quarta-feira, maio 11, 2022

Vírus da gripe atual é descendente direto do da pandemia de 1918 que matou milhões a nível mundial, indica estudo


A I Guerra Mundial estava a chegar ao fim quando uma estirpe de gripe começou a espalhar-se rapidamente pelo mundo – em apenas 18 meses infetou um terço da humanidade e em apenas dois anos terá sido responsável pela morte de entre 50 e 100 milhões de pessoas. Segundo uma pesquisa liderada pelo Instituto Robert Koch, em Berlim, esse patógeno altamente letal que causou a pandemia da gripe espanhola de 1918 pode ser o antecedente direto do H1N1, conhecido como influenza A, uma dos vírus da gripe sazonal atual. De acordo com os especialistas, a pandemia do início do século XX pode ter determinado a composição genómica dos vírus da gripe humana da atualidade.

Dois genomas completos de vítimas que morreram em Nova Iorque, em setembro de 1918, e no Alasca, em novembro de 1918, exatamente os meses do pico da pandemia, forneceram mais informações sobre a gripe espanhola. Sébastien Calvignac-Spencer, coautor desta pesquisa, cujas conclusões foram publicadas na revista científica ‘Nature Communications’, pesquisou coleções de museus à procura de amostras de pulmão com o objetivo de tentar recuperar o vírus e lançar luz sobre o que é considerado a pior catástrofe de origem viral da história.

Foram resgatadas amostras de 13 pulmões de diferentes indivíduos entre 1901 e 1931, armazenados em arquivos históricos de museus na Alemanha e na Áustria – seis dessas amostras foram recolhidas entre 1918 e 1919, o que permitiu dois genomas parciais de Berlim (1918) e um genoma completo de uma amostra de Munique (1918). “Os nossos resultados mostraram que houve variação genómica durante esse período e que não houve substituição de linhagens, ao contrário de hoje em que algumas variantes do vírus substituem outras”, disse Calvignac-Spencer.

O investigador e a sua equipa encontraram diferenças no genoma do vírus antes e depois do pico da pandemia: viram que houve alterações em algumas proteínas que permitiram que o vírus se adaptasse melhor ao processo de infeção humana e otimizasse o seu crescimento. “O vírus sofre mutações continuamente para tentar livrar-se do sistema imunológico humano”, explicou o virologista Thorsten Wolff, do Instituto Robert Koch e coautor do estudo. Os cientistas também estimaram a evolução do vírus, como uma espécie de árvore genealógica do H1N1, e sugeriram que todos os segmentos do atual genoma da gripe sazonal poderiam ser descendentes diretos daquela primeira variante pandémica de 1918 – uma conclusão que contradiz hipóteses anteriores, que sugeriam que o vírus sazonal que enfrentamos todos os anos teria surgido como consequência da recombinação ou mistura de segmentos do genoma entre diferentes vírus.

“O vírus H1N1, influenza A, foi descoberto em 2009 e os nossos dados comprovam que está diretamente relacionado ao vírus de 1918”, reforçou Wolff. Certamente, a origem do vírus da gripe, o reservatório natural, está em alguma ave selvagem, embora seja uma hipótese ainda muito debatida e que teria passado para o homem através de porcos ou aves. Da mesma forma que a Covid-19 tem como reservatório os morcegos. “Pode ser o primeiro vírus da gripe que saltou de animais para humanos”, apontaram os investigadores.

Embora sejam vírus muito diferentes, há muitas semelhanças entre a pandemia de 1918 e a pandemia da Covid-19. “Na gripe, as mutações numa proteína que interage com o sistema imunológico melhoram a capacidade infeciosa do vírus. Mutações na proteína S do vírus também ocorreram na Covid antes dos picos das ondas que evoluem”, garantiu o investigador especialista em genomas antigos, Carles Lalueza-Fox, diretor do Museu de Ciências Naturais de Barcelona, em declarações ao jornal espanhol ‘La Vanguardia’.

“As amostras da Alemanha e dos Estados Unidos analisadas mostram que é a mesma estirpe, o que indica que a transmissão geográfica era enorme naquela época em que as distâncias eram maiores do que atualmente”, precisou. “Há uma evolução paralela das duas pandemias, com uma grande transmissão horizontal em grandes distâncias geográficas.” No entanto, a mortalidade dos dois vírus seja muito diferente – enquanto a Covid-19 afetou sobretudo pessoas mais velhas, a gripe espanhola de 1918 fê-lo com jovens saudáveis entre os 20 e 40 anos.

Assim, seguramente, segundo os autores do estudo, também como aconteceu com o H1N1, o coronavírus SARS-CoV-2 também acabará por fazer parte do grupo de vírus sazonais, despojado já da alta mortalidade da primeira onda (Multinews, texto do jornalista Francisco Laranjeira) 

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