Os governos devem um valor-recorde de 91 biliões de dólares (cerca de 84 biliões de euros), um valor quase equiparável ao tamanho da economia global e um que, em última instância, vai afetar gravemente as suas populações. O peso da dívida cresceu tanto – em parte por causa do custo da pandemia – que representa agora uma crescente ameaça para os padrões de vida até em economias ricas, incluindo os Estados Unidos. Ainda assim, num ano de eleições por todo o mundo, os políticos estão, em larga medida, a ignorar o problema, sem disposição para falar com os eleitores sobre o aumento de impostos e os cortes nas despesas que são necessários para fazer face ao dilúvio de empréstimos. Em alguns casos, estão mesmo a fazer promessas extravagantes que podem, no mínimo, fazer subir novamente a inflação e até desencadear uma nova crise financeira.
Este mês, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reiterou o seu aviso de que os “défices fiscais crónicos” nos EUA precisam de “respostas urgentes”. Os investidores partilham há muito a sua inquietação sobre a trajetória de longo prazo das finanças do governo norte-americano. “[Mas] os contínuos défices e o aumento do peso da dívida [agora] fazem com que seja mais um problema de médio prazo”, diz à CNN Roger Gallam, responsável mundial pelas taxas de juro na Vanguard, uma das maiores gestoras de ativos do mundo. À medida que o peso das dívidas se amontoa em todo o mundo, os investidores estão a ficar ansiosos. Em França, a turbulência política exacerbou as preocupações quanto à dívida pública do país, fazendo disparar os rendimentos das obrigações, ou os rendimentos exigidos pelos investidores.
A primeira volta das eleições antecipadas, a 1 de julho, sugeriu que alguns dos piores receios do mercado poderão não se concretizar. Mas, mesmo sem o espectro de uma crise financeira imediata, os investidores estão a exigir rendimentos mais elevados para comprarem a dívida de muitos governos, à medida que aumenta o défice entre as despesas e os impostos.
Os custos mais elevados do serviço da dívida significam menos dinheiro disponível para serviços públicos cruciais ou para responder a crises como colapsos financeiros, pandemias ou guerras.
Uma vez que as taxas de rendibilidade das obrigações do Tesouro são utilizadas para fixar o preço de outras dívidas, como as hipotecas, o aumento das taxas de rendibilidade também se traduz em custos de empréstimo mais elevados para as famílias e as empresas, o que prejudica o crescimento económico.
Com a subida das taxas de juro, o investimento privado diminui e os governos têm menos capacidade de contrair empréstimos para responder a recessões económicas.
Para resolver o problema da dívida dos Estados Unidos, será necessário aumentar os impostos ou reduzir os benefícios, como a segurança social e os programas de seguro de saúde, indica Karen Dynan, antiga economista-chefe do Tesouro dos EUA e atualmente professora na Harvard Kennedy School. "Muitos [políticos] não estão dispostos a falar sobre as escolhas difíceis que terão de ser feitas. São decisões muito sérias... e podem ter consequências muito graves para a vida das pessoas". Kenneth Rogoff, professor de economia da Universidade de Harvard, concorda que os EUA e outros países terão de fazer ajustes dolorosos.
A dívida "já não é gratuita", diz à CNN.
"Na década de 2010, muitos académicos, decisores políticos e banqueiros centrais chegaram à conclusão de que as taxas de juro iriam manter-se próximas de zero para sempre e começaram a pensar que a dívida era um almoço grátis", afirma.
"Isso foi sempre um erro, porque podemos pensar na dívida pública como uma hipoteca de taxa flexível e, se as taxas de juro subirem muito, os pagamentos de juros aumentam muito. E é exatamente isso que tem acontecido em todo o mundo."
‘Conspiração do silêncio’
Nos Estados Unidos, o governo federal vai gastar 892 mil milhões de dólares (822 mil milhões de euros) no ano fiscal corrente em pagamento de juros – mais do que o que está destinado à Defesa e perto do que está orçamentado para o Medicare, o programa de seguros de saúde para os idosos e pessoas com incapacidades.
No próximo ano, os pagamentos de juros vão ultrapassar os 921 mil milhões de euros da dívida nacional de mais de 30 biliões de dólares, uma soma que, em si mesma, é equivalente ao tamanho da economia norte-americana, de acordo com o Gabinete Orçamental do Congresso (GOC), o organismo de controlo fiscal. O GOC prevê que a dívida dos EUA atinja os 122% do PIB dentro de apenas 10 anos a contar de agora. E em 2054, a dívida deverá atingir os 166% do PIB, desacelerando o crescimento económico.
Então, quanta dívida é dívida a mais? Os economistas não consideram que exista um “nível pré-determinado a partir do qual coisas más acontecem nos mercados”, mas a maioria deles reconhece que, se a dívida atingir os 150% ou os 180% do Produto Interno Bruto (PIB), isso traduz-se em “custos muito sérios para a economia e para a sociedade em geral”, diz Dynan.
Apesar do crescente alarme em relação à dívida do governo federal, nem Joe Biden nem Donald Trump, os principais candidatos às presidenciais de 2024, estão a prometer disciplina fiscal antes das eleições de novembro.
Durante o primeiro debate presidencial na televisão, na semana passada, transmitido pela CNN, cada candidato acusou o outro de piorar a situação da dívida dos Estados Unidos, quer através de cortes nos impostos prometidos por Trump, quer através de despesas adicionais propostas por Biden.
Os políticos britânicos também enterraram a cabeça na areia antes das eleições gerais de 4 de julho. O Instituto de Estudos Fiscais (IEF), um influente grupo de reflexão, denunciou uma "conspiração de silêncio" entre os dois principais partidos políticos do país, sobre o mau estado das finanças públicas.
“Independentemente de quem assumir o cargo após as eleições gerais, a menos que tenha sorte, [o novo governo] irá enfrentar em breve uma escolha difícil”, disse o diretor da IEF, Paul Johnson, na semana antes da ida às urnas. “Aumentar os impostos mais do que nos disseram nos seus manifestos, ou implementar cortes em algumas áreas da despesa, ou pedir mais empréstimos e contentar-se com o aumento da dívida durante mais tempo.”
Os países que estão a tentar resolver o problema da dívida estão a enfrentar dificuldades. Na Alemanha, as lutas internas em curso sobre os limites da dívida colocaram a coligação governamental tripartida do país sob enorme tensão. O impasse político poderá chegar no fim deste mês.
No Quénia, as reacções às tentativas de resolver o problema da dívida de 80 mil milhões de dólares do país (73,75 mil milhões de euros) têm sido ainda piores. Os aumentos de impostos propostos provocaram protestos a nível nacional, que causaram 39 mortos, levando o presidente queniano, William Ruto, a anunciar que não assinaria as propostas de lei.
Entra em cena o assustador mercado obrigacionista
Mas o problema de adiar os esforços para controlar a dívida é que isso deixa os governos vulneráveis a uma disciplina muito mais dolorosa por parte dos mercados financeiros. O Reino Unido é o exemplo mais recente de uma grande economia nessa situação. A antiga primeira-ministra Liz Truss provocou um colapso da libra em 2022 quando tentou forçar grandes reduções fiscais financiadas por um aumento do endividamento.
E a ameaça não desapareceu. Veja-se o caso de França. O risco de uma crise financeira tornou-se uma preocupação séria praticamente da noite para o dia, depois de o presidente, Emmanuel Macron, ter convocado eleições antecipadas em junho, no rescaldo da derrota nas eleições europeias.
Os investidores receavam que os eleitores elegessem um parlamento de populistas empenhados em gastar mais e em reduzir os impostos, aumentando ainda mais a já elevada dívida e o défice orçamental do país. Embora o pior cenário pareça agora menos provável, o que acontecerá agora que a segunda volta das eleições não deu a vitória à extrema-direita está longe de ser certo. As taxas de rendibilidade das obrigações do Estado francês continuam a subir, tendo atingido a 2 de julho o nível mais elevado dos últimos oito meses.
Dynan, da Harvard Kennedy School, diz que os mercados financeiros podem ficar rapidamente enervados com a "disfunção política" que leva os investidores a duvidar da vontade de um governo em honrar a sua dívida. "Tendemos a ter uma falta de imaginação sobre a possibilidade de as coisas correrem mal”, afirma. “Se houver um grande acontecimento em que o mercado se passe com a dívida [dos EUA], não será algo que esteja no nosso radar." (CNN, análise da jornalista Hanna Ziady)
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