terça-feira, outubro 13, 2020

Nota: aval e outros mistérios e interrogações...

 

Eu não sei - não sei mesmo - os contornos das negociações (?) com Lisboa para que a República aprovasse a garantia à Madeira de um aval para uma operação financeira junto da banca, permitindo assim que a RAM suportasse cerca de menos 6 a 8 milhões de juros anuais. Numa altura, isso eu sei, em que o estado pretende meter mais 460 milhões no ex-BES (cuja rede de gatunos e corruptos nem julgados ainda foram) - e esta geringonça já espatifou mais de 3 mil milhões de euros na banca falida e roubada - o Estado, ou melhor, o governo da geringonça envergonhada recusa (?) o aval pomposamente anunciado na imprensa local, tendo como fonte - outro mistério estranho e algo caricato - por Marcelo Rebelo de Sousa, que atendendo ao desfecho, acaba por sair deste processo chamuscado, desautorizado e ridicularizado.

Acho tudo isto lamentável e absurdo.

Começo por referir, porque me parece importante trazer a este texto opinativo, que desconheço a dimensão do embuste político, a amplitude da manipulação mentirosa que rodeou este processo negocial, mesmo correndo o risco de ter que recuar nas considerações dado que, repito e insisto, desconheço em absoluto os contornos de todo este dossier e já não acredito em nada do que é publicado.

A sensação que eu tenho é que há um défice tremendo de diálogo entre os dois governos, um diálogo que se desenvolva nos bastidores da política e das relações institucionais, sem as doentia dependência de notícias nos jornais e destaques nas televisões (não há maneira de perceberem que essa trampa de atitude não dá votos) - e isso está a contaminar a política madeirense há uns 3 a 4 anos para cá (a chamada governação ou oposição da treta, feita para notícias e não a pensar nas pessoas). Neste caso do aval solicitado pela RAM acresce que tenho a sensação que a opinião pública não tem sido devidamente informada, que há uma desconfiança enorme em relação aos factos e à verdade.

Afinal:

- que contactos manteve o GRM com Lisboa sobre esta matéria? Datas? Missivas? Contactos telefónicos? Entre quem? Quem com quem?

- quem coordena os contactos políticos entre o GRM e Lisboa? E como isso é feito?

- que documentação existe disponível que confirme a razão do GRM perante a recusa (?) de Lisboa na concessão desse aval?

- com o aval do Estado quanto pagaria a RAM, mensalmente? Sem o aval quais os encargos mensais da RAM com essa operação financeira?

- quais as características da operação financeira negociada pelo GRM junto da banca e cuja necessidade ninguém ousará contestar, muito menos nestes tempos de pandemia e atendendo ao rombo causado e que vai continuar a causar?

- que respostas deu Lisboa aos pedidos do GRM? E em que sentido?

- como se envolveu neste processo o Presidente da República - que acaba por fazer uma triste figura e protagonizar um papel ridículo neste processo, desautorizado, colado ao rótulo de potencial "mentiroso" neste processo?

- como é possível, e com que fundamentos institucionais, um jornal regional tenha destacado em primeira página, e com relevo, o alegado "sim" de Lisboa ao aval (curiosamente não deu igual destaque e relevo quando afinal esse "sim" virou "não" de um dia para outro... - quando pelos vistos foi enganado e manipulado nessa notícia?

O que eu sei é que entre a RAM e a República - e confesso que não vejo sinais de qualquer mudança política potencial com este PSD de Rio que acaba por ser apenas um prolongamento, um apêndice se preferirem, de Costa e da sua lógica governativa - e ao contrário do que devia existir, não há canais de diálogo, e as portas que se abrem em Lisboa ou parecem ser reduzidas para as necessidades ou quase não existem.

Noutros tempos - sem com isso pretender fazer comparações, até porque os tempos são outros, os protagonistas e os interlocutores são outros, os momentos e os tempos na política são  diferentes - mesmo parecendo haver "guerra", Funchal e Lisboa tinham canais discretos de diálogo que asseguravam, com mais ou menos tempo de demora, soluções que em determinados momentos eram essenciais. Obviamente que nada funcionou sempre bem e eficazmente, muito menos na perspectiva do que a RAM pretendia ou reclamava. Obviamente que Lisboa não cedeu em tudo ao que o Funchal pedia, mas cenas como estas, desculpem, palhaçadas como estas - que começaram com Cafofo a dizer que ia a Lisboa dar um murro não se percebe onde e como… - nunca vimos. Pelo menos não me lembro, correndo o risco de não estar a ser exacto. Mas não me recordo de nada com estes contornos, contradições, pessoas enganadas, manipulação descarada para consumo mediático, pessoas ridizularizadas, incluindo o Presidente da República etc. Lembro-me sim, e por exemplo, da célebre resposta de Cavaco a João Jardim - dada no Porto Santo – do  “queres dinheiro vai ao Totta” (frase publicitária muito em voga nesse tempo), o complicado relacionamento financeiro com Passos, agravado com a história do tal “buraco” surgido em 2011, a que se seguiu um humilhante PAEF, o relacionamento exemplar e surpreendente (devido às “guerras” políticas então existentes) entre Jardim e Guterres, enquanto primeiro-ministro, e os gravíssimos conflitos no tempo de Sócrates e do seu ministro Teixeira dos Santos, em torno das mudanças na Lei de Finanças Regionais, mas que não impediram, já no final do mandato, a Lei de Meios, depois da Madeira ter sido devastada por um temporal mortal e altamente demolidor. São episódios que recordo bem. Nada comparável a esta estranha e idiota novela em torno do aval, algo que já antes teve um primeiro episódio com a histórias absurdas e mal contadas, em torno do financiamento do Estado à construção do novo Hospital da Madeira (espero que seja essa a sua designação oficial)

Dúvida

Uma dúvida final: afinal que tipo de relação tem o PS-M com o governo da República? Com quem em concreto? Ou o grupo parlamentar em São Bento é o único interlocutor? Qual a dimensão da receptividade que o PS nacional atribui ao PS-M, sobretudo depois de nova derrota nas regionais de 2019, comparando com o que se passa com o PS-Açores onde os socialistas são poder há décadas. O que eu sei sobre isto, de fonte da minha confiança e conhecedora da realidade, é que o deputado Carlos Pereira, sozinho, tem mais canais de contacto e de diálogo em Lisboa - não confundir com qualquer capacidade de pressão - do que os actuais dirigentes socialistas locais. Quanto a isso não tenho dúvidas. Aliás gostava de conhecer a posição do deputado socialista CP perante a alegada recusa do aval (se é que alguma vez foi acordada...), depois da relação que teve quando foi noticiada a falsa concessão desse aval.

Nota final

Será que Lisboa guarda na gaveta uma surpresa no OE-2021, na discussão na especialidade, na lógica da contabilidade de votos para a aprovação na generalidade do OE-2021? Seria surpreendente. E já agora outro desafio: será que a RAM, mantendo-se a recusa da República a este aval pedido pela RAM, ponderou recorrer aos Tribunais para emissão de decisão ou de jurisprudência sobre esse relacionamento financeiro e sobre a lógica do Estado, por um lado se vangloriar com o facto de pagamentos juros com a dívida portuguesa, e por outro penalizar os madeirenses a pagarem mais 6 ou 8 milhões de euros em juros, caso esse aval não seja concedido? O Tribunal Constitucional não tem uma posição sobre esta temática ao abrigo das disposições constitucionais e das obrigações do Estado mais em concreto? O TC não tem opinião sobre uma dualidade de critérios, por exemplo comparando a recusa de concessão de um aval, que não implica o pagamento de um cêntimo que seja - se a RASM cumprir as suas obrigações como lhe compete - e o espatifar de mais de 3 mil milhões de euros para tapar a dívida ao sector financeiro por parte das empresas públicas (com a CP à cabeça com quase 500 milhões de euros), mais os milhares de milhões para uma TAP a definhar e mais quase 500 milhões de euros para o ex-BES. Estou a perorar sobre o envolvimento dos tribunais e do TC na questão das relações financeiras entre Estado e RAs? Sei lá, mas tenho essa liberdade acho eu, mas por acaso alguém pensou a sério nisso? (LFM)

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