiscais para atraírem capitais externos e procederem a infindáveis lavagens de dinheiro até de grupos mafiosos ou de organizações ligadas à máfia e a barões sul-americanos da droga. Mas Portugal coloca-se com o traseiro virado para a lua sempre que Bruxelas se distrai a falar do CINM, fechando os olhos ao que se passa em Malta, Holanda, Luxemburgo, ilhas do Canal (agora, com o Brexit, podem fazer o que lhes apetecer), etc.

- e os juros cobrados pelo Estado à Madeira devido ao empréstimo de 1,1 mil milhões de euros contraído na sequência do PAEF - imposto à RAM por Passos e Gaspar com a concordância do Portas - que não foram aliviados na forma que a RAM pretendia o que permite que tenhamos o Estado a ganhar dinheiro à custa da dívida regional (e já agora que outros casos semelhantes existirão?) e de erros cometidos pela RAM no passado.

- e as demoras, avanços e recuos, e embustes em torno das moratórias pedidas pela RAM para adiamento do pagamento de prestações associadas ao empréstimo para que o Funchal tivesse mais folga financeira no acudir às necessidades sociais associadas à crise económica e social provocada pela pandemia, adiamento que o Estado recusou. Lembro que em Junho de 2020 o parlamento dos Açores, controlado então pelos socialistas com maioria absoluta, emitiu um parecer contrário à aprovação (proposta na Assembleia da República) dessa moratória às prestações da dívida da Madeira. Sustentaram os socialistas açorianos que adiar pagamentos seria beneficiar o infractor!

Em quarto lugar, e MA deveria ter aprendido com isso: tal como a revisão constitucional nunca dará mais nada às autonomias, tal como a revisão do nosso estatuto corre o risco, sempre correu, de se transformar num processo de retirada de poderes e nunca de reforço de competências, também a revisão da lei de finanças regionais nunca terá o desfecho que andam a vender aos madeirenses através  dos meios de comunicação - que precisam passar a questionar mais em vez de publicarem as informações que "fontes" lhes fazem chegar da forma que querem - enganando-nos a todos e criando falsas expectativas. Em quinto lugar: lembram-se da crise política de 2007 devido a uma lei das finanças regionais que teve como protagonistas Sócrates e Teixeira dos Santos num governo do PDS do qual Costa fez parte? Lembram-se de tudo o que aconteceu de uma ameaça de crise política nacional, ameaças de demissões, reunião do Conselho de Estado, correria entre Belém e São Bento, etc, etc? Por isso esta conversa da treta vale zero.

Finalmente, em quinto lugar, como é que estes dois políticos regionais chegam a acordo num processo legislativo, que depende apenas e só da Assembleia da República e de mais ninguém, se qualquer aprovação - ou será que querem colocar o PS nacional à margem, impondo a tal maioria negativa que duvido o PS-Madeira subscrevesse? - e quando nem sabem o que pensam os outros partidos - que ficarão à margem da "panelinha" agora alegadamente montada... - sobre este tema? Acham que a tendência em Lisboa é de melhorar a Lei de Finanças regionais para que na Madeira e/ou os Açores ganhem com isso e recebam mais dinheiro do OE do que agora recebem? Neste tempo de pandemia e de crise financeira, mesmo que seja evidente que o Estado gastou menos do que dizia e andou a ganhar dinheiro à custa do covid19?

Pelos vistos há muita gente a acreditar no pai natal. E é por isso que o barbudo sobrevive no tempo, porque há gente assim. Entretanto este alegado "entendimento", parido não se sabe onde, vai sofrer um intervalo quando os dois protagonistas do título da notícia andarem de candeias às avessas nas autárquicas do Funchal. Salvo se ambos têm o mesmo objectivo, o de derrotar Miguel Silva. O que não me espantaria há uns meses, diga-se em abono da verdade. Mas algo que Miguel Iglésias, braço-direito de Cafofo, desmontou em artigo de opinião esta semana no DN-Madeira (LFM)

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