"1.
Com a publicação da Lei Constitucional nº 1/2004, em 24 de Julho de 2004, a
Assembleia da República retomou os seus poderes ordinários de revisão
constitucional a partir de 24 de Julho de 2009. Foi precisamente tendo em mente o início
deste prazo para a apresentação de projectos de revisão constitucional que a
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira entende por bem aprovar,
por Resolução, as bases de um projeto de revisão constitucional, com particular
enfoque na parte das Autonomias, e solicitar aos Deputados pelo Círculo da
Madeira a sua apresentação na Assembleia da República. Depois de 36 anos de Democracia
constitucional e de Autonomia Regional, chegou a hora de se fazer uma
reavaliação global acerca do funcionamento do sistema político-constitucional
português, nada impedindo que se admitam diferenças na organização de cada uma
das duas Regiões Autónomas. Não obstante os enormes benefícios que
foram trazidos pela opção da criação das Regiões Autónomas no sistema
político-constitucional português, ideia original do Partido Popular
Democrático na Assembleia Constituinte, a verdade é que o tempo tem vindo a dar
razão àqueles que defendem uma radical mutação nas disposições constitucionais
de concretização dos poderes regionais e de outros, tendo as disposições
referidas àqueles sido sistematicamente interpretadas e aplicadas de um modo
contrário ao seu espírito, para não dizer que têm sido objeto de intervenções
centralizadoras e estatistas, assim reduzindo drástica e ilegitimamente a
margem de liberdade que é imperioso reconhecer aos povos regionais. É por isso que nos parece absolutamente
necessário apresentar um projecto de revisão constitucional.
2. Uma das
centrais alterações que se pretende ver introduzida é a da possibilidade de
haver partidos políticos regionais. Esta tem sido uma proibição incompreensível
no contexto actual de diversificação dos mecanismos de participação democrática
dos cidadãos, quando constante e crescentemente se preferem vias alternativas
de melhor expressão da vontade popular. Num contexto em que também propomos
candidaturas independentes para a Assembleia da República e para as Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas, não faria sentido manter a proibição dos
partidos regionais, os quais igualmente reforçam a democracia partidária no
sentido de definir uma linha de acção autónoma em relação aos partidos
nacionais e, também como estes, levando à prática a consecução de objectivos
diferenciados das populações das Regiões Autónomas, em perfeita articulação com
um poder político autónomo, como é o poder regional.
3. A
fim de superar as características dos primeiros de cada um dos dois mandatos do
Presidente da República, marcados por uma certa retração ou indefinição, a
pensar no segundo mandato, em termos de plena realização do cargo e da
estabilidade inerente à natureza da função optamos por um mandato só, de dez
anos.
4.
Traduzindo o sentimento popular e face à situação em que o Estado mergulhou,
reduz-se o número de Deputados na Assembleia da República e nas Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas. Nestas todas, deixa de haver o monopólio
dos Partidos políticos na apresentação de candidaturas, monopólio de décadas
que se tem revelado asfixiante da manifestação de Valores que não conseguem
expressão nos tradicionais caminhos partidários. Para a Assembleia da República adota-se um
círculo nacional e círculos uninominais em todo o território português. Consagra-se para estas três instituições
parlamentares, face à lacuna constitucional existente e prevenindo a repetição
de certas situações inadmissíveis, o regime de medidas adotadas pelo Parlamento
Europeu em caso de violação de regras de conduta.
5.
Considera-se como magistrados, apenas os juízes, não podendo estes e os agentes
do Ministério Público permanecer mais de três anos em cada uma das comarcas de
primeira instância, a fim de reforçar a respetiva independência e distância no
meio onde operem. O Conselho Superior de Magistratura estende
a sua competência a todos os juízes e agentes do Ministério Público, integrado
por representantes todos ocupando já a mais elevada categoria profissional de
juízes conselheiros e de procuradores-gerais-adjuntos.
6. Alteração
constitucional de maior magnitude, que se pretende introduzir, diz respeito à
extensão do poder legislativo regional. O atual desenho constitucional de
repartição de competências legislativas entre o Estado e as Regiões Autónomas
foi o produto de uma profunda mutação que ocorreu na revisão constitucional de
2004, tema que já tinha sido objecto de múltiplas revisões constitucionais
anteriores, igualmente profundas e sensíveis neste domínio. No entanto e até agora, a prática é muito
decepcionante, resultado que se fica sobremaneira a dever a intervenções
centralizadoras e estatizantes do Tribunal Constitucional, que insiste
particularmente em não perceber o alcance da revisão constitucional de 2004,
sendo que a vulnerabilidade político-partidária que o Tribunal Constitucional
tem revelado, leva a que se proponha a sua extinção e a criação, em sua
substituição, de uma Secção Constitucional do Supremo Tribunal de Justiça.Com as mudanças sugeridas, assume-se o
objectivo de clarificar a amplitude das competências regionais. Entendemos que para superar todos estes
problemas, a solução é a de definir as competências do Estado nas Regiões
Autónomas – Direitos, Liberdades e Garantias; política externa; Defesa Nacional
e Segurança Interna; Tribunais de Recurso; e Sistema Nacional de Segurança
Social, deixando às Assembleias Legislativas dos Açores e da Madeira a restante
competência legislativa. Embora se admitindo regimes diferentes
para os Açores e para a Madeira, de acordo com o que for o entendimento da
Assembleia Legislativa daquele arquipélago. Noutra perspectiva, extingue-se o
instituto das autorizações legislativas regionais, até agora nunca usado e com
pouco impacto do ponto de vista da ampliação das competências legislativas
regionais.
7. A revisão
constitucional de 1997 veio consagrar a possibilidade de convocar referendos
regionais, assim correspondendo à necessidade paralela de ter, no sistema
político-constitucional regional, a expressão de um mecanismo de democracia
semi-directa, em igualdade de circunstâncias com os mecanismos já previstos de
referendo local, trazido pela revisão de 1982, e de referendo nacional, trazido
pela revisão de 1989. O certo, porém, é que o regime adoptado
para este novo referendo regional, a despeito de ser vinculativo, não corresponde
minimamente às exigências de operacionalidade de um verdadeiro referendo
regional, uma vez que não é convocado pelos órgãos regionais, mas sim pelo
Presidente da República.Eis um regime altamente insuficiente e
que se pretende reformular: estabelecer a possibilidade de o referendo regional
ser sempre convocado dentro do sistema político-constitucional regional, sem
interferências de órgãos estranhos, como são os órgãos de soberania do Estado,
e sobretudo permitir que as matérias sobre as quais o mesmo seja convocado,
respeitem a domínios políticos e legislativos de interesse regional, podendo
elas ser da competência das Regiões Autónomas ou mesmo do Estado.
8. Constitui
uma aspiração legítima dos cidadãos insulares, desde que em 1976 a Constituição
o impôs à revelia do sentimento das populações, o desaparecimento de um
representante do Estado, residente na Região e dotado de poderes
constitucionalizados.Trata-se de uma criação institucional
jamais aceite, nem vivencialmente assimilada pelas populações. Se com os “ministros da República” que
insolitamente integravam o Governo central, fatalmente a situação redundara em
desnecessários, mas inevitáveis, conflitos políticos ou jurídicos, é verdade
que o Representante da República que lhes sucedeu, já sem qualquer ligação ao
Governo e apesar da cooperação e boa-vontade demonstradas, não evitou impasses
inconvenientes, estimulados pela conhecida jurisprudência restritiva do
Tribunal Constitucional. Em todo o caso, as preocupações que nos
animam são de natureza exclusivamente institucional e em nada afecta a
consideração pessoal pelos actuais titulares do cargo, tanto na Região Autónoma
da Madeira, como na dos Açores.A agravar a situação, considera-se
discriminatório em relação aos arquipélagos portugueses, a instituição em causa
ser uma originalidade do sistema constitucional português, na medida em que tal
figura, ou similar, não existe na União Europeia nem noutros países
democráticos, nos territórios de natureza sub-estatal dotados de poder
legislativo. Não tem qualquer sentido recusar às
Regiões Autónomas, uma representação do Estado idêntica ao restante território
nacional, titulada nos Órgãos de soberania, preferindo-se manter um resquício
colonialista, herdado do passado, de colocar nas Ilhas um enviado da capital do
Império para obediente e permanente memória dos insulares, o que não é
compaginável com a unidade do Estado que defendemos. Do exposto, e dada a natureza das funções
do Representante da República, opta-se, pois, por uma situação similar a outras
regiões da Europa democrática, tal como a Madeira e os Açores dotadas de poder
legislativo próprio.
9. Outra
alteração sensível, é a do aperfeiçoamento dos órgãos regionais, para além da
extinção do Representante da República, passando-se a prever a nomeação e
exoneração do Presidente do Governo Regional pela Assembleia Legislativa. É uma importante medida para colocar a
verdade formal de acordo com a verdade real do sistema político regional: não
faria sentido, fazer intervir o Representante da República numa matéria alheia
à República, como é a designação do Chefe do Governo Regional e dos seus
membros, resultante dos resultados eleitorais regionais.
10. Propõe-se a
extinção do Tribunal Constitucional, porquanto, em especial a propósito da
apreciação preventiva da constitucionalidade, tem revelado uma particular
vulnerabilidade político-partidária que não dignifica a Justiça Constitucional. Assim, propõe-se a transferência das
actuais competências do Tribunal Constitucional para uma Secção própria do
Supremo Tribunal de Justiça (a Secção Constitucional), ficando, assim, a cargo
de magistrados de carreira, ao mais alto nível – Juízes Conselheiros – a
Justiça Constitucional, como, aliás, acontece noutros países em que as questões
de constitucionalidade estão atribuídas à jurisdição comum.
11. Propõe-se
também a extinção da Entidade Reguladora para a comunicação social, na medida
em que, no estádio actual da nossa Democracia e da maturidade que é suposto ter
atingido a Comunicação Social e os seus agentes, não faz qualquer sentido a
existência de uma Entidade Administrativa com competências de intervenção num
sector essencial à livre informação, ao pluralismo e expressão de ideias e
opiniões que não pode, nem deve, ser tutelado, como atualmente a Constituição
prevê. Os direitos dos cidadãos que possam, por
excessos e por inobservância das regras a que a actividade de comunicação
social está subordinada, ser preteridos ou postos em causa, e a
responsabilização por tais comportamentos, deve caber única e exclusivamente
aos Tribunais. Dever-se-á ainda assegurar que tais
situações sejam objecto de processos céleres para que a reparação de eventuais
ofensas possa ser efectiva e não diluída no tempo que, qualquer intermediação
administrativa tornaria ainda mais prolongado. Iguais razões fundamentam a extinção da
Comissão Nacional de Eleições, dado o carácter acentuadamente partidário
resultante da sua composição, para além do combate ao despesismo que ambas
extinções concretizam.
12. Sendo estas
as principais alterações ao articulado da CRP que importa referir, não se
deixa, nesta exposição de motivos, de mencionar outras questões que igualmente
se sugere alterar no texto da Constituição da República Portuguesa:
- a menção, em
todo o texto constitucional, às Regiões Autónomas com letra maiúscula, assim
melhor se assinalando a sua dignidade institucional;
- a eliminação
da alusão ao facto de o Estado Português, possuindo Regiões Autónomas, ser
“unitário”, evitando-se gerar um possível equívoco linguístico de contradição
entre o art. 6º da CRP e o reconhecimento efectivo das autonomias regionais com
os respetivos poderes legislativos;
- o
esclarecimento de que a Democracia não deve tolerar comportamentos e ideologias
autoritárias e totalitárias, sejam de Direita, sejam de Esquerda, assim se
justificando a alteração proposta ao
art. 46º, nº 4, e no art. 160º, nº 1, al. d), da CRP;
- a necessidade
de se consagrar, nas normas constitucionais sobre o Orçamento de Estado, o
sistema fiscal próprio das Regiões Autónomas e a sua especificidade orçamental
e financeira, em termos de a autonomia regional ter uma idêntica expressão
financeira no Orçamento do Estado, nomeadamente em matéria de transferências
financeiras, assim se acrescentando o nº 5 ao artigo 105º da CRP;
- o reforço da
superioridade hierárquica dos Estatutos Político-Administrativos das Regiões
Autónomas, verdadeiras “Constituições Regionais”, em relação aos demais actos
legislativos ordinários, do Estado ou das Regiões Autónomas, assim se propondo
uma nova redacção do nº 2 do art. 112º da CRP;
- além das
alterações propostas em matéria de referendo regional, impõe-se também
democratizar o referendo nacional, aceitando que o mesmo possa ser realizado
sobre alterações à própria CRP, dando-se nova redacção ao art. 115º, nº 4, da
CRP;
- a eliminação
do instituto da referenda ministerial prevista no art. 140º da CRP, qual “acto
notarial” do Primeiro-Ministro sobre certos actos do Presidente da República,
sem qualquer sentido num sistema de governo semi-presidencial, em que cada
órgão tem os seus poderes de intervenção previamente definidos e equilibrados,
instituto que tem criado várias dúvidas e cuja tradição não é
democrático-republicana, porque ora foi usado na ditadura de 1933 para cercear
os poderes do Chefe de Estado, ora foi usado no tempo da monarquia para isentar
o Rei de qualquer responsabilidade;
- o alargamento
do poder de iniciativa legislativa conferido às Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas, no âmbito do procedimento legislativo parlamentar estadual,
pelo desaparecimento de qualquer dependência da avaliação de um interesse
regional, sendo certo que em muitos domínios tal definição se revela impossível
de concretizar. Ao mesmo tempo, parece acertada a possibilidade de mais um
órgão parlamentar com legitimidade popular direta, ter iniciativas legislativas
na Assembleia da República, assim se sugerindo uma nova redacção para o art.
167º, nº 1, da CRP;
- a clara
parlamentarização do sistema de governo das autarquias locais, especificando-se
no texto constitucional, através de nova redacção do art. 239º, nº 3, da CRP,
que o Presidente do órgão executivo é eleito pelo órgão parlamentar;
- a eliminação
das organizações de moradores, excrescência revolucionária que a CRP tem
teimado em manter e sem qualquer adesão à realidade social, assim se revogando
os artigos 263º, 264º e 265º da CRP.
- adita-se ao
texto constitucional, inovando, matérias que reforçam os direitos dos cidadãos
ante a respetiva violação, e que constitucionalizam o “direito à diferença”.
13. Quando da eleição dos Deputados à Assembleia da República, no círculo da
Madeira, publicitaram-se e explicaram-se linhas gerais das soluções aqui
propostas, que visam o aperfeiçoamento do funcionamento do Estado e o reforço
da Autonomia Regional para consolidação da unidade e da coesão nacionais.No entendimento de que a Madeira está acima
dos Partidos, os projetos de revisão constitucional Destes, não impedem a
apresentação de outro por Deputados pela Região Autónoma, mediante a
solicitação da Assembleia Legislativa do arquipélago que esta Resolução
configura. Até porque o Projeto contido nesta
Resolução não é contra os dos Partidos, mas complementa-os em termos de alargar
o âmbito das matérias para reflexão do soberano Povo português, pelo que a Assembleia
Legislativa da Madeira aceita todos os contributos dos Deputados à Assembleia
da República que o subscrevam. O
elenco de alterações patenteia o duplo sentido de, por um lado, consolidar e
alargar o auto-governo das Regiões e, por outro, assegurar a maior participação
das Regiões na decisão das grandes questões e opções nacionais que, sempre, em
maior ou menor grau, direta ou indiretamente, têm incidência sobre as Regiões e
sobre a vida das suas populações. Aliás,
a Revisão Constitucional torna-se imperativa, quer para “reforma do Estado”,
quer para assegurar a sobrevivência do Estado Social. A oportunidade
histórica da Revisão Constitucional não pode ser desperdiçada, adiantando-se,
para além da iniciativa da presente Resolução, a disponibilidade para, com
todas as forças políticas, dialogarmos e discutirmos com vista à aproximação e
convergência de soluções"