sábado, maio 28, 2022

PIB português regressa à cauda do pelotão a partir de 2023

 

Analisar números do produto interno bruto é quase como contemplar um quadro de Escher. Não sabemos bem se estamos a subir, se a descer ou qual é o referencial com que nos devemos comparar. A economia dá um salto no primeiro trimestre. Isso é bom? É mau? É assim-assim. Depende é, porventura, a resposta mais correta. E prudente. Para não se entrar em euforias injustificadas nem em angústias desnecessárias. Todas as boas notícias são bem-vindas mas convém, no entanto, ter uma perspetiva mais longa do que os dados mais recentes ou a última estimativa. Portugal começou o ano a grande velocidade e cresceu 11,9% no primeiro trimestre em comparação com igual período do ano passado. Foi a economia mais rápida da União Europeia (UE) no trimestre em que a guerra na Ucrânia começou. Foi o bom desempenho do primeiro trimestre, a par de sinais positivos sobre a recuperação do turismo, que levou a Comissão Europeia a rever em alta as projeções de crescimento português este ano. Nas previsões de primavera publicadas na semana passada aumentou a estimativa de 5,3% para 5,8%, ao mesmo tempo que cortou o valor esperado para o conjunto da zona euro, da UE e para quase todas as economias. Portugal foi um dos dois únicos países UE tiveram revisões em alta — o outro foi a Irlanda (de 5,1% para 5,4%) — e é mesmo o produto interno bruto (PIB) com maior projeção de crescimento este ano.

Até aqui só boas noticias. O arranque do ano correu bem, espera-se que o verão traga o turismo de regresso a 2019 e as perspetivas para o conjunto do ano são animadoras. Só que esta história tem outro lado. Como os últimos dados do indicador diário de atividade económica do Banco de Portugal, que revela como a economia começou a perder gás em maio. Convém recordar, por exemplo, que a Alemanha teve um trimestre negativo nos últimos três meses de 2021 e a Itália esteve no vermelho nos primeiros três meses do ano. O fantasma da recessão paira sobre algumas das maiores economias europeias e não é garantido que seja possível escapar-lhe, numa altura em que podemos estar a poucas semanas de o Banco Central Europeu anunciar a primeira subida das taxas diretoras desde 2011. O Bundesbank, o banco central alemão, acredita que o PIB voltará a crescer no segundo trimestre mas a ameaça está lá. Não é por acaso que o país, a maior economia da moeda única, está no fundo da tabela do crescimento este ano.

ONDE ESTARÁ A ECONOMIA PORTUGUESA PRÓXIMO ANO?

Portugal é campeão do crescimento este ano mas quando se faz o balanço à recessão provocada pela pandemia, o saldo não é assim tão animador. Por causa da dependência do turismo, entre outras coisas, o PIB português foi o quinto que mais caiu na zona euro em 2021. Deu um trambolhão de 8,4% naquela que foi a recessão mais grave desde 1928 num ano em que o conjunto da economia da moeda única recuou 6,4% e a União Europeia caiu 5,9%. Pior só Espanha (10,8%), Itália (9%), Grécia (9%) e Malta (8,5%).

A recuperação do PIB em 2021 — quando cresceu 4,9% e foi o 17ª da União Europeia — serviu apenas para recuperar cerca de metade da queda. O resto chegará este ano. Só em 2022 a economia regressará ao ponto de onde caiu antes da pandemia. E é aqui que a alta velocidade do PIB português pode não ser tão furiosa quanto parece à primeira vista. No próximo ano, o PIB nacional estará apenas 4,3% acima do que era em 2019. É o suficiente para bater a média da União Europeia (4,2%), a zona euro (3,7%) e algumas das maiores economias como Itália (1,2%), Alemanha (2,1%) ou França (3,4%). Mas fica aquém da maior parte dos países e longe do desempenho de economias como a Irlanda ( 32,2%) ou Eslovénia, Polónia e Luxemburgo, todas acima de 10% (ver gráfico).

O que reflete o facto de Portugal estar apenas a recuperar da queda e a partir de 2023 regressar à tendência de crescimento pré-pandemia que, sendo suficiente para assegurar a convergência com a média da zona euro como aconteceu entre 2016 e 2018, fica bastante abaixo do desempenho dos PIB mais rápidos da Europa. É por algumas das maiores economias serem as mais lentas que Portugal converge quando tem o oitavo crescimento mais lento nestes anos de saída da crise. A partir de 2023, o PIB estará praticamente alinhado com o seu potencial, diz o estudo “Um novo normal? Impactos e lições de dois anos da pandemia em Portugal”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS) divulgado esta semana. O que significa que, dados os seus recursos — capital e trabalho — não é possível acelerar muito mais. E o próprio PIB potencial caiu com a crise financeira em 2008 e isso também teve impacto no dinamismo económico nos anos seguintes. Diz o documento: “A capacidade de a economia portuguesa fazer crescer o seu produto potencial a um ritmo superior ao da média da zona euro inverteu-se a partir de 2002, e desde 2008–2009 o país entrou em clara divergência com a zona euro, intensificada pela crise das dívidas soberanas.” Na verdade, quando se olha para o crescimento acumulado desde o nascimento da moeda única, Portugal está abaixo da zona euro e assim vai continuar até 2023. A convergência conseguida nos anos anteriores à pandemia foi insuficiente para inverter a tendência que vinha desde a crise financeira (ver gráfico).

Neste sentido, a crise pandémica não alterou muito a realidade da economia portuguesa. No balanço destas duas décadas de união económica e monetária, Portugal esteve quase sempre nos últimos lugares do crescimento. Façamos as contas ao período completo 1999-2023 (já com a previsão de Bruxelas para este ano e o próximo): Portugal cresceu 29,3% e só bateu a Grécia (13,9%) e Itália (11,2%). No mesmo período, a Irlanda aumentou o seu PIB quase para o triplo (3,7 vezes) e outros oito países (Malta, Polónia, Lituânia, Roménia, Estónia, Letónia, Eslováquia e Luxemburgo) mais do que o duplicaram. Desde a crise financeira as coisas não mudaram muito. Entre 2008 e 2023, a confirmarem-se as previsões de Bruxelas, o PIB avançará 9,9%. É o quinto mais baixo da lista.

O que explica esta diferença? Olhemos por momentos para a decomposição do crescimento entre capital, trabalho e produtividade com base na base de dados AMECO da Comissão Europeia. Portugal está perto do fim da tabela no emprego: em 2023 será 4% superior ao de 1998, a quinta subida mais baixa. Na produtividade sobe uns degraus: tem o décimo valor mais baixo (11,6%) longe do topo da tabela onde estão a Lituânia (93,2%) e a Irlanda (90,2%). E perde bastante no stock de capital que está ao nível de 2008: enquanto em Portugal o crescimento desde 1998 foi de 38,4% (o quarto mais baixo), na liderança do ranking estão a Estónia (254%) e a Lituania (186,5%).

O QUE A PANDEMIA MUDOU?

A pandemia e a recessão não mudaram muita coisa na tendência de longo prazo da economia portuguesa. Mas teve efeitos que perdurarão. Como destaca o estudo da FFMS, houve “um impacto setorial muito desigual” com vários sectores ainda abaixo do nível pré-pandemia e as empresas aumentaram o seu endividamento “sobretudo nos setores mais expostos e nas empresas mais pequenas”. Estas diferenças notam-se, por exemplo, quando olhamos para a evolução da produtividade e das horas de trabalho. Em todos os sectores o número de horas trabalhadas caiu. Mas esse efeito foi desigual. Concentrou-se mais no ano 2020 e penalizou mais alguns sectores mais dependentes de trabalho presencial: como o alojamento e restauração ou o comércio. Igualmente assimétricos foram os efeitos na produtividade (ver gráfico). Notou-se também, nestes dois anos, efeitos assimétricos entre trabalhadores mais qualificados e outros de menor qualificação que poderão persistir.

O estudo da FFMS alerta que, neste momento, as políticas orçamental e monetária se confrontam com um equilíbrio difícil entre diferentes objetivos. Por um lado, evitar a retirada dos apoios cedo de mais para não penalizar o crescimento. Por outro, impedir que os apoios às empresas contribuam o “imobilismo empresarial” e para estimular processos de transição. Tudo isto num contexto de inflação alta. A FFMS fala em novo normal mas, na verdade, muito do que temos pela frente parece ser o velho normal (Expresso, texto do jornalista JOÃO SILVESTRE)

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