A 24 de novembro
os novos acionistas da Media Capital fizeram uma conferência de imprensa em que
contestaram decisões tomadas pelo regulador dos media, a ERC. À agricultura e
ao imobiliário, a família que detém o grupo Lusiaves juntou um novo
investimento, tal como fez o cantor Tony Carreira à música ou o empresário
Marco Galinha à distribuição e venda em máquinas de produtos como o tabaco. Aos
cruzeiros (e a todos os seus negócios), o empresário Mário Ferreira adicionou
um investimento num sector onde já tinha uma pequena experiência, como fez o
empresário João Serrenho às tintas e vernizes da marca CIN. Que sector? Os
media.
A Media Capital e
a Global Media são as protagonistas das recentes mudanças na comunicação
social, com os antigos ‘tubarões’ do programa de empreendedores “Shark Tank”,
da SIC, à cabeça.
Mário Ferreira tornou-se em 2020 o maior acionista da Media Capital, com 30,22%, e conseguiu levar para a proprietária da TVI uma série de investidores de diferentes áreas de negócio, nomeadamente de indústrias sedeadas no Norte. Substituíram a espanhola Prisa que ao fim de várias tentativas vendeu 94,69% da Media Capital e saiu de Portugal. O negócio do dono da Douro Azul com o grupo espanhol foi esta semana alvo de uma decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que defende que foi feito sem a autorização prévia obrigatória, mas que, ainda assim, abre portas a que as irregularidades sejam sanadas. Já Marco Galinha tem neste momento 29,75% da Global Media e um acordo para chegar à maioria do capital da empresa que edita o “Diário de Notícias” e o “Jornal de Notícias”.
A existência de
estruturas com acionistas diversos de vários sectores, sem um grupo de
controlo, como na Impresa, dona da SIC e do Expresso, ou na Cofina,
proprietária do “Correio da Manhã”, vinha já sendo experimentada pelo
“Observador” e pelo “Eco”. Aliás, alguns dos acionistas da Media Capital, como
Mário Ferreira, Luís Guimarães, da Polopiqué, e João Serrenho, da CIN, são
acionistas do jornal de informação financeira.
Este ano está
previsto o lançamento de um semanário, que comprou a marca SOL, por um grupo de
acionistas. Um deles, o gestor francês Patrice de Maistre, foi condenado a três
anos de prisão por abuso de confiança e branqueamento de capitais. Na estrutura
acionista da Media Capital também há quem esteja a contas com a justiça: Avelino
Gaspar, dono da Lusiaves, foi acusado de falência dolosa e branqueamento de
capitais.
TRANSPARÊNCIA
PRECISA-SE
Se a chegada
destes investidores traz dinheiro aos grupos de media e potencia novos
investimentos, também levanta dúvidas: o que leva empresários de outros
sectores de atividade a investir nos media, sector onde as receitas estão sob
pressão há vários anos?
Arons de Carvalho,
membro do Conselho Geral Independente da RTP, diz ter “alguma preocupação” com
estas movimentações. “O aparecimento, de há uns anos a esta parte, de grupos
empresariais que investem nos media e não são originariamente deste sector faz
levantar a suspeita de que pretendem através desses investimentos não
propriamente ter lucros e uma atividade rentável mas ganhar influência social e
política, favorecendo indiretamente outros sectores de atividade económica onde
estão”, afirma o também antigo vice-presidente da ERC.
Considerando que
“esta suspeita não é fácil de confirmar”, Arons de Carvalho entende que falta
mais informação para se poder entender a racionalidade destes investimentos.
“Pode-se aumentar as regras da transparência no sector, por um lado, e, por
outro, tentar assegurar a autonomia dos jornalistas, as suas liberdades face
aos grupos empresariais onde trabalham”, afirma. Ressalva, por outro lado, que
a chegada de capital aos media pode ser uma boa notícia se aumentar “a
pluralidade de vozes, a independência dos jornalistas e as condições de
sustentabilidade das empresas”.
Elsa Costa e
Silva, professora do Instituto de Ciências da Universidade do Minho, também
defende que os investimentos recentes devem ser acompanhados “com cuidado”,
pois são acionistas “que não têm conhecimento deste mercado, que é muito
particular”. E diz que, atendendo à atual conjuntura, “não se percebe muito bem
a operação destes grupos. Se vierem com a perspetiva de sustentar os media
portugueses, para não os deixar morrer porque são um ativo importante para a
democracia e para o pluralismo, acho bem”. Mas, perante as dúvidas, pugna por
uma maior atuação do regulador: “A ERC tem toda a cobertura legal para
interrogar estes grupos e saber ao que vêm.” E deve acompanhar mais o trabalho
das redações de forma a garantir a independência editorial.
SUSPEITAS
“SAUDÁVEIS”
“Todas as
suspeitas são legítimas quando vemos um grupo entrar num sector que atravessa
dificuldades e que sabemos que tem um forte impacto na opinião pública. Estes
ativos podem não ser importantes do ponto de vista económico, mas são
importantes para a democracia e, por isso, temos de ter esta suspeição saudável
relativamente a todos os que estejam no mercado dos media. Não é estar a
acusá-los de nada, mas temos de acompanhar o seu funcionamento no dia a dia”,
continua a professora.
Elsa Costa e Silva
lembra que “não é propriamente novidade haver grupos de fora do sector a
investir na comunicação social”. Foi o que aconteceu nos anos 90 com a Cofina,
que era um grupo industrial, ou com a Sonae, que investiu no “Público”
desafiada por um grupo de jornalistas. Mas nessa altura “o negócio estava em
alta, os media eram um produto apetecível do ponto de vista económico,
estávamos numa fase de expansão e ainda não havia grandes concorrentes como o
Facebook ou a Google, que tiraram as receitas publicitárias aos media,
fragilizando financeiramente as empresas do sector”.
Neste momento,
muito se joga a nível europeu. “Vamos ver como vai ser regulada a atividade
destas grandes tecnológicas. Se começarem a pagar aos meios de comunicação
social pelo aproveitamento que fazem dos conteúdos, como na Austrália, o
mercado pode mudar um bocadinho e pode justificar o investimento”, adianta.
Também a
presidente do Sindicato dos Jornalistas (SJ) não tem dúvidas de que há falta de
transparência nas mais recentes alterações acionistas. “Ficamos todos a pensar
se não haverá tentativas de instrumentalização para montar áreas de
influência”, diz Sofia Branco. “A informação deve ser tratada como um bem
público e como tal a transparência e a fiscalização nos media deviam ter uma
regulamentação mais eficaz”. Todas as entidades interessadas em entrar no
sector deveriam explicar quais os seus objetivos para se poder aferir das suas
intenções, e a Assembleia da República também devia estar envolvida de forma a
escrutinar o que é feito com esse “bem público”, defende.
O SJ revela
preocupação com o tema, tal como com a “excessiva concentração do sector”. E
lembra o carácter transnacional de alguns investimentos, como o capital
angolano que investiu nos jornais “Sol” e “i” ou o capital chinês na Global
Media. “Tudo é mais complicado quando a regulação e a fiscalização têm de ir
além-fronteiras”, acrescenta.
Ao Expresso, o
secretário de Estado do Cinema, Audiovisual e Media, Nuno Artur Silva, diz que
“o Governo acompanha com atenção” as recentes mudanças acionistas, mas não quis
fazer mais comentários atendendo a que se trata de negócios entre privados.
O Expresso
questionou os principais acionistas da Media Capital sobre os motivos que os
levaram a investir nos media, mas poucos quiseram comentar (ver caixa). Do lado
da Global Media, Marco Galinha explica que a aposta que está a fazer se
justifica porque acredita no sector e reconhece a sua importância para o país.
Também contactou a Impresa e a Cofina, que recusaram comentar o assunto.
ACIONISTAS DE
ÁREAS “RELACIONADAS”
Entre os
principais acionistas da Media Capital está a Biz Partners (com 11,973%),
veículo criado em setembro que junta empresários como José Santana, dono da
empresa de eventos NIU e do restaurante Praia, e o cantor Tony Carreira. “O
investimento e a energia colocados no projeto da Media Capital por parte da Biz
Partners têm tanto de natural quanto de estratégico para os seus acionistas”,
indica a empresa. “Temos experiências convergentes em áreas diretamente
relacionadas com os media, tanto do lado dos maiores anunciantes nacionais como
da parte das agências de meios, ativação e produção de conteúdos, por onde
andamos e andámos durante grande parte das nossas vidas”, continua. Deste
veículo saíram entretanto as imobiliárias IBG e Castro Group. “Quando se vive em
democracia, a independência não depende dos interesses ou das experiências de
cada um, depende do que cada um faz. E temos toda a confiança na transparência
e na independência de quem dirige, com comprovado sucesso, a Media Capital”,
acrescenta a Biz Partners. O Expresso contactou também Mário Ferreira e a
Triun, que alegaram que, estando a decorrer uma oferta pública de aquisição
sobre a Media Capital, “este não é o momento adequado” para falar sobre este
investimento. Zenithodyssey e CIN também declinaram comentar, esta última
porque defende que o investimento é do seu presidente (Expresso, texto dos
jornalistas DIOGO CAVALEIRO e PEDRO LIMA e INFOGRAFIA de JAIME FIGUEIREDO)
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