sexta-feira, abril 19, 2013

Opinião: "O processo é que conta (e que se lixe o défice!)"

"Pode parecer uma lei estúpida, mas até o pai da social-democracia, Eduard Bernstein, a subscreveu no princípio do século XX. O movimento, ou o processo, é mais importante do que o seu objetivo. Escreveu Bernstein, como resumo do ponto de vista: "O movimento é tudo, o objetivo não é nada".
Eu penso que a troika e os célebres mercados partilham este ponto de vista. Para um país sobre-endividado como Portugal, o mais importante não é obter um défice de 5,5 por cento à custa de medidas extraordinárias (como cortes pontuais nos salários ou impostos que não podem manter-se por muito tempo tão elevados). O objetivo do défice é importante, mas a sustentabilidade da economia é mais. O que conta é o processo.
O que o Governo começou a fazer foi fixar-se no objetivo (défice) e esquecer o processo (como vamos manter o equilíbrio das contas). Os défices têm sido obtidos através de receitas que não podem continuar a ser geradas (o IVA a 23% ou os escalões do IRS tal como estão). Para se ficar no processo, mais custoso e doloroso, deveria ter cortado a despesa.
Depois do chumbo do Tribunal Constitucional parece que o Governo acordou para essa necessidade. Ainda bem. Basta ver que os ditos mercados gostaram mais destas notícias do que daquelas que visam apenas medidas temporárias. Mais do que saber se conseguimos o défice estimado, aos mercados interessa saber se geramos os ditos saldos primários para honrar a dívida  (a palavra honrar significa pagar de forma acordada, não impede renegociações ou mesmo perdões parciais).
Veremos agora que tipo de consensos se geram na sociedade para minorar definitivamente a enorme despesa do Estado, que consome quase 50 por cento dos recursos do país e em muitos casos, mais de 50 por cento dos salários dos trabalhadores (não só em IRS, mas em todos os impostos conjugados). Até agora, o Governo apostou em cortes específicos (mas não anunciados) em todos os ministérios e nas PPP (onde admite, e também acho bem) aplicar um imposto. Mas falta muito.
O trabalho nas autarquias ficou por quase nada. Nas regiões autónomas continua a haver dinheiro gasto sem grande controlo. E, segundo o prof. Luís Valadares Tavares escreve hoje no 'Público', a aquisição de bens e serviços, excluindo obras, continua nuns 22 mil milhões de euros, dos quais 10 mil milhões a cargo de Serviços e Fundos Autónomos. Como grande parte desta despesa é feita por ajustes diretos, ou seja sem concorrência, podemos fazer ideia do que se poderá poupar. O mesmo professor estima que 15% de poupança pela introdução de mecanismo de concorrência, provocaria só nos Serviços e Fundos Autónomos uma poupança de 1500 milhões de euros. Ou seja, mais do que o necessário para este ano. E com a vantagem de ser um corte para sempre e não temporário.
São medidas destas que o Governo precisa de propor aos parceiros sociais, ao Parlamento (e ao PS) e, obviamente à sociedade. Eu penso que, como os mercados, o que os portugueses querem saber é como será a sustentabilidade do país no futuro. E essa sustentabilidade passa por algo que é simples de dizer, embora difícil de fazer:
1) O Estado gastar menos;
2) Gastando menos, o Estado cobrar menos impostos deixando liquidez nas famílias e empresas;
3) Esperar que a Economia reanime, libertando as empresas e as pessoas da canga tributária que lhes é imposta.
Pensar que é através do Estado que a Economia se salva é voltarmos muito atrás. É o Estado endividar-se mais, para nos sacar mais dinheiro, para não valer de nada o esforço que já foi feito e mais o que ainda falta fazer.
Mais do que um défice de 5,5% é isto que os portugueses, os mercados e a troika  querem perceber se vai ou não ser feito. Este é o processo, o objetivo do défice é menos importante" (texto de Henrique Monteiro, Expresso, com a devida vénia)