sexta-feira, março 26, 2021

Nota: uma opinião pessoal que recusa consensos

Hoje o meu texto é polémico, corporativista - porque serei sempre jornalista até morrer e não recebo lições sobre conduta deontológica e respeito pelo pluralismo e pela diversidade a este nível profissional - e não reunirá consensos. Porque a comunicação social foi ao longo dos anos o coveiro de si própria, deixando que alimentassem, e ela própria foi alimentando, teorias da conspiração e puzzles diabolizadores, que acabaram por se virar contra ela. Julgo que irreversivelmente. Mas vou escrevê-lo, publicá-lo e assumi-lo sem hesitações ou complexos.

O Estado, e muito bem, financia os partidos políticos por alegadamente serem - e são - essenciais à democracia, ao exercício do direito de cidadania e de participação por parte das pessoas, e à preservação do pluralismo de pensamento e de ideologias na sociedade portuguesa. Quanto a isso nada a dizer. 

Ao invés, e durante anos, criou-se um estigma - e o fenómeno também existe noutros países europeus -  assente em teorias da treta, discursos políticos manipulados e acusações mesquinhas e sem fundamento - a minha lógica é a de que em tudo na vida não podemos confundir uma ou duas árvores com a floresta - de que o Estado já não podia possuir nem financiar meios de comunicação social, porque isso seria ameaçar a liberdade de imprensa, dar origem a fretes, impostos não se sabe por quem, condicionar o trabalho e a consciência dos jornalistas, etc. No fundo o Estado seria dono e senhor dos meios de comunicação por si apoiados, e a reboque desse estatuto seria ele - leia-se, o poder, leia-se melhor ainda, os  partidos no poder - quem mandaria nas redações, elaboraria as agendas, escolheria títulos, censurava ou não programas de rádio ou televisão, autorizava, sim ou não, reportagens e/ou entrevistas com  alguém  da oposição, não permitindo a crítica nem o debate plural e alargado sobre qualquer tema, etc. O Estado era o demónio da comunicação social, do qual era preciso fugir e de proteger.

Os anos passaram, e começamos a ver os meios de comunicação a caírem, paulatinamente, nas mãos do poder económico e financeiro, na posse de empresários e outras respeitáveis figuras da sociedade portuguesa que aos poucos substituíram o tal "Estado papão", o tal diabo que, no caso dos empresários privados com interesses múltiplos legítimos, já se transformavam em anjos desinteressados e respeitadores de tudo e de todos. 

O Estado, por via do poder político e dos partidos, tinha interesse em subjugar a comunicação social?! E os privados, ligados ao mundo da finança e da economia empresarial, afinal não tinham também os seus interesses próprios, não poderiam usar os média como instrumentos de pressão ao serviço dos seus interesses e expectativas, não podiam fazer tudo o que de pior era imputado ao Estado que, custasse o que custasse, segundo alguns tinha que ser banido da comunicação social, à pressa e a pontapé, para descanso das almas mais desconfiadas?! Qual a diferença entre os interesses do poder político e dos partidos no poder e os interesses de empresários privados, da finança e da economia, que precisam de preservar os seus negócios, defender os seus interesses, garantir a sua facturação, apostar tudo por tudo na rentabilidade das suas empresas, preservar os postos de trabalho, etc, no fundo tudo o que passa ou depende inevitavelmente também do poder político, directa ou indirectamente, que não gosta de ser incomodado ou contrariado?! Não me gozem, por favor.

Hoje a comunicação social paga por erros que ela própria cometeu, porque também ela não soube reagir a tempo e quando esse tempo chegou, optando antes por se acomodar, despedir pessoal, reduzir redacções, perder qualidade, ser invadida paulatinamente pelas redes sociais e pelos novos média que desvalorizou, quer na informação quer no entretenimento, nunca criou os mecanismos generalizados de autodefesa corporativista, optando antes pelo egoismo idiota de cada um puxar para o seu lado, usando das influências que alegadamente dispunha (mas que nunca apareceram quando foram realmente necessárias), egoísmo esse que acabou de ser fatal para a sua fragilização acelerada, perda de importância social, sempre recuperável, vulnerabilizando-se quando as redes sociais avançaram no seu vale tudo populista e "judicialista", sem regulação, e o mercado publicitário passou a ter que fazer escolhas, influenciado ainda pela queda de vendas e de audiências.

Então os partidos políticos, repito, e bem, são financiados pelo Estado porque são essenciais para a democracia mas já os meios de comunicação que são a expressão dessa liberdade, dessa diversidade, desse pluralismo informativo e opinativo, etc, não são importantes? 

Porque motivo os partidos que andam a reboque da comunicação social, que apenas existem porque ganham espaço mediático, são apoiados pelo Estado em milhões - e, repito, contra isso nada a dizer - e a comunicação social já não pode beneficiar nem de uns tostões porque seria colocada em perigo, controlada pelo poder, etc, etc. Os mesmos partidos que dão esmolas aos cidadãos para concorrerem a eleições que eles acham serem menores - caso das autárquicas - mas vedam essa mesma participação de listas de cidadãos em eleições parlamentares que mexem com eles e com os seus interesses - reconheço que isso daria uma discussão que nunca foi feita. 

Claro que hoje muita coisa mudou. As redes sociais deram origem ao aparecimento de novos mecanismos ou recursos de entretenimento e de comunicação - não confundir com aqueles que seguem regras de regulação essenciais, há mesmo novos meios de comunicação social que apostaram apenas no digital e que não diferem nas suas obrigações, direitos e deveres dos demais meios de comunicação - que provocam uma certa confusão entre a libertinagem desregulada das redes sociais e os meios de comunicação tradicionais, obrigados a apostarem também no digital sob pena de, não o fazendo, desaparecerem aos poucos de circulação e em catadupa.

Hoje mudou muita coisa e a crise gerada pela pandemia veio colocar mais em evidência a crise do sector e as dificuldades dos meios de comunicação tradicionais que tudo faziam para as disfarçarem, particularmente todos os finais do mês. Daí estas movimentações, incluindo nas televisões, com casos de compra e venda de participações ou de meios de comunicação social, sem que "lá fora", for a do mundo real da comunicação social, nada tenha mudado. Pelo contrário, persistem as incertezas e as dúvidas e é cada vez mais evidente que há uma crise que já não pode ser mais disfarçada. Uma crise que terá impactos negativos, sem que se possa antecipar a dimensão dessa crise (LFM)

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