sexta-feira, julho 26, 2024

Venezuela: a população está “farta” do regime de Maduro e nas ruas sente-se o “ar de mudança”

Milhões de venezuelanos que vivem fora do país estão impedidos de votar, mas ainda assim há muita esperança de que a oposição tenha sucesso. Caso Nicolás Maduro vença as eleições, receia-se que muitos venezuelanos decidiam emigrar e que outros que queriam regressar ao país não o façam. O próximo domingo, 28 de julho, vai ser decisivo para a Venezuela. As eleições presidenciais vão definir a permanência de Nicolás Maduro no poder, enquanto a oposição venezuelana, que se uniu e formou a Plataforma Unitária Democrática, tem uma oportunidade de vencer as eleições, segundo várias sondagens. As tensões aumentam nesta campanha eleitoral e há uma enorme expectativa para conhecer o resultado de domingo.

“Há um ar de mudança e de esperança”, diz Andreina Pereira, luso-venezuelana a viver na Madeira desde 2016. Os seus pais imigraram para a Venezuela entre as décadas de 1960 e de 1970 e Andreina acabou por nascer no país, onde se formou em contabilidade e iniciou o percurso profissional. Viveu no país até aos 26 anos, quando a crise a obrigou a regressar às origens, mas a maioria da sua família permanece na Venezuela por não quer abandonar negócios ou propriedades.

A luso-venezuelana tem assistido com nervosismo à campanha eleitoral. “Já vimos isso nas várias eleições passadas, há sempre situações mais difíceis especialmente nas cidades grandes em que há sempre conflito no dia das eleições”, explica. A ansiedade de Andreina é, ainda assim, substituída por alguma certeza de que, se o atual Presidente perder, a sua saída será democrática e não pela força.

Recentemente, a campanha eleitoral de Maduro tem subido de tom com a instigação do medo e ameaças de uma guerra civil, caso não vença as eleições, mas Andreina tem percebido que a população não está a encará-las com receio, como se faria sentir há uns anos. “As pessoas estão tão fartas da situação que se prolonga já por mais de 25 anos, que não estão a ligar demasiado a estas ameaças”, em especial devido a uma certa confiança de que, se o resultado mostrar uma vitória significativa da oposição, “até a comunidade internacional terá que, de alguma forma, se manifestar e proteger o povo da Venezuela”.

POUCO MAIS DE 1% DOS IMIGRANTES VENEZUELANOS VÃO PODER VOTAR

Desde que imigrou para Portugal, há oito anos, a luso-venezuelana não consegue votar nas eleições e estas não serão diferentes. “No consulado da Venezuela no Funchal, o registo só abriu nos últimos dois dias, o que foi muito difícil. Das pessoas que moram cá, muitas foram durante vários dias e o sistema [de registo] nunca estava disponível”, conta. Quando o sistema abriu nos últimos dois dias, foi somente por umas curtas horas, o que impossibilitou vários venezuelanos de se inscreverem para votar.

Este impedimento de voto é a realidade para muitos venezuelanos deslocados. Cerca de oito milhões de venezuelanos vivem fora do país, desse total aproximadamente cinco milhões já atingiram a maioridade, contudo apenas 69.211 conseguirão exercer o seu direito de voto no domingo, denunciou à agência noticiosa Efe Estefania Parra Anselmi, coordenadora internacional da Voluntad Popular, um grupo que reúne os opositores que residem em Espanha.

“A forma como foi negado o direito de voto aos venezuelanos no estrangeiro constitui uma violação flagrante dos seus direitos políticos”, afirma ao Expresso, Cristóbal Fernández Daló, ex-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. Em muitas cidades devido à inexistência de um consulado, a inscrição dos eleitores não foi possível, foram exigidos documentos que não estavam previstos na lei, além da abertura tardia do registo, denuncia o político venezuelano. “Felizmente, cada eleitor excluído está a assumir tarefas de comunicação, mobilização e apoio logístico que significarão uma contribuição fundamental para o triunfo de Edmundo González”, diz, ao referir-se ao candidato da oposição.

Para combater a exclusão da grande maioria dos membros do núcleo de imigrantes, o qual Andreina integra, foi enviada uma carta registada ao Consulado no Funchal para expor a situação e pedir alternativas. Contudo, não obtiveram reposta. A falta de reação de organismos oficiais venezuelanos “já é minimamente habitual”.

“É difícil para as pessoas que estão em países que sancionaram a Venezuela, onde não há relações, poderem votar”, começa por explicar Miguel Tinker Sala, professor universitário venezuelano especializado na história da América Latina na Universidade de Pomona, em Claremont, na Califórnia, nos EUA. Para tornar as eleições presidenciais na Venezuela mais justas e livres, em maio deste ano a União Europeia (UE) decidiu suspender temporariamente as sanções às autoridades eleitorais venezuelanas, avançou o canal televisivo Bloomberg. Como resposta, o governo da Venezuela criticou a decisão de não retirar todas as sanções e retirou o convite para uma missão de observação eleitoral da UE. “Quando os boletins de voto forem abertos, a taxa de abstenção já será de 25%, porque esse é o número de pessoas que estão fora do país, por isso, esta será uma diferença dramática em termos da votação efetiva”, o que pode influenciar o resultado eleitoral, diz o docente ao Expresso.

A ESPERANÇA NA VITÓRIA DA OPOSIÇÃO

“A única sondagem que eu vi, até agora, que dá o presidente Maduro como vencedor, realmente são sondagens de meios ligados ao partido do Presidente. A maioria das sondagens dão diferenças incríveis, com a oposição a vencer por 70 a 30, ou 60 a 40, nada abaixo disso”, conta Fernando Campos, conselheiro das comunidades portuguesas na Venezuela.

Caso as sondagens não reflitam esta expectativa e Nicolás Maduro vença no próximo domingo, existe um receio de que se gere uma nova vaga de emigrantes, que se irá juntar aos quase oito milhões de venezuelanos que vivem fora do país, segundo dados da Plataforma de Coordenação Interagencial para Refugiados e Migrantes da Venezuela. Fernando Campos explica que, nos últimos anos, a Venezuela deixou de ser um país que acolhia quem procurava melhores condições de vida para começar a “exportar pessoas”, entre as quais os mais jovens se destacam. “Depois de tantos anos, se Maduro volta a ganhar as eleições e fica lá mais cinco anos, as expectativas das pessoas vão cair e eu acredito que vai haver uma vaga de emigração muito grande logo de seguida”, explica o conselheiro, que acredita que poderá haver muitos membros da comunidade portuguesa a ponderar regressar ao seu país de origem.

A família de Andreina que ainda vive na Venezuela não pondera emigrar, mas a luso-venezuelana admite que é uma decisão que pode depender muito daquilo que sucederá no pós-eleições. Existe ainda outra hipótese que coloca em discussão além da possível enorme vaga de deslocados. “Acompanho muitos imigrantes cá em Portugal, mas também temos uma ligação com outros países e sabemos que há muitíssimos venezuelanos que estão à espera dos resultados para voltarem à Venezuela”, relata Andreina, que acredita que, se Maduro vencer no próximo domingo, pode demover vários venezuelanos de regressarem ao seu país.

Embora receie os resultados da noite eleitoral de domingo, Fernando Campos, que vive na Venezuela desde 1979, percebe, através das pessoas com quem fala, que há um sentido de voto na oposição “muito forte”. “Pelo menos desde o princípio deste ano, tem-se notado que as pessoas estão realmente a mudar e a acompanhar a oposição”, descreve.

Com Hugo Chávez no poder desde 1998 e a continuação do seu regime por Nicolás Maduro, a alteração da qualidade de vida da população foi notória nos últimos anos. Fernando Campos explica que a classe média desapareceu completamente e deu lugar a uma classe extremamente rica e outra muito pobre. Em 2023, mais de metade da população na Venezuela vivia em pobreza, segundo um estudo da Universidade Católica Andrés Bello, em Caracas, na Venezuela. As “pessoas perderam o poder aquisitivo, perderam a capacidade de continuar nos seus trabalhos. A nossa comunidade está muito no comércio, onde as margens de lucro caíram de uma forma muito grande e os impostos aumentaram muito”.

“Já não existe tanta falta de produtos como em 2016 acontecia. No entanto, há ainda um nível de pobreza muito grande e uma dificuldade em acesso a serviços básicos. Há sempre problemas com a água, há sempre problemas com a luz, muitos problemas a nível de saúde porque os hospitais não têm a capacidade, não têm os recursos, não têm as ferramentas que são necessárias para dar resposta. Uma resposta que deveria ser o normal num país desenvolvido, num país que tem tantas riquezas como a Venezuela tem”, descreve Andreina Pereira.

Para Cristóbal Fernández Daló, que foi dirigente juvenil do Movimento para o Socialismo e participou na fundação da Mesa da Unidade Democrática, uma coligação criada em 2008 por vários partidos da oposição a Hugo Chávez, esta é uma campanha eleitoral “atípica”, com “Maduro e a sua equipa mais agressivos do que nunca em termos verbais, mas com uma fraca presença nas ruas” e a “utilizar descaradamente todo o aparelho do Estado e os seus recursos materiais”.

A presença nas ruas de Maria Corina Machada, rosto da oposição e impedida de exercer um cargo público por 15 anos após uma condenação por corrupção pelo Supremo Tribunal da Venezuela, em conjunto com o candidato a presidente Edmundo González, é “avassaladora”. “A leitura das sondagens e a dimensão e o entusiasmo que se sentem nos eventos de rua refletem um nível de apoio muito superior a qualquer outro momento no último quarto de século”, conta o político venezuelano.

Embora haja eventos de rua e uma forte presença nas redes sociais, Fernando Campos praticamente não vê na televisão nem ouve na rádio qualquer referência à campanha eleitoral da oposição. Quando caminha na rua, o conselheiro observa que os cartazes com a cara de Maduro pintam as ruas.

Miguel Tinker Salas, que está atualmente na Venezuela para votar, indica que existe uma “atitude cautelosa de esperar para ver o que acontece no domingo”. “Há uma grande percentagem da população que, sem dúvida, anseia pela mudança e o que essa mudança pode implicar. A principal proposta da oposição até agora tem sido a mudança de liberdade, sem entrar em pormenores. Maduro, por outro lado, faz promessas atrás de promessas de pensões para idosos, pensões para mães”, diz. “Depois de tantos anos, o país continua numa situação muito difícil, então as pessoas agora têm umas expectativas muito grandes com estas eleições, estão a depositar muitas esperanças, o que é muito normal porque realmente a situação aqui tem estado muito complicada”, avalia Fernando Campos (Expresso,  texto da jornalista Eunice Parreira)

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