segunda-feira, abril 15, 2013

Revisão constitucional: exposição de motivos da proposta do PSD-Madeira

"1. Com a publicação da Lei Constitucional nº 1/2004, em 24 de Julho de 2004, a Assembleia da República retomou os seus poderes ordinários de revisão constitucional a partir de 24 de Julho de 2009. Foi precisamente tendo em mente o início deste prazo para a apresentação de projectos de revisão constitucional que a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira entende por bem aprovar, por Resolução, as bases de um projeto de revisão constitucional, com particular enfoque na parte das Autonomias, e solicitar aos Deputados pelo Círculo da Madeira a sua apresentação na Assembleia da República. Depois de 36 anos de Democracia constitucional e de Autonomia Regional, chegou a hora de se fazer uma reavaliação global acerca do funcionamento do sistema político-constitucional português, nada impedindo que se admitam diferenças na organização de cada uma das duas Regiões Autónomas. Não obstante os enormes benefícios que foram trazidos pela opção da criação das Regiões Autónomas no sistema político-constitucional português, ideia original do Partido Popular Democrático na Assembleia Constituinte, a verdade é que o tempo tem vindo a dar razão àqueles que defendem uma radical mutação nas disposições constitucionais de concretização dos poderes regionais e de outros, tendo as disposições referidas àqueles sido sistematicamente interpretadas e aplicadas de um modo contrário ao seu espírito, para não dizer que têm sido objeto de intervenções centralizadoras e estatistas, assim reduzindo drástica e ilegitimamente a margem de liberdade que é imperioso reconhecer aos povos regionais. É por isso que nos parece absolutamente necessário apresentar um projecto de revisão constitucional.
2. Uma das centrais alterações que se pretende ver introduzida é a da possibilidade de haver partidos políticos regionais. Esta tem sido uma proibição incompreensível no contexto actual de diversificação dos mecanismos de participação democrática dos cidadãos, quando constante e crescentemente se preferem vias alternativas de melhor expressão da vontade popular. Num contexto em que também propomos candidaturas independentes para a Assembleia da República e para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, não faria sentido manter a proibição dos partidos regionais, os quais igualmente reforçam a democracia partidária no sentido de definir uma linha de acção autónoma em relação aos partidos nacionais e, também como estes, levando à prática a consecução de objectivos diferenciados das populações das Regiões Autónomas, em perfeita articulação com um poder político autónomo, como é o poder regional.  
3. A fim de superar as características dos primeiros de cada um dos dois mandatos do Presidente da República, marcados por uma certa retração ou indefinição, a pensar no segundo mandato, em termos de plena realização do cargo e da estabilidade inerente à natureza da função optamos por um mandato só, de dez anos. 
4. Traduzindo o sentimento popular e face à situação em que o Estado mergulhou, reduz-se o número de Deputados na Assembleia da República e nas Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas. Nestas todas, deixa de haver o monopólio dos Partidos políticos na apresentação de candidaturas, monopólio de décadas que se tem revelado asfixiante da manifestação de Valores que não conseguem expressão nos tradicionais caminhos partidários. Para a Assembleia da República adota-se um círculo nacional e círculos uninominais em todo o território português. Consagra-se para estas três instituições parlamentares, face à lacuna constitucional existente e prevenindo a repetição de certas situações inadmissíveis, o regime de medidas adotadas pelo Parlamento Europeu em caso de violação de regras de conduta. 
5. Considera-se como magistrados, apenas os juízes, não podendo estes e os agentes do Ministério Público permanecer mais de três anos em cada uma das comarcas de primeira instância, a fim de reforçar a respetiva independência e distância no meio onde operem. O Conselho Superior de Magistratura estende a sua competência a todos os juízes e agentes do Ministério Público, integrado por representantes todos ocupando já a mais elevada categoria profissional de juízes conselheiros e de procuradores-gerais-adjuntos. 
6. Alteração constitucional de maior magnitude, que se pretende introduzir, diz respeito à extensão do poder legislativo regional. O atual desenho constitucional de repartição de competências legislativas entre o Estado e as Regiões Autónomas foi o produto de uma profunda mutação que ocorreu na revisão constitucional de 2004, tema que já tinha sido objecto de múltiplas revisões constitucionais anteriores, igualmente profundas e sensíveis neste domínio. No entanto e até agora, a prática é muito decepcionante, resultado que se fica sobremaneira a dever a intervenções centralizadoras e estatizantes do Tribunal Constitucional, que insiste particularmente em não perceber o alcance da revisão constitucional de 2004, sendo que a vulnerabilidade político-partidária que o Tribunal Constitucional tem revelado, leva a que se proponha a sua extinção e a criação, em sua substituição, de uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça.Com as mudanças sugeridas, assume-se o objectivo de clarificar a amplitude das competências regionais. Entendemos que para superar todos estes problemas, a solução é a de definir as competências do Estado nas Regiões Autónomas – Direitos, Liberdades e Garantias; política externa; Defesa Nacional e Segurança Interna; Tribunais de Recurso; e Sistema Nacional de Segurança Social, deixando às Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira a restante competência legislativa. Embora se admitindo regimes diferentes para os Açores e para a Madeira, de acordo com o que for o entendimento da Assembleia Legislativa daquele arquipélago. Noutra perspectiva, extingue-se o instituto das autorizações legislativas regionais, até agora nunca usado e com pouco impacto do ponto de vista da ampliação das competências legislativas regionais. 
7. A revisão constitucional de 1997 veio consagrar a possibilidade de convocar referendos regionais, assim correspondendo à necessidade paralela de ter, no sistema político-constitucional regional, a expressão de um mecanismo de democracia semi-directa, em igualdade de circunstâncias com os mecanismos já previstos de referendo local, trazido pela revisão de 1982, e de referendo nacional, trazido pela revisão de 1989. O certo, porém, é que o regime adoptado para este novo referendo regional, a despeito de ser vinculativo, não corresponde minimamente às exigências de operacionalidade de um verdadeiro referendo regional, uma vez que não é convocado pelos órgãos regionais, mas sim pelo Presidente da República.Eis um regime altamente insuficiente e que se pretende reformular: estabelecer a possibilidade de o referendo regional ser sempre convocado dentro do sistema político-constitucional regional, sem interferências de órgãos estranhos, como são os órgãos de soberania do Estado, e sobretudo permitir que as matérias sobre as quais o mesmo seja convocado, respeitem a domínios políticos e legislativos de interesse regional, podendo elas ser da competência das Regiões Autónomas ou mesmo do Estado. 
8. Constitui uma aspiração legítima dos cidadãos insulares, desde que em 1976 a Constituição o impôs à revelia do sentimento das populações, o desaparecimento de um representante do Estado, residente na Região e dotado de poderes constitucionalizados.Trata-se de uma criação institucional jamais aceite, nem vivencialmente assimilada pelas populações. Se com os “ministros da República” que insolitamente integravam o Governo central, fatalmente a situação redundara em desnecessários, mas inevitáveis, conflitos políticos ou jurídicos, é verdade que o Representante da República que lhes sucedeu, já sem qualquer ligação ao Governo e apesar da cooperação e boa-vontade demonstradas, não evitou impasses inconvenientes, estimulados pela conhecida jurisprudência restritiva do Tribunal Constitucional. Em todo o caso, as preocupações que nos animam são de natureza exclusivamente institucional e em nada afecta a consideração pessoal pelos actuais titulares do cargo, tanto na Região Autónoma da Madeira, como na dos Açores.A agravar a situação, considera-se discriminatório em relação aos arquipélagos portugueses, a instituição em causa ser uma originalidade do sistema constitucional português, na medida em que tal figura, ou similar, não existe na União Europeia nem noutros países democráticos, nos territórios de natureza sub-estatal dotados de poder legislativo. Não tem qualquer sentido recusar às Regiões Autónomas, uma representação do Estado idêntica ao restante território nacional, titulada nos Órgãos de soberania, preferindo-se manter um resquício colonialista, herdado do passado, de colocar nas Ilhas um enviado da capital do Império para obediente e permanente memória dos insulares, o que não é compaginável com a unidade do Estado que defendemos. Do exposto, e dada a natureza das funções do Representante da República, opta-se, pois, por uma situação similar a outras regiões da Europa democrática, tal como a Madeira e os Açores dotadas de poder legislativo próprio.  
9. Outra alteração sensível, é a do aperfeiçoamento dos órgãos regionais, para além da extinção do Representante da República, passando-se a prever a nomeação e exoneração do Presidente do Governo Regional pela Assembleia Legislativa. É uma importante medida para colocar a verdade formal de acordo com a verdade real do sistema político regional: não faria sentido, fazer intervir o Representante da República numa matéria alheia à República, como é a designação do Chefe do Governo Regional e dos seus membros, resultante dos resultados eleitorais regionais. 
10. Propõe-se a extinção do Tribunal Constitucional, porquanto, em especial a propósito da apreciação preventiva da constitucionalidade, tem revelado uma particular vulnerabilidade político-partidária que não dignifica a Justiça Constitucional. Assim, propõe-se a transferência das actuais competências do Tribunal Constitucional para uma Secção própria do Supremo Tribunal de Justiça (a Secção Constitucional), ficando, assim, a cargo de magistrados de carreira, ao mais alto nível – Juízes Conselheiros – a Justiça Constitucional, como, aliás, acontece noutros países em que as questões de constitucionalidade estão atribuídas à jurisdição comum.
11. Propõe-se também a extinção da Entidade Reguladora para a comunicação social, na medida em que, no estádio actual da nossa Democracia e da maturidade que é suposto ter atingido a Comunicação Social e os seus agentes, não faz qualquer sentido a existência de uma Entidade Administrativa com competências de intervenção num sector essencial à livre informação, ao pluralismo e expressão de ideias e opiniões que não pode, nem deve, ser tutelado, como atualmente a Constituição prevê. Os direitos dos cidadãos que possam, por excessos e por inobservância das regras a que a actividade de comunicação social está subordinada, ser preteridos ou postos em causa, e a responsabilização por tais comportamentos, deve caber única e exclusivamente aos Tribunais. Dever-se-á ainda assegurar que tais situações sejam objecto de processos céleres para que a reparação de eventuais ofensas possa ser efectiva e não diluída no tempo que, qualquer intermediação administrativa tornaria ainda mais prolongado. Iguais razões fundamentam a extinção da Comissão Nacional de Eleições, dado o carácter acentuadamente partidário resultante da sua composição, para além do combate ao despesismo que ambas extinções concretizam. 
12. Sendo estas as principais alterações ao articulado da CRP que importa referir, não se deixa, nesta exposição de motivos, de mencionar outras questões que igualmente se sugere alterar no texto da Constituição da República Portuguesa: 
- a menção, em todo o texto constitucional, às Regiões Autónomas com letra maiúscula, assim melhor se assinalando a sua dignidade institucional; 
- a eliminação da alusão ao facto de o Estado Português, possuindo Regiões Autónomas, ser “unitário”, evitando-se gerar um possível equívoco linguístico de contradição entre o art. 6º da CRP e o reconhecimento efectivo das autonomias regionais com os respetivos poderes legislativos; 
- o esclarecimento de que a Democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias autoritárias e totalitárias, sejam de Direita, sejam de Esquerda, assim se justificando a alteração proposta  ao art. 46º, nº 4, e no art. 160º, nº 1, al. d), da CRP; 
- a necessidade de se consagrar, nas normas constitucionais sobre o Orçamento de Estado, o sistema fiscal próprio das Regiões Autónomas e a sua especificidade orçamental e financeira, em termos de a autonomia regional ter uma idêntica expressão financeira no Orçamento do Estado, nomeadamente em matéria de transferências financeiras, assim se acrescentando o nº 5 ao artigo 105º da CRP; 
- o reforço da superioridade hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões Autónomas, verdadeiras “Constituições Regionais”, em relação aos demais actos legislativos ordinários, do Estado ou das Regiões Autónomas, assim se propondo uma nova redacção do nº 2 do art. 112º da CRP; 
- além das alterações propostas em matéria de referendo regional, impõe-se também democratizar o referendo nacional, aceitando que o mesmo possa ser realizado sobre alterações à própria CRP, dando-se nova redacção ao art. 115º, nº 4, da CRP; 
- a eliminação do instituto da referenda ministerial prevista no art. 140º da CRP, qual “acto notarial” do Primeiro-Ministro sobre certos actos do Presidente da República, sem qualquer sentido num sistema de governo semi-presidencial, em que cada órgão tem os seus poderes de intervenção previamente definidos e equilibrados, instituto que tem criado várias dúvidas e cuja tradição não é democrático-republicana, porque ora foi usado na ditadura de 1933 para cercear os poderes do Chefe de Estado, ora foi usado no tempo da monarquia para isentar o Rei de qualquer responsabilidade; 
- o alargamento do poder de iniciativa legislativa conferido às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas, no âmbito do procedimento legislativo parlamentar estadual, pelo desaparecimento de qualquer dependência da avaliação de um interesse regional, sendo certo que em muitos domínios tal definição se revela impossível de concretizar. Ao mesmo tempo, parece acertada a possibilidade de mais um órgão parlamentar com legitimidade popular direta, ter iniciativas legislativas na Assembleia da República, assim se sugerindo uma nova redacção para o art. 167º, nº 1, da CRP; 
- a clara parlamentarização do sistema de governo das autarquias locais, especificando-se no texto constitucional, através de nova redacção do art. 239º, nº 3, da CRP, que o Presidente do órgão executivo é eleito pelo órgão parlamentar; 
- a eliminação das organizações de moradores, excrescência revolucionária que a CRP tem teimado em manter e sem qualquer adesão à realidade social, assim se revogando os artigos 263º, 264º e 265º da CRP. 
- adita-se ao texto constitucional, inovando, matérias que reforçam os direitos dos cidadãos ante a respetiva violação, e que constitucionalizam o “direito à diferença”.
13. Quando da eleição dos Deputados à Assembleia da República, no círculo da Madeira, publicitaram-se e explicaram-se linhas gerais das soluções aqui propostas, que visam o aperfeiçoamento do funcionamento do Estado e o reforço da Autonomia Regional para consolidação da unidade e da coesão nacionais.No entendimento de que a Madeira está acima dos Partidos, os projetos de revisão constitucional Destes, não impedem a apresentação de outro por Deputados pela Região Autónoma, mediante a solicitação da Assembleia Legislativa do arquipélago que esta Resolução configura. Até porque o Projeto contido nesta Resolução não é contra os dos Partidos, mas complementa-os em termos de alargar o âmbito das matérias para reflexão do soberano Povo português, pelo que a Assembleia Legislativa da Madeira aceita todos os contributos dos Deputados à Assembleia da República que o subscrevam. O elenco de alterações patenteia o duplo sentido de, por um lado, consolidar e alargar o auto-governo das Regiões e, por outro, assegurar a maior participação das Regiões na decisão das grandes questões e opções nacionais que, sempre, em maior ou menor grau, direta ou indiretamente, têm incidência sobre as Regiões e sobre a vida das suas populações. Aliás, a Revisão Constitucional torna-se imperativa, quer para “reforma do Estado”, quer para assegurar a sobrevivência do Estado Social. A oportunidade histórica da Revisão Constitucional não pode ser desperdiçada, adiantando-se, para além da iniciativa da presente Resolução, a disponibilidade para, com todas as forças políticas, dialogarmos e discutirmos com vista à aproximação e convergência de soluções"