Li ontem na primeira página do DN-Madeira
que Cafofo e Albuquerque tinham acordado uma treta qualquer sobre uma pretensa
revisão da lei das finanças regionais. Em primeiro lugar acho que é uma
idiotice porque o entendimento entre estes dois políticos nunca será possível
devido à bipolarização e à perceptível radicalização da política regional que
obviamente vai agravar-se com a proximidade das autárquicas.
Ponto prévio e em primeiro lugar: quando se altera (revisão) uma lei qualquer, faz-se isso para
mudar de facto alguma coisa, para a melhorar partes do seu articulado, etc. Ora
se se altera uma lei isso significa no imediato, e ainda mais no caso concreto
da LFR, que alguém vai beneficiar e que alguém vai passar a ter obrigações que
neste momento acha que não está obrigado a ter, concretamente o Estado central,
o poder tentacular e "imperial" do Terreiro do Paço mais em concreto.
Portanto a revisão de uma lei, seja ela a Constituição, o estatuto
político-regional a LFR, etc, não é uma palhaçada, trata-se de um processo que
implica que nada fique como antes e que hajas um processo negocial com quem
realmente tem o poder de decisão nesta matéria. Resta saber, no caso da LFR,
que alterações querem introduzir na versão actual da lei, em que direcção
apontam essas alterações, que obrigações pretendem as duas Regiões Autónomas -
a LFR diz apenas respeito a elas e à República - ao Estado, etc.
Em segundo lugar, pergunto:
acham mesmo que o PS nacional, depois do que aconteceu nos Açores - em que os
socialistas foram vítimas de uma estratégia política, em que eles próprios têm
direitos de autor, que os atirou para a oposição, o mesmo que Costa fez à dupla
Passos-Portas, que ganhou as eleições legislativas de 2015 sem maioria
absoluta, relegando PSD e CDS para um definhamento oposicionista em que ainda
se encontram - e considerando a praxis política e parlamentar dos socialistas,
desde 1976, relativamente às Regiões Autónomas e à Autonomia regional (que
continua a ser olhada com desconfiança e alguma agressividade) vai aceitar
qualquer acordo parlamentar em São Bento para beneficiar as Regiões Autónomas,
numa das quais até perderam o poder em circunstâncias polémicas que continuam a
deixar marcas no PS que sonha com uma crise política nos Açores (e não é só nos
Açores que isso acontece...) para poder vingar-se, o termo é esse, vingar-se do
que lhe fizeram? Se acreditam no Pai Natal, então continuem a acreditar nisso e
a dar tempo de antena a um tema e a quem não justifica um segundo sequer.
Em terceiro lugar tudo isto
cheira a fantochada - sem colocar em causa a necessidade da RAM ter mais
recursos financeiros que reclama porque a situação continua a agravar-se devido
aos encargos financeiros que não foram aliviados - porque nenhum dos
protagonistas em causa - numa novela que até gerou incómodos e colocou alguém
aos pulinhos para ser notado que existe... - tem peso e influência em Lisboa,
nos corredores do poder onde tudo é decidido, ao ponto de garantirem uma
revisão da lei das finanças regionais como querem e que obrigue o Estado - por
que é disso que falamos - a dar mais dinheiro (via OE) à Madeira ou a mudar
alguns critérios num processo que tem que envolver os Açores.
No fundo podem os dizer que a LFR visa sobretudo impedir que as RA´s fiquem reféns dos bons ou maus humores de primeiros-ministros ou de ministros das finanças. Verdade seja dita que, neste momento, os dois protagonistas que lá estão fazem quanto muito um enorme esforço para que a RAM seja penalizada.
Lembro que a dívida da Madeira deverá ter
voltado aos 5 mil milhões de euros enquanto nos Açores a dívida pública
regional rondará, segundo creio, os 3 a 3,3 mil milhões de euros. Dificilmente
antecipo uma situação comum às duas Regiões Autónomas até que esta situação se
equipare.
- A RAM reclama milhões do Estado, que não
paga, por conta de despesas com serviços prestados a terceiros que são da
responsabilidade do Estado (caso das forças policiais por exemplo)
- A RAM acha que a parcela do IRS que cabe
às Câmaras Municipais - IRS que é receita da RAM cobrada na RAM - não é uma
responsabilidade do Governo Regional mas ante do Estado, mas ninguém sabe como
é que isso se processa e com base em que procedimentos legais. Uma coisa foi
termos na RAM durante anos a fio, Câmaras Municipais que nunca se lamentaram
essas verbas porque o GRM depois as compensava com transferências financeiras
ao longo do ano, outra coisa é termos seis, sete ou mais Câmaras Municipais nas
mãos da oposição que acham que esse tratamento não é o adequado. Por isso o
tema foi parar aos tribunais e, paradoxo dos paradoxos, julgo que depois de uma
acção despoletada pela CMF ao que me parece ainda no tempo de Albuquerque na
sua liderança e em final de mandato.
- A questão do subsídio de mobilidade
aérea, não fosse a pandemia, e mais do que a alteração de algumas regras,
desconfio que seria aberta mais uma crise devido aos cerca de 30 milhões de
euros que o Estado assumia anualmente, mas que acha que não tem que o fazer
sozinho;
- no caso da mobilidade marítima e das
ligações entre a RAM e o Continente o Estado nem quer discutir com o Funchal
uma partilha de responsabilidades financeiras, por entender que não importa
falar em descontinuidade territorial e imputando essa responsabilidade financeira
apenas à RAM. Neste quadro também a posição patética e dúbia da União Europeia
não facilita o argumentário regional.
Aliás, no quadro europeu actual, o fenómeno
da insularidade e da ultraperiferia foi relegado para um qualquer recanto
esquecido numa espécie de museu europeu de memórias, numa Europa cada vez mais
continentalizada, sem lideranças políticas fortes e pragmáticas, voltada para
as negociatas e entregue jogos de bastidores e a oportunistas incompetentes e
carreiristas.
- ainda não se sabe bem - e quem disser que
sim mente - qual o valor da verba que cabe à RAM quer no próximo quadro
comunitário "sacudido" pelos efeitos orçamentais da pandemia nem
sabemos também qual o montante das verbas da tal bazuca encravada que dará a
Portugal mais de 50 mil milhões de euros graças à crise que a pandemia gerou.
- alguém acredita na boa vontade do Governo
de Lisboa em relação ao futuro do CINM, numa Europa que voltou a ser sacudida
há dias por um novo escândalo financeiro denunciado na comunicação social
europeia, que prova que há 4 ou 5 países europeus, que usam estratégias fiscais
para atraírem capitais externos e procederem a infindáveis lavagens de dinheiro
até de grupos mafiosos ou de organizações ligadas à máfia e a barões
sul-americanos da droga. Mas Portugal coloca-se com o traseiro virado para a
lua sempre que Bruxelas se distrai a falar do CINM, fechando os olhos ao que se
passa em Malta, Holanda, Luxemburgo, ilhas do Canal (agora, com o Brexit, podem
fazer o que lhes apetecer), etc.
- e os juros cobrados pelo Estado à Madeira
devido ao empréstimo de 1,1 mil milhões de euros contraído na sequência do PAEF
- imposto à RAM por Passos e Gaspar com a concordância do Portas - que não
foram aliviados na forma que a RAM pretendia o que permite que tenhamos o
Estado a ganhar dinheiro à custa da dívida regional (e já agora que outros
casos semelhantes existirão?) e de erros cometidos pela RAM no passado.
- e as demoras, avanços e recuos, e
embustes em torno das moratórias pedidas pela RAM para adiamento do pagamento
de prestações associadas ao empréstimo para que o Funchal tivesse mais folga
financeira no acudir às necessidades sociais associadas à crise económica e
social provocada pela pandemia, adiamento que o Estado recusou. Lembro que em
Junho de 2020 o parlamento dos Açores, controlado então pelos socialistas com
maioria absoluta, emitiu um parecer contrário à aprovação (proposta na
Assembleia da República) dessa moratória às prestações da dívida da Madeira.
Sustentaram os socialistas açorianos que adiar pagamentos seria beneficiar o
infractor!
Em quarto lugar, e MA deveria
ter aprendido com isso: tal como a revisão constitucional nunca dará mais nada
às autonomias, tal como a revisão do nosso estatuto corre o risco, sempre
correu, de se transformar num processo de retirada de poderes e nunca de reforço
de competências, também a revisão da lei de finanças regionais nunca terá o
desfecho que andam a vender aos madeirenses através dos meios de comunicação - que precisam
passar a questionar mais em vez de publicarem as informações que
"fontes" lhes fazem chegar da forma que querem - enganando-nos a
todos e criando falsas expectativas. Em quinto lugar: lembram-se da crise
política de 2007 devido a uma lei das finanças regionais que teve como protagonistas
Sócrates e Teixeira dos Santos num governo do PDS do qual Costa fez parte?
Lembram-se de tudo o que aconteceu de uma ameaça de crise política nacional,
ameaças de demissões, reunião do Conselho de Estado, correria entre Belém e São
Bento, etc, etc? Por isso esta conversa da treta vale zero.
Finalmente, em quinto lugar, como
é que estes dois políticos regionais chegam a acordo num processo legislativo,
que depende apenas e só da Assembleia da República e de mais ninguém, se
qualquer aprovação - ou será que querem colocar o PS nacional à margem, impondo
a tal maioria negativa que duvido o PS-Madeira subscrevesse? - e quando nem
sabem o que pensam os outros partidos - que ficarão à margem da
"panelinha" agora alegadamente montada... - sobre este tema? Acham
que a tendência em Lisboa é de melhorar a Lei de Finanças regionais para que na
Madeira e/ou os Açores ganhem com isso e recebam mais dinheiro do OE do que
agora recebem? Neste tempo de pandemia e de crise financeira, mesmo que seja
evidente que o Estado gastou menos do que dizia e andou a ganhar dinheiro à
custa do covid19?
Pelos vistos há muita gente a acreditar no
pai natal. E é por isso que o barbudo sobrevive no tempo, porque há gente
assim. Entretanto este alegado "entendimento", parido não se sabe
onde, vai sofrer um intervalo quando os dois protagonistas do título da notícia
andarem de candeias às avessas nas autárquicas do Funchal. Salvo se ambos têm o
mesmo objectivo, o de derrotar Miguel Silva. O que não me espantaria há uns
meses, diga-se em abono da verdade. Mas algo que Miguel Iglésias, braço-direito
de Cafofo, desmontou em artigo de opinião esta semana no DN-Madeira (LFM)
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